sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ESPIRITUALIDADE E SANTIDADE CRISTA

I – AS PRINCIPAIS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL



Introdução



Antes de falarmos da santidade cristã e da perfeição como um campo particular da Teologia Espiritual vamos nos ocupar da vida espiritual no seu desenvolvimento. Não queremos seguir aqui o que S. João da Cruz e Santa Teresa de Ávila nos propõe, esto é as 3 vias de perfeição de S. João da Cruz e as 7 mansões ou moradas do Castelo Interior, de Santa Teresa de Ávila.



Difícil é dizer quanto são os momentos emergentes na vida espiritual. S. Gregório de Nissa afirma que são incontáveis, de um início ao outro início, até a vida eterna. Em prática em cada momento é “momento presente e específico”. Por isso mesmo, aquilo que nós havemos de referir é apenas funcional e não taxativo do desenvolvimento espiritual, isto é, configurações teológicas principais da vida espiritual.



A vida espiritual é portanto um caminho de união com Deus, uma “sequela Christi” e um caminho Espiritual; sustentados pelas três virtudes teologais.



Para chegarmos aos graus do desenvolvimento da vida espiritual é necessário partir antes dos três momentos emergentes na vida espiritual, isto é, da conversão (“Convertei-vos e acreditai no Evangelho” – Mc 1,15 – mensagem primária de Jesus).



Então a primeira coisa que um homem na sua vida deve fazer antes de galgar as etapas da santidade ou da perfeição cristã é a conversão.



Como nos referimos antes, existem três momentos de conversão.





1. Momentos de conversão na Vida Espiritual



1.1. Conversão preliminar



É o momento em que somos baptizados ou o retorno a fé. É uma tomada de consciência do seu ser pecador (“É necessário nascer de novo. – disse Jesus – Se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus”. – Jo 3, 3-5). Não se pode fazer um desenvolvimento espiritual sem passar pelo baptismo.

2. 1ª Conversão



É o momento em que se começa a dar o senso cristão a própria vida, pois muitos são baptizados em criança. Esse momento se realiza mais tarde. Este momento pode coincidir com a escolha de vida, viver como homem ou mulher consagrado ao Senhor, ou então o estado comum da vida cristã.



Este é um momento de dar resposta a chamada do Senhor (profissão de fé).





3. 2ª Conversão



- Momento em que se toma a decisão de ser e de viver totalmente para Deus, seja do ponto de vista afectivo, seja aquele activo.

- Se trata de uma conversão universal (implica que não se faça nenhuma reserva a Deus), sincera (que implica pureza do coração na procura sempre de fazer a vontade de Deus), e constante (que transcende o limite temporal).

- Este momento ou etapa pode vir a ser provocada por factos providenciais (kairoi), como por exemplo, uma simples palavra, um retiro, um acontecimento doloroso (doença, luto).



Já desde o 1º momento podemos começar a falar das etapas ou vias de desenvolvimento da Vida Espiritual, porque é lá onde se dá o senso cristão a própria vida.



Pseudo Dionísio, o Areopagita (cfr. At 17,34), fala de três momentos na vida espiritual, incipienti, proficienti e perfetti, isto é, principiantes, professos e perfeitos.





2. Vias ou Etapas de Desenvolvimento da Vida Espiritual



2.1. Incipiente (Via/etapa purificativa)

É a etapa que coincide com a 1ª Conversão, isto é; a etapa de purificação.



Esta etapa é caracterizada pelos seguintes aspectos:

- Observância dos mandamentos e o destaco do espírito mundano.

- A pessoa faz o propósito consciente de certo empenho interior.

- Começa a procurar de fazer sempre a vontade de Deus.

- Desejo de uma vida cristã mais séria.

- Voltando-se a si mesmo e em atenção a graça que contém, ele começa a se conhecer mais a si mesmo, e, com esta nova consciência acede a uma relação com Deus e com os outros, tratando-os como Pai e irmãos, respectivamente.

- A sua mente se faz mais consciente da presença de Deus e da sua importância, enquanto o seu intelecto vem lentamente iluminado (pela fé e luz divina).



Como “principiante”, naturalmente os obstáculos contra o seu desejo de autenticidade são ainda muitos, requer sempre rezar e fazer exercícios, como exame de consciência, a prática das virtudes e frequência ao sacramento da Penitência.



O perigo do principiante é o escrúpulo ou desencorajamanentos por causa dos fracassos. Por outro lado, também existe o perigo de se atribuir muita importância ao fervor e aos esforços pessoais do que a graça e no abandono a Deus.

A oração típica neste estado é aquela discursiva e, lentamente, por meio dela, a consciência se vai fazendo cristã, também nos pensamentos.

A finalidade desta fase é a purificação da alma (“via purgativa”), das inclinações desordenadas e do espírito mundano, por meio da leitura e da oração.



2.2. Proficiente (Via/etapa iluminativa)

Etapa que coincide com a 2ª Conversão. Proficientes são aqueles que acedem ao momento iluminativo e na escola do Evangelho, aprendendo as virtudes e “sentimentos de Cristo” (Fil 2,5).



Trata-se de um estado espiritual mais pacificado, mais estável. O pecado como tal é, normalmente, vencido.

Superando a mediocridade do 1º grau se empreende a via de abnegação. Não procura fazer mais o mal, mas sim se procura de fazer o bem, segundo o espírito evangélico.

Nesta etapa se busca a conformação a Cristo por meio da familiaridade com o Evangelho e a Eucaristia. Cristo se torna verdadeiramente importante e começa a tomar o primeiro lugar, toma os juízos, afectos, e as acções. A criatura começa a ser tomada em relação a Cristo.

O “proficiente” submeteu, habitualmente, as paixões. É o patrão de si mesmo, amante do silêncio e religioso na alma.

A meta desta fase é a procura da verdadeira conformidade com Cristo.



2.3. Perfeitos (Via/etapa unitiva)

Trata-se de uma classificação relativa, porque só Deus é perfeito.



Os “perfeitos” são aqueles que vivem no estado de união com Deus. São aqueles que tem o coração totalmente transformado pelo Espírito do Pai e do Filho.

É o estado em que se goza a união com Cristo que se manifesta, sobretudo, na caridade , como único critério de comportamento (“Se queres ser perfeito, disse Jesus ao Jovem, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres,… Depois vem e segue-me” (Mt 19,21).



Em prática esta abrange dois modos, segundo De Guibert:



1º - A plena consumação da caridade ou caridade heróica, aquela que a Igreja requere para a beatificação dos Servos de Deus.

O papa Bento XIV depois de ter confrontado com várias definições teológicas, define, assim, esta caridade: “A virtude cristã para ser heróica deve fazer de tal modo que aquele que a possui opere facilmente, prontamente e com gosto, a modo a ser superior ao ordinário, para um fim sobrenatural, sem reflexões humanas, com abnegação e submissão dos modos afectivos”



2º - Uma perfeição na caridade menos plena e esplendente, mas verdadeira e suficiente, isto é, a alma que conseguiu um grau de abnegação e de recolhimento, que é, habitualmente, dócil às inspirações do Espírito Santo e que a caridade domina toda a sua vida, se aceita alguma infidelidade por causa da fragilidade humana.



Conclusão

Numa só palavra podemos afirmar, que a santidade (Perfeição) é Deus quem a dá (imprime no homem a sua imagem e semelhança e o faz, filho no Filho, filiação divina).

A santidade subjectiva (participativa), é a resposta no abandono (momento da purificação ou “via purificativa”), assimilando (momento da iluminação ou “via iluminativa”), unindo-se (momento da caridade como critério ou “via unitiva”). Em prática é a assimilação subjectiva da perfeição objectiva de Deus. Em suma, as etapas ou o desenvolvimento espiritual são a assimilação subjectiva da perfeição objectiva de Deus.



II – SANTIDADE CRISTÃ

O facto de a Teologia Espiritual considerar como seu objecto específico a perfeição cristã ou a santidade cristã, entendida como o termo último do desenvolvimento da vida espiritual cristã, nos faz entender que com o estudo da santidade cristã atingimos o âmago do estudo da teologia espiritual.

A santidade cristã configurando-se como o fim último pelo qual o homem foi querido por Deus em Cristo é o argumento central ou mais importante no estudo da teologia espiritual.

Para o cristão; progredir ou caminhar para a santidade até a sua total realização, significa construir e empreender o verdadeiro significado da própria existência; porque foi criado para Deus.

Dada a importância deste tema, o seu desenvolvimento não pode ser arbitrário, pois abraça muitos aspectos. A amplitude da matéria requere a articulação de três secções: a 1ª passa pelo ensinamento bíblico do Antigo e Novo Testamento, a 2ª é dedicada a teologia da santidade e a vida cristã, e a 3ª trata, a obra da santificação do cristão, isto é, a vocação universal à santidade. Mas antes de tratarmos sobre estes aspectos, comecemos por entender melhor o conceito da santidade.



1. Conceito de santidade

A melhor definição dá-se só a partir do mistério de Deus, isto é, o ser de Deus, manifestações de Deus, dom divino à Igreja, transformação íntima da pessoa crente.

Os termos “santo”, “santidade”, “santificar” provêm da raiz hebraica “qdsh”, da qual deriva a ideia ou conceito de “separação”, “sacro”, “puro” e tudo aquilo que é estreitamente ligado ao “culto”. Podemos assim deduzir que “santidade” é o caracter iminentemente religioso, isto quer dizer que, não se pode dizer que Mondlane é santo, se não está na dimensão religiosa.

O caracter essencialmente religioso faz-nos entender que o termo “santo” é usado para indicar uma realidade na qual a relação com a divindade resulta como elemento constituitivo essencial e indica a essência, a transcendência, a potência e a glória.

Referido a Deus o conceito de santidade exprime a essência pessoal, a divindade e a absoluta transcendência.



Dizer que Deus é santo significa afirmar o seu ser infinitamente outro e totalmente separado do homem, e indica o mistério mais alto da sua pessoa; significa reconhecer que Ele é por si, que não pode tomar significado de nenhum outro ser inferior a si mesmo, e que para manter a sua própria especificidade e salvaguardar a sua identidade dos seres criados deve se manter separado deles.

Com a acento da santidade se exprime a dignidade incomparável de Deus, a razão para a qual se lhe deve a adoração e por isso “é para si e para os outros o fim supremo e portanto a norma absoluta e intangível do agir”



Definição de Charles André Bernard

Charles André Bernard, perito em espiritualidade, no seu livro, definiu assim a santidade: “a santidade coincide com o cumprimento da vontade concreta de Deus e se mede sob a conformidade da nossa profunda vontade a vontade divina. Como a vontade salvífica dá finalidade e impulso dinâmico a obra da criação, assim o cumprimento da vontade de Deus leva a nossa personalidade a perfeição e a plenitude” .



2. Ensinamento bíblico sobre a santidade

A ideia da santidade não é exclusiva da Bíblia judeu-cristã mas, também se encontra em diversas culturas, ocupa um lugar particular em todas as religiões. Isto faz entender que o conceito de santidade é um conceito particularmente religioso, e pertence, por natureza, somente a divindade.

Os seres criados são designados “santos” por participação e em virtude do relacionamento de dependência a divindade. Se pode falar também da santidade do homem, enquanto ele tem como dado ontológico-objectivo o relacionamento pessoal com Deus, no qual a santidade existe como sua essência.

No mundo semítico-cananeu a ideia da santidade é intrinsecamente conexa com a noção da “potência misteriosa” existente no mundo divino, isto é de uma realidade, próprio, porque santo existe “separado” do mundo.

A intrínseca conexão entre a ideia de santidade e a noção da potência misteriosa existente fora do nosso mundo criado, revela que o aspecto da separação constitua um elemento essencial para o conceito da santidade, isto é “que o santo deve ser separado do profano para que possa conservar a própria especificidade e, ao mesmo tempo, porque o profano não seja investido da perigosa energia do santo”

Por profano se entende aquilo que é “desmembrado” do sacro, aquilo que é criado, e portanto limitado, fraco e dependente essencialmente do ser divino. É santo, portanto, aquilo que é transcendente, que existe por si mesmo e é fonte do ser criado.

Consequentemente, porque o transcendente e a criatura conservam íntegra a própria especificidade, é essencial que entre eles exista uma separação radical, separar ou ter radicalmente distintos estes dois mundos significa salvar-se.

Com estes breves acenos, o conceito de santidade nos revela algo estreitamente complexo: de facto, outras noções de separação abraçam também a ideia do sacro e do puro.



Do ensinamento bíblico resulta que, para a fé judia-cristã, os termos “santo”, “santidade”, “santificação” são importantíssimos, como veremos a seguir.



2.1. A Santidade no Antigo Testamento



a) Conceito de santidade do A.T.

O conceito de santidade no A.T. teve uma longa evolução. Mas uma coisa resulta sempre evidente e sem alguma dúvida, é o facto que o termo “santo” se encontra referido direitamente e somente a Deus.

Para a formação do conceito da santidade no A.T. é essencial partir do substantivo “santo” e também do adjectivo “santidade”.

O A.T. usa o substantivo e não o adjectivo para indicar o nome de Deus. O substantivo “santo” referido a Deus tem o significado do nome próprio. Este vem usado para exprimir o mistério pessoal, íntimo e insondável de Deus, porque “o nome de Deus é a expressão da essência pessoal”. Dizer o nome de Deus ou dizer a sua essência é a mesma coisa. O termo santo referido a Deus indica a sua essência pessoal.

O substantivo “santo”, além de indicar a essência pessoal abraça também a esfera moral de Iahweh, pois esta também faz parte da sua essência pessoal: “ a santidade de Deus torna-se expressão da sua perfeição essencial e sobrenatural” .

O termo santo, identificando-se com a essência pessoal de Deus, inclui também aquela da divindade. Portanto o termo “santo” referido a Deus se afirma a essência pessoal também a sua absoluta transcendência nos confrontos de cada ser existente.

Só Deus é santo por si mesmo. Aquilo que é criatura pode ser santo somente por extensão da santidade divina. O povo israelita, o homem, o templo e os objectos para o culto são santos em virtude da particular relação com Javé, o Santo. A extensão do termo santo ao homem indica o mistério de Deus como Amor que se comunica com o homem (cfr. Dt 7,6)



b) Teologia dos profetas

A teologia dos profetas apresenta a santidade como plenitude da personalidade divina que transcende totalmente a esfera humana e todos os seres criados, e que a santidade de Deus se opõe a impureza do homem (Cfr. Is 6,5).

Pode encontrar este tema da santidade de Deus nos profetas lendo a “Introdução aos profetas” na bíblia de Jerusalém, na parte que faz menção a doutrina dos profetas. Aqui vamos apenas fazer referência a dois profetas, Oseias e Isaías.



Oseias

Podemos afirmar que todo o livro do profeta relata a sua vida ; a existência de si mesmo como símbolo da relação tumultuosa entre o amor de perdão de Javé, que é Santo, e a infidelidade e prostituição do povo (Os 2,16.21-25).

Para Oseias a santidade é a razão do agir de Deus e da sua absoluta transcendência: “Não executarei o ardor de minha ira, não tornarei a destruir Efraim, porque eu sou um Deus e não um homem, eu sou santo no meio de ti” (Os 11,9). A santidade é aquilo que especifica essencialmente Deus do homem, e também a razão do desejo da sua salvação da parte de Deus.

Nos confrontos com Israel, que se deu a prostituição, isto é, a idolatria, e por isso merecia a destruição, Deus declara a sua disponibilidade de afastar a sua ira e amar-lhes de novo, por causa da sua santidade (Os 14,5).



Isaías

O conceito de santidade está no centro da teologia de Isaías. Ele, pela sua especial experiência se dirige a Deus como “três vezes santo” (cf. Is 6,3), isto é, Deus que é o Santo a terceira potência, que portanto a santidade constitui a dimensão absoluta do seu ser.

Deus como o santo de Israel é uma expressão própria de Isaías (cfr. Is 1,4; 10,17.20; 12,6; 17,7; 29,19; 30,11-12; 43,3.14; 49,7; 60,14).

A santidade por intrínseca conexão com a redenção constitui a certeza da salvação de Israel (cfr. Is 45,17). O vínculo entre Deus, Santo-Redentor, e Israel, salvo, se faz mais profundo e assume o aspecto de parentela, por isso Deus o ama com amor e ternura esponçal (cf. Is 54,4-10), e lhe conduz para o caminho da glória e da paz (cfr. Is 55,5-12).

A santidade em Isaías se manifesta como “glória” e como “potência”. A potência da santidade de Deus é uma potência de amor que salva (cfr. Is 6,1).



c) Teologia deuteronomista

No Deuteronomio o conceito de “santidade” adquire um novo sentido, que é anexado com a ideia da salvação.

A fé do A.T. cai num paradoxo, isto é, tudo que poderia ser dito exclusivamente a Deus e que constituísse o seu mistério íntimo e infalível vem afirmado também ao povo de Israel: “tu és um povo santo para o Senhor teu Deus” (cfr. Dt 7,6; 14,2.21; 26,19; 28,9).

A santidade participada por graça constitui também o específico do povo israelita e é o que o destingue essencialmente nos confrontos com os outros povos.

Deus comunica aquilo que é a sua essência pessoal, e que quer que isso constitua a essência também do seu povo e a sua peculiaridade que o distingue nos confrontos dos outros povos da terra.

A raiz ou a base da santidade do povo é a eleição divina, isto é o amor eterno gratuito de Deus (cfr. Dt 7,7-8). E em virtude deste amor eterno Deus elege Israel como “sua propriedade pessoal” e o faz destinatário da sua benevolência, das ternuras maternas e particulares atenções. A santidade, por isso, é a realidade que cria o relacionamento indissolúvel entre Deus e Israel feito mediante a aliança.

A participação da santidade divina gera a obrigação de fidelidade não somente em Deus para o povo mas também no povo para Deus. O facto de ser santo é a fonte da obrigação moral do povo de agir santamente e a razão de “caminhar nas vias de Deus”, de observar a sua lei (cf. Dt 26,17-19), de professar que só Deus é o Senhor (cf. Dt 7,9).



d) A tradição litúrgica no A.T.

O conceito de Deus Santo como salvador de Israel é presente também na tradição litúrgica, de modo particular nos salmos.

O Sl 99 é um hino a Iahweh rei com afirmação solene sobre a santidade de Deus (vv. 3.5.9). A tríplice aclamação a Deus Santo é intrinsecamente coligada com o tema da realeza (vv. 1-2), da justiça (v. 7), e sobretudo do perdão (v. 8).

Mesmo o profeta Ezequiel se dirige num sentido litúrgico: cfr. Ez 36,23. Deus manifestará a sua santidade transformando interiormente o seu povo dando-lhe um coração novo e um espírito novo (cfr. Ez 36,26-27). O intervento salvífico do Santo restabelecerá a comunhão entre Ele e Israel: “vós sois o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Ez 36,28).



2.2.A Santidade no Novo Testamento

O N. T. acolhe plenamente a fé veterotestementária sobre a santidade de Deus. Que também expressa a essência pessoal de Deus, unido a divindade e a infalibilidade do seu mistério de amor benevolente.

O N. T., todavia, com o evento do mistério pascal adquire o conceito da santidade de um novo e particular significado.

A novidade absoluta do N. T. é que o conceito de santo se refere a todas as três Pessoas divinas.



a) A santidade de Deus

Os escritos do N. T. supõe constantemente a fé veterotestementária da santidade de Deus (cf. Ap 4,8). Os quatro Seres vivos exaltam a santidade de Deus como potência, isto é, a santidade é a razão pela qual Deus é omnipotente, o “pontocrator”. Neste hino a santidade e a omnipotência de Deus se iluminam reciprocamente. A omnipotência indica sobretudo o aspecto visível da santidade, isto é, a santidade mesma que se manifesta visivelmente.

João apresenta Jesus que chama Deus com o nome do “Pai Santo” (cfr. Jo 17,11). Isto quer dizer, para o autor do 4º Evangelho, a santidade designa a essência pessoal de Deus. A mesma doutrina encontramos em 1Pd 1,15-16, que dá particular ênfase na santidade de Deus como fonte e fundamento da vocação cristã.

No Pai Nosso, em Mt 6,9 e Lc 11,2, “santificado seja o Teu Nome”, santificar o nome significa manifestar a essência da pessoa. A santidade, fazendo-se pessoa no nome de Deus, exige uma relação pessoal entre o orante e a divindade. Deus manifestando a santidade se faz presente, assim permite que o orante estabeleça com Ele uma relação pessoal.



b) Jesus Cristo

A santidade pertence também por natureza a Jesus Cristo. A verdadeira definição de Jesus como santo não frequente no N.T. – cfr. Mc 1,24; Lc 1,35; 4,34; Jo 6,69; 1Jo 2,20; At 3,14; Ap 3,7.

A Jesus a santidade pertence por sua natureza porque é Filho de Deus e concebido pela obra do Espírito Santo: “o Espírito Santo descerá sobre ti … Aquele que nascerá de ti será portanto santo e chamado filho de Deus” (Lc 1,35). No evento do baptismo se apresenta Jesus como Filho de Deus que recebe o Espírito Santo (cf. Lc 3,22). Jesus é indicado pelo espírito maligno como “santo”, porque leva o Espírito Santo, em virtude do qual liberta o homem da escravidão do maligno (cfr. Mc 1,24; Lc 4,34). João na profissão de fé de Pedro define Jesus Cristo como “o Santo de Deus” (cf. Jo 6,69). No Apocalipse, Jesus é definido com os mesmos atributos de Deus “santo e verdadeiro” (Ap 3,7). Para os Actos dos Apóstolos Jesus é “o santo e Justo” (At 3,14).

Para S. João, a confissão de Pedro de “santo”, não se refere a Cristo como fazendo parte do Povo de Deus, isto é, o Messias enviado de Deus para salvar, mas Jesus que está a direita do Pai ao qual nos dirigimos no Pai Nosso. O Jesus de João é aquele que o Pai “santificou e enviou ao mundo” (cfr. Jo 10,36). Enquanto Santo de Deus, Jesus é também portador e dispensador de “karisma”, isto é, é aquele que dá a unção: “vós recebestes a unção do santo” (1Jo 2,20).



c) O Espírito Santo

A santidade do Espírito vai ligada àquela de Jesus. Mt 1,18 e Lc 1,35 remetem o Espírito Santo (to pneuma ághion) a razão do nascimento de Jesus. O Espírito Santo tem uma função importante no baptismo de Jesus (cfr. Lc 3,22). Os sinópticos, pela boca de João Baptista, apresentam Jesus como aquele que “baptiza no Espírito Santo” (cfr. Mt 3,11; Mc 1,8; Lc 3,16). Com o baptismo de Jesus inicia a época do Espirito, de facto, por meio do Espírito, Jesus expulsa o espírito mau (cfr. Mc 1,25; Lc 4,43), vence o homem forte e armado que é a guarda da casa (cfr. Lc 11,21-22; Mt 9,24; Mc 3,22-27).

Com o mistério pascal de Jesus, o Espírito torna-se também o Espírito da nova comunidade cristã. No dia de Pentecostes se pousou sobre os Apóstolos (cfr. At 2,1-4) e tornou-se o Espírito de todos aqueles que acreditavam em Jesus Cristo Senhor (cfr. At 4,31; 10,44-46). O Espírito, enquanto santo por essência é potência que reúne a nova comunidade do Ressuscitado e a edifica constantemente na santidade e a torna participante da vida divina.

Para Paulo, o Espírito, enquanto actuação imediata da nossa comunhão com o Pai e o Filho, é também o fundamento da comunhão entre os cristãos (cfr. 2Cor 13,13). A comunidade do Ressuscitado torna-se a nova morada do Espírito (cfr. 1Cor 3,16-17).

O Espírito enquanto dom da comunidade cristã, infunde no coração do crente o amor a Deus (cfr. Rm 5,5), concede a eles a dignidade dos filhos de Deus (cfr. Rm 8,14), edifica a comunidade do amor como esposa de Cristo (cf. Ef 5,21-33; Ap 22,17.22), e a sustenta mediante o corpo eucarístico de Cristo (cfr. 1Cor 12,13).



d) A Igreja santa no Senhor

O antigo povo é santo por vínculo indissolúvel com Iahweh Santo (cfr. Dt 7,6), assim a Igreja, novo povo de Deus, é santa, porque está intrinsecamente unida a Cristo, Santo Filho de Deus. Essa é a comunidade da nova aliança fundada sobre “raiz” santa (Cristo) da qual deriva a santidade do tronco e dos ramos (cfr. Rm 15,13; 11,16-17).

Para Paulo, o antigo “povo eleito” se identifica com a Igreja de Cristo, isto porque Cristo se imolou para santificá-la e fazê-la comparecer diante de si como esposa santa e imaculada (cfr. Ef 5,25-27).

A razão e a fonte da santidade ontológica da Igreja é a união indissolúvel com Cristo Santo. O caracter ontológico da relação da comunidade cristã com o Ressuscitado é também a razão da santificação dos seus membros. Paulo, de facto, os chama “santos” (cf. Rm 1,7; 12,13; 1Cor 1,2).

Paulo, nos endereços das suas cartas, usa a expressão particular: os “chamados santos” – kletói ághioi – (cfr. Rm 1,6; 1Cor 1,24). Com esta expressão; Paulo nos revela que a raiz da santidade da comunidade e também do ser dos cristãos não é em si mesma mas na eleição divina, isto nos diz, que a santidade nasce da vontade divina. É a chamada que nos faz santos e nos torna os cristãos os queridos e predilectos de Deus (cfr. Col 3,12).



e) A vida santa dos cristãos

A santidade da Igreja se manifesta nos crentes, os quais são santos e imaculados (cfr. Ef 1,4), enquanto membros da comunidade santa. Com a regeneração baptismal são inseridos no novo corpo santo de Cristo que é a Igreja. De tal modo que estes participam realmente da mesma santidade de Cristo e possuem o Espírito dele que dá a vida.

O ser constituído e existir como santos, exige uma resposta e um empenho moral coerente com o próprio ser santo: os cristãos devem viver santamente.

O viver cristão, segundo o ensinamento paulino, tem o significado de transformar a existência num sacrifício vivente, santo e agradável a Deus (cfr. Rm 12,1). Paulo fala do serviço a prestar aos santos, “tomando parte nas necessidades dos santos” (Rm 12,13), isto é, a caridade recíproca entre os cristãos deve iluminar toda a vida cristã com a dimensão de serviço e não de privilégios.

As comunidades de Paulo são comunidades de santos por vocação, isto é, aqueles que foram reconciliados com Deus mediante Cristo, na qual são puros tornados novas criaturas (cfr. 2 Cor 5,17ss). Por isso os crentes devem se servir uns aos outros. Mesmo para João, o amor recíproco deve ser na linha do que Deus é para nós, e deve manifestar-se como exigência da natureza santa da vida cristã.



3. Teologia da santidade

3.1. Santidade ontológica

3.1.1. O homem como ser santo em Deus

Pela revelação divina conhecemos que Deus-Santo quis que o homem em Cristo para a sua comunhão. Paulo nos ensina que o objectivo da nossa criação por Deus é a participação na sua “imaculada santidade” (cfr. Ef. 1,4). Idêntico conteúdo nos vem transmitido mediante o tema da criação do homem à imagem de Deus.

Em suma, podemos afirmar, que pela revelação sabemos que o homem é criado para se tornar “participe” da vida de Deus, “da natureza divina” (cfr. 2Pt 1,4), que é a sua santa essência. Podemos deduzir que também o homem, por ter sido feito como elemento fundamental e constituitivo do seu ser com Deus santo, é ontologicamente santo.

De facto se a natureza pessoal da relação com Deus é o critério não só da sua especificidade nos confrontos com os outros seres criados mas também da sua compreensão do senso da sua santidade, podemos concluir que, bem que santo pode-se dizer de todas as criaturas, mesmos inanimados e infrapersonais, enquanto procedem de Deus criador.

“Em senso mais específico são chamados santos só os seres racionais, aqueles que …conscientemente e livremente actuam e realizam a sua união com Deus” . Em virtude do carácter racional que o “homem é um reflexo do mistério de Deus, isto é, pura pessoa em perfeito amor e liberdade”

A ontologia do relacionamento pessoal com Deus nos faz entender que o verdadeiro senso humano, o significado da sua existência consiste objectivamente na união com Deus Santo. E isso nos leva a concluir que para o homem a santidade é um elemento estrutural objectivo do seu ser.

Todavia reconhecendo que a santidade do homem, a natureza ontológica, não se deve afirmar que nele a santidade provém pela sua natureza, mas quer-se afirmar que toda a ontologia do homem é fundada na graça da participação a santidade de Deus. Portanto se deve afirmar que o homem pela graça e não pela natureza é santo ontologicamente.

É este seu ser santo que o constitui pessoa sacra e intangível , é revestido de uma dignidade e transcendência que o especifica profundamente nos confrontos com os outros seres criados inferiores a ele.



3.1.2. O homem santo ontologicamente pela vocação

Em virtude do seu ser santo “o homem se manifesta como uma realidade suprema da existência humana” . Este o é não por si mesmo mas pela graça da sua chamada ou eleição divina.

Ser santo por vocação significa descobrir a raiz e o fundamento da santidade do homem na intervenção divina da sua vocação.

Para que se manifeste o fundamento da graça divina para a compreensão da santidade do homem é necessário aprofundar o senso e o conteúdo do intervento divino da vocação.

O termo “chamada” é bíblico, e é presente especificamente no ensinamento paulino. Na teologia paulina a chamada aparece no âmbito próprio da compreensão da existência e da vida do cristão. Para Paulo o cristão é de facto um “chamado” (cfr. Rom 1,6.7; 1Cor 1,2).

Para Paulo a chamada, é um intervento ou uma acção da graça com o qual Deus manifesta a sua potência criadora. Com isso Deus “chama” a criatura a existência e “re-chama” os mortos a vida (cfr. Rom 4,17).

O termo referido directamente ao homem indica o gesto da graça com o qual Deus os coloca na dimensão essencial, que é a santidade. Por isso, dizer que o homem é santo pela vocação e não pela sua natureza humana.

Segundo o pensamento de Paulo, a intervenção divina da chamada não termina no acto criativo inicial mas perdura por toda a existência. “O chamado não é aquele que foi uma vez chamado e sucessivamente abandonado pelos outros destinos, mas é aquele que permanece estavelmente nesta chamada” .

O gesto da graça da chamada não só manifesta a potência criativa de Deus mas revela a sua explicita vontade de manifestar constantemente a santidade ao cristão. A chamada “vem, de quando em quando, repetida e permanece, como o chamado, em quanto chamado, permanece naquilo que a chamada lhe manifestou” .



3.1.3. Relação chamada e santidade

Olhar para a santidade do homem na óptica da graça da chamada induz a evidenciar o nexo existente entre a intervenção divina da vocação e da santidade.

A dimensão da vocação nos faz entender que a santidade, por ser parte da estrutura do ser humano, é no homem não pela sua natureza mas só pela graça. Nos faz entender que a santidade do homem vem da santidade de Deus: é acto da eleição divina para a comunhão com Deus que faz partícipe do homem da mesma santidade de Deus.

Privilegiando a perspectiva da graça de eleição se evita de colocar o acento sobre a criatura, e portanto, sobre a natureza do ser humano, e permite de descobrir aquela certeza que garante o homem a sua permanência estável na dimensão da santidade. E a garantia é dada pelo facto que a sua santidade depende da pura e gratuita iniciativa divina, e que implica a fidelidade a Deus e a sua livre decisão.



3.1.4. A santidade do homem e o mistério pascal

A santidade do homem vista à luz do mistério pascal exprime também o inefável mistério da vida nova do cristão.

Na Páscoa revela-se plenamente a essência pessoal da divina Pessoa, que se manifesta em modo pleno também no verdadeiro senso do ser e da existência do homem que se tornou crente.

A morte e a ressurreição de Cristo é a fonte do dom do Espírito Santo, doado como principio real do nosso inserimento em Cristo e da actualização imediata da nossa comunhão com Pai e com o Seu Filho, Jesus Cristo.

A Páscoa de Cristo revela plenamente que a nossa ontologia é fundada na participação da santidade divina das Três Pessoas. A vida do cristão aparece claramente sustentada na eleição do Pai, na união indissolúvel com Cristo e na inabitação do Espírito Santo. Tudo isso induz Paulo a definir os cristãos de santos.



3.2. Santidade moral

3.2.1. A conexão entre santidade ontológica e santidade moral

O conceito de santidade abraça o aspecto ontológico e moral. “Actio sequitur esse”. Por isso o aspecto ontológico é intrinsecamente conexo ao dinâmico. Se o primeiro é a raiz e o fundamento do aspecto dinâmico, este é o caminho para o complemento do aspecto ontológico.

A santidade moral é a plena realização da santidade ontológica, a qual sem o empenho dinâmico permaneceria não actuada (não realizada).

Para compreender a diferença e o nexo intrínseco entre o aspecto ontológico e aquele moral podemos nos servir do relacionamento existente no plano ontológico entre a criança e o adulto. Sob o plano ontológico do ser humano entre a criança recém nascida e o adulto não há nenhuma diferença. A diferença entre eles existe sobre o plano dinâmico, porque, enquanto que no adulto a vida humana se manifesta na plenitude, na criança, pelo contrário, é ainda todo um embrião, e por isso toda a desenvolver.

No plano ontológico, entre a criança e o místico não há nenhuma diferença. Essa existe no plano dinâmico. No grande místico a santidade atingiu a plena manifestação no viver santamente, enquanto na criança baptizada está ainda embrionária. Como para o ser, o agir é o momento relativo da sua natureza e o instrumento do seu desenvolvimento, assim o viver santamente constitui o momento da manifestação da santidade ontológica e o instrumento do seu desenvolvimento e plena realização.

Como em Deus a santidade moral “exprime o imutável orientamento do seu valor ao valor supremo, isto é, a sua própria e infinita dignidade, e portanto a mais pura, mais sublime e constante vontade do bem” . Assim o viver santamente do homem é manifestar a vontade orientada ao bem, ao valor supremo, a visão beatífica divina.

A obrigatoriedade da dimensão moral ou do empenho do homem de tender a santidade brota da mesma estrutura constituitiva do seu ser. Para o homem, o facto de ser santo ontologicamente constitui a verdadeira e a última razão do seu tender, necessariamente, a santidade.

O facto de ser santos gera o imperativo de viver santamente ou de fazer obras de santidade. Ver a santidade moral na linha da resposta obediente ao próprio ser santo por graça, nos faz estar em plena sintonia com o ensinamento paulino proposto pelo Vaticano II na LG no V capítulo: “Nós devemos viver vitoriosamente, não para nos tornamos santos, mas porque somos santos”.

Nós devemos viver “como convém aos santos” (Ef 5,3), dar prova de misericórdia e de paciência, como eleitos de Deus. Sois “santos” e predilectos (Col 3,12). Este é o fruto que o Espírito de Cristo produz em nós (Gal 5,22). Esta é a nossa messe (Rom 6,22). Não a nossa integridade moral que nos mereceu o amor de Deus, pelo contrário, tirados por Ele do pecado, nós não temos nenhum direito de nos gloriarmos.

Assim, o facto da chamada não só nos faz chegar a intrínseca conexão entre os dois aspectos da santidade e a sua proveniência do alto, também evidencia a sua finalidade, isto é, o homem foi constituído santo por graça para que se tornasse santo: “somos chamados santos para ser santos” (1Cor 1,2). O intervento divino da chamada ao homem é posto na condição de realizar-se realmente o projecto divino da comunhão com Deus em Cristo pelo Espírito Santo.



3.2.2. Agir em conformidade e fidelidade ao próprio ser Santo

Até agora nos restringimos a justificar a importância do aspecto moral da santidade e a sua relação com aquele ontológico, agora devemos pôr a nossa atenção sobre a santidade como força dinâmica para o desenvolvimento e maturação da vida nova do cristão. Porém, devemos também recordarmos que o desenvolvimento e a maturação da vida espiritual não caminham somente com o binário diferente daquele do crescimento e maturação humana. É o homem espiritual que cresce e amadurece nas suas múltiplas dimensões em constante tenção para a unidade definitiva com Deus, consigo mesmo e com os outros.

Viver santamente, de facto, é uma apropriação pessoal do dado objectivo da graça da santidade e traduzi-lo em actos quotidianos. A santidade moral vivida, podemos dizer que é a santidade ontológica transformada neste homem. É a força que realiza e constitui “esta” pessoa.

“O conceito de santidade no plano ontológico se estende, portanto, ao plano moral e aparece na sua verdadeira riqueza como qualquer coisa deliberadamente vivida, que penetra a mesma existência da pessoa aponto que esta, com a riqueza do seu ser e com a espontaneidade da sua livre vontade, se une a Deus doando-se a Ele no calor do amor. Por isso, sendo a santidade pessoal, esse leva necessariamente consigo as características típicas de cada pessoa, e tem portanto, como nota essencial, um contínuo dinamismo.”

Concretamente, o crente enquanto criatura nova e pleno de dom do Espírito de Cristo e dotado dos dinamismos teologais, atinge o pleno desenvolvimento da sua personalidade apropriando-se e traduzindo em actos a sua própria personalidade permanecendo dinamicamente no Senhor, operando n’Ele e aderindo constantemente a Ele. Ele sabe que na sua consistência histórica não se pertence mais a si mesmo, mas é do Senhor, por isso é solicitado do imperativo de manifestar visivelmente com coragem a sua pertença ao Senhor através da vivência quotidiana.

Para ele não existem circunstâncias ou situações em que pode pensar fora do Senhor ou não lhe seja pedido de doar-se a Deus em Cristo.

Paulo ensina que viver no Senhor comporta o heroísmo da pureza dos costumes, exige abster-se de tudo aquilo que é contrário a santidade, em concreto significa viver em “santidade e amor” (cfr. 1Ts 1,6).

“A vocação a santidade é assim empenhativa que cada cristão, próprio porque é cristão, é chamado a ser santo no sentido mais estrito da palavra”



3.3. Santidade Cristã

3.3.1. Fundada na união com Cristo

A santidade cristã consiste na união com Cristo, enquanto fundamento ontológico da existência e vida do homem. A compreensão e a motivação da fundamentalidade do relacionamento com Cristo para a definição da santidade cristã devem ser procuradas no interno do quadro do plano salvífico divino.

Cristo não só o eixo (base) em torno a qual se desenvolve o inteiro plano salvífico mas é Ele mesmo o projecto de Deus. Por isso, se Cristo por natureza é a fonte, a razão e o lugar da existência humana, então a santidade do homem não pode ter uma outra origem própria do que este laço ontológico com Cristo, isto pelo facto que o seu ser é um ser cristológico. Podemos concluir que fora de Cristo não há santidade.

A outra motivação da natureza cristã da santidade do homem tem o seu termo na actuação da história da salvação. A revelação ensina que o crente no baptismo torna-se “cristão”, isto é, que entre ele e Cristo nasce um vínculo novo e totalmente profundo que faz nascer a união indissolúvel. Por isso o cristão, como diz Sto. Agostinho, torna-se um verdadeiro Cristo.

O cristão para Agostinho não é somente aquele que pertence a Cristo mas é também Cristo: “non solum sum Christi sed etiam sum Christu”.

O Vaticano II, no capítulo sobre a vocação universal a santidade, ensina que nós pertencemos a santidade de Cristo mediante a incorporação na Igreja, enquanto entre Cristo e a Igreja existe um ligame de caracter ontológico, pois não há Igreja sem pessoas.

Para explicar a intensidade e a profundidade do relacionamento entre Cristo e a Igreja, o Concílio no 1º momento se serve da imagem esponsal: “Cristo, Filho de Deus, o qual com o Pai e Espírito Santo é proclamado “o santo”, amou a Igreja como esposa e se ofereceu a si mesmo por ela, a fim de santificá-la (Ef 5,25-26)” (LG 39).

Mas esta descrição não obstante exalta a intensidade e a intimidade do amor entre Cristo e a Igreja, não parece exprimir suficientemente todas as riquezas do dinamismo da união amorosa entre os dois e a profunda santidade que o deriva, por isso o Concílio para explicar a razão da santidade ontológica da Igreja introduz o conceito de união, “a acolheu como seu esposo” (LG 39).

“Com esta ulterior explicação, a santidade da Igreja vem claramente e explicitamente descrita por meio da categoria da “união” com Cristo, ou seja por meio daquela categoria que em modo eminente exprime a identificação de Cristo com a sua Igreja e que, ao mesmo tempo, revela com uma profundidade insuperável o mistério da Igreja, a sua natureza e finalidade, o seu dinamismo sobrenatural e as multíplices manifestações daquela vitalidade que é tipicamente própria” .

Destas considerações, podemos concluir que “os homens são “santos” porque enquanto são, mediante a Igreja, unidos a Cristo e vivendo ontologicamente e moralmente a vida d’Ele” .

A união do cristão com Cristo, sob a acção do Espírito Santo, atinge tal profundidade e intimidade de assumir o carácter esponsal.

A graça da união amorosa constitui no cristão uma personalidade própria e o habilita a estar diante a Cristo esposo como o seu parceiro.

A acção do Espírito Santo transforma o cristão a semelhança de Cristo, o cumula com dons do esposo e o constitui uma personalidade autónoma para puder estar diante de Cristo e ser amado com Ele com amor esponsal.

A união amorosa é de tal intimidade que faz o crente, o fim desta vida, partícipe da sua glória que Cristo Senhor já possui plenamente estando a direita do Pai.



3.3.2. Sequela e imitação de Cristo como resposta do cristão

A categoria da “união” de uma parte nos permitiu conhecer em que coisa deve consistir a santidade cristã, por outro lado nos fez descobrir a riqueza e a fecundidade derivante do íntimo relacionamento entre o cristão e Cristo.

A categoria da união nos permitiu descobrir o carácter ontológico da relação entre o baptizado e Cristo, e consequentemente nos colocou em evidência também a potência santificante que brota para o cristão. E não só isto, porque a realidade da união indissolúvel é a fonte do imperativo do viver com Cristo e da Sua imitação.



a) À sequela a Cristo

A categoria da união leva consequentemente a conclusão que a vida quotidiana do crente deve resolver-se permanecendo em Cristo, com Cristo e de Cristo. Cristo é a verdadeira e única vida do cristão: “a minha vida é Cristo” (Fil. 1,21). Isto equivale dizer que a vida do cristão, sob o plano da vivência, deve andar toda sob a linha de “sequela Christi”.

O facto do ser existir ontologicamente em Cristo e de viver da Sua vida dá origem ou mesmo obrigação moral de seguí-lo e de encontrar nesta sequela a única motivação de todo agir cristão. Mas a “sequela Christi” pode ser autêntica e caracterizar a vida do cristão, deve haver um significado de opção fundamental e o poder de determinar e justificar cada escolha e decisão do cristão.



b) Dimensão personalista da sequela

A autenticidade da sequela, primeiro ainda que pelo empenho moral, deve caracterizar-se pela dimensão personalística. Isso significa, que precisa seguir a pessoa de Cristo antes de conhecer a sua doutrina.



Paulo diz que “o viver do cristão é Cristo” (Fil. 1,21). Portanto, seguir Cristo equivale viver nele, estar com Ele, viver tudo d’Ele. A sequela é o núcleo central da vida cristã e deve ser também a única via para a santidade.

A autenticidade do caminho deve ser manifestada mediante os sinais, mas sobretudo na intensidade dinâmica do relacionamento com Cristo e na decisão de aderir, em modo radical e livre, a Ele.

O cristão na medida que se desenvolve e se solidifica na experiência feliz da própria pertença a Cristo, expressa visivelmente na partilha do seu destino. Pertencendo a Ele em modo irrevogável, virá manifestar-se em si a força da graça de abrir-se concretamente as necessidades dos outros e de partilhar, profundamente, a sua situação.



c) Imitação de Cristo

Sob o plano dinâmico, seguir a Cristo significa concentrar todos os próprios interesses e projectos sobre Ele. Tê-lo como referimento necessário, e fazer de tal referimento o critério fundamental da escolha na vida.

A obrigação da imitação de Cristo tem a sua razão de ser na estrutura ontológica do ser humano. Na qual a sua compreensão é possível somente no quadro do projecto de Deus. Tal projecto, segundo o ensinamento neotestamentária, é concebido todo fundado sobre a centralidade de Cristo.

De facto, segundo o desígnio eterno de Deus, resulta que toda a nossa evolução e criação é uma evolução e criação em Cristo, por meio de Cristo, e em viste d’Ele. Cristo resulta assim no qual o Pai desde o princípio, até a eternidade, nos faz eleitos e colocados na existência.

A relação com Cristo, portanto, é de caracter ontológico e constituitivo. Por isso, ser humano é definido como “ser cristico”. E o facto de ser cristão é a consequência de adesão do homem ao seu “ser cristico”. Tal adesão vem manifestada na decisão livre e obediente de viver em Cristo, que assume o significado de determinação de toda a própria existência em Cristo.

O significado fundamental da nossa adesão a Cristo se configura como aceitação livre do plano de Deus sobre nós, isto é, como aceitação de deixar-se transformar da acção do Espírito Santo a semelhança de Cristo, no qual e pelo qual Deus nos quis.

O facto de nos querer em Cristo e em vista de Cristo nos faz compreender claramente que para o cristão não existe outro modelo de imitar que Cristo.

A decisão eterna de Deus de nos querer em Cristo é, para o cristão, também fonte de obrigação de considerar Cristo como única “via, verdade e vida” (Jo 14, 6; 8,12). Cristo, isto é, é a nova e única maneira de caminhar segundo Deus e ao encontro com Deus. Ele, enquanto Filho encarnado, é a expressão perfeita do Pai para os homens, e o caminho que introduz na comunhão com Pai, na qual consiste a plenitude da vida.

O facto que Cristo é o único modelo obriga ao cristão de fazer aquela escolha e só aquele que Cristo fez durante a sua vida terrena e pelo qual se revelou o homem perfeito. E sabemos que Cristo realizou em si o homem perfeito procurando e cumprindo em tudo a vontade do Pai.

O referimento constante e obediente a vontade do Pai, por Cristo, significou a opção fundamental sobre a qual Ele apoiou e construiu toda a sua existência e actuou o seu relacionamento com o Pai e com os homens.

A imitação de Cristo, para homem, assume a configuração da liberdade e fiel adesão a vontade de Deus, isto é, aceitar o plano divino de salvação sobre si e colaborar activamente à sua realização. A estrada histórica para a colaboração activa e factiva é aquela livre, constante, radical e fiel obediência a vontade de Deus revelado a nós na vida de Cristo.

Consequentemente também o nosso viver santo não pode que consistir na escolha e no consumo do mesmo “alimento”: fazer a vontade do pai (cfr. Jo 4,34).

Sobre o testemunho de Cristo, o fazer consistir a verdadeira perfeição e maturidade do cristão no comprimento da vontade de Deus, faz pensar que para o homem escolher e aderir a vontade de Deus sobre si não representa uma alienação da própria personalidade mas faz parte da sua constituição em plenitude; porque, mesmo para ele como para Cristo fazer a vontade de Deus significa ser introduzido na íntima comunhão com Deus e receber a o segredo que constitui o mistério mais íntimo da vida divina e da sua participação em Cristo no homem.

Tudo o que viemos reflectindo, temos que concluir que o modelo do agir do cristão e o objecto da sua imitação é unicamente Cristo, e nenhuma outra criatura humana, por quanto santa e por quanto importante possa representar na comunidade cristã e na vida de cada cristão. Isto também vale para os fundadores das Famílias religiosas.

Os santos, nossos irmãos na fé e na sequela de Cristo, são necessários para a função de testemunho que desenvolvem a benefício da inteira comunidade cristã. Assim, portanto, com o testemunho da sua vida consagrada e vivida heroicamente toda para o Senhor e para os irmãos confirmam e reasseguram que a sequela e a imitação de Cristo não leva a alienação mas a plena realização do homem.



3.4. Vocação universal a santidade

3.4.1. A raiz da vocação universal a santidade

A chamada universal a santidade tem a sua raiz na estrutura ontológica do ser humano, do qual a santidade é, pela graça, um elemento constituitivo fundamental do seu ser.

Esse caracter é devido, como constatamos, o facto que toda a ontologia do homem se estruturar no relacionamento com Deus, cuja essência é constituída pela santidade.

O facto que a santidade constitua, mesmo se pela graça, um elemento estrutural do ser humano nos faz entender que a razão da chamada do homem a santidade nasce da estrutura intrínseca do seu ser.

O facto que o seu ser seja um ser santo é a motivação obrigatória de tender a santidade.

A chamada universal a santidade é justificada e exacta no caracter estrutural do relacionamento com Deus, cuja “santidade” resulta como elemento constituitivo do ser humano, também na universalidade da redenção, “porque Cristo morreu para todos, todos são chamados a santidade” .

Por isso, como não existe nenhum homem que não seja querido por Deus em Cristo para comunicar-se com Ele, e como não existe homem por qual Cristo não morreu por ele, assim não existe nenhum homem que não seja obrigado a tender a santidade, isto é, que não seja obrigado a viver em absoluta obediência aos dados objectivos que constituem o ser. Que historicamente, nem todos vivem em modo santo depende de não recto uso da própria liberdade criada.









3.4.2. A única santidade em formas diversas

A santidade, pelo facto que consista na união com Deus em Cristo, é única para todos. Vivemos da mesma vida e todos fomos incorporados no único Cristo e única Igreja, que é o seu corpo santo.

Mas esta única vida e santidade são incarnadas em modos e formas diversas por cada pessoa. A fonte é a única mas as vias de realização são muitas (cfr. 1Cor 12,4-12).

O Vaticano II fala de multiforme exercício da única santidade. “Nos vários géneres de vida e nas várias tarefas a única santidade é cultivada quando são motivados pelo Espírito de Deus” (LG 41).

O Concílio tinha afirmado antes que a única santidade “se exprime em várias formas diversas para cada um” (39), por isso “cada um segundo os próprios dons e tarefas deve sem persuasão avançar para a via da fé viva, a qual acede a esperança e opera por meio da caridade” (LG 41).



3.4.3. Acontecimentos históricos

Muitos acontecimentos históricos que marcaram a vida da Igreja influenciaram para reduzir a dimensão universal da vocação a santidade. Entre as causas principais existe o facto da progressiva clericalização da Igreja com a consequente marginalização do laicado da participação activa a vida da comunidade cristã. Este fenómeno levou a identificar sempre mais o ideal cristão com aquele de monaquismo e do clero. Disso nasceu a convicção que tender a santidade fosse uma obrigação somente dos monges e que a via para a santidade fosse única para todos, o mosteiro.

É verídico, que na Igreja não faltou entre os leigos fermentos da santidade. Se pense por exemplo, entre os séculos XII e XIII com características notáveis de pobreza evangélica. Como também, entre o fim de século XVI e o início do século XVII, encontramos S. Francisco de Sales (1562-1622) que com a sua Filotea é intento a demonstrar as diversas formas da única santidade. Este, todavia, são episódios insolados, porque a convicção acerca do único modelo de tender a santidade foi sempre bem radicada na mentalidade eclesiástica. Não podemos esquecer o evento do Jansenismo do século XVII até o fim da primeira parte do século XIX, o qual exerceu o influxo nefasto sobre a espiritualidade cristã.

A convicção que nem todos foram chamados a santidade e que o modelo da realização fosse único para todos permaneceu quase até o Vaticano II. O Concílio representa profunda mudança para o reconhecimento e o ensinamento acerca da chamada universal a santidade.

A redescoberta da chamada universal a santidade coincide com a resposta da Igreja como o Povo de Deus e como o Corpo de Cristo. Que comporta a necessária compresença activa de todas as categorias que o acompanham, portanto, também a presença activa e co-responsável do laicado.

Se olharmos bem, quando o laicado é reduzido a pura presença passiva, a vocação a santidade torna-se privilégio de qualquer categoria, quando a comunidade cristã reaparece a figura activa do laicado a chamada a santidade sobressai em toda a sua universalidade.



3.4.4. Modelos diversos para a santidade

O Vaticano II dizendo que “a única santidade” é vivida “segundo os dons e as tarefas próprias de cada um” reconhece explicitamente a diversidade e a diferença de formas de viver e incarnar a única santidade cristã.

Acrescentando de imediato que o fundamento da graça se manifesta não só com o nível ontológico, mas também que diz respeito a forma concreta de viver a santidade, porque o modo de viver a santidade não depende da decisão pessoal do cristão mas da graça da chamada divina.

O facto das diversas formas de viver a única santidade deve antes de mais nada fazer reflectir que nenhuma vocação pode pretender de apresentar-se como a única e autêntica nos confrontos com as outras, em quanto todas as vocações são necessárias para o pleno desenvolvimento da única santidade.

As motivações que justificam a pluralidade das formas de tender a santidade podem ser de ordem teológica, eclesiológico e antropológico. Mas, antes de proceder a ilustração singular façamos uma pequena reflexão sobre o relacionamento entre unidade e a diversidade.



a) Relação unidade-diversidade

A unidade e a diversidade não podem ser compreendidas como duas realidades entre elas distantes e contrapostas, nem podemos pensar a unidade como soma da diversidade e nem, ainda, a diversidade como fragmentação da unidade.

Mas, a unidade é a raiz de tudo e, é anterior a qualquer multiplicidade. Ele é intrinsecamente harmónico e vital de uma potência inexaurível (1Cor 13).

Portanto, os múltiplos, as diversidades não são senão a mesma unidade que se manifesta em diversos modos e exprimem a fecundidade e a riqueza vital da unidade.

Mais é diversidade, mais unidade se expressa. Se olharmos o modo dos vegetais constatamos que os diversos ramos não é uma outra coisa que plena manifestação da única vida presente na única semente.

Passando para o relacionamento entre a única santidade e as suas diversas formas da incarnação, podemos dizer que as várias vocações, os dons, os carismas, etc., não são que a única manifestação visível da riqueza e vitalidade inexaurível da única santidade ou união com Cristo.

Também para vida cristã, mais são as formas, mais é a união vital com Cristo, que vem manifestada visivelmente.

Também partindo da vertente da diversidade chegamos a mesma conclusão. Fazer a unidade, significa viver a própria diversidade, isto é, o dom pessoal ou próprio carisma, não com o espírito de proprietário para distinguir-se do outro mas como empenho de exprimir e realizar a harmonia que forma a natureza da mesma unidade.

Viver o próprio dom como contributo a plena manifestação da fecundidade na unidade.

Reduzir a diversidade ou vive-la com o espírito de proprietário significa esterilizar-se na unidade.

Na vida cristã e na imitação de Cristo mais se ocupa pelo outro, mais se fortifica o dinamismo vital da única união com Cristo.

Por último, temos que considerar obrigatório que “os muitos” estão para a unidade.

O critério para viver em modo justo o próprio dom pessoal é, antes de mais nada, a atenção constante da única fonte de todas as singularidades. Isto comporta o viver a própria vocação como serviço humilde a unidade, isto é, como empenho de permissão a unidade de exprimir-se e de realizar-se.



b) Motivação de índole teológica

Na base de tudo existe a livre e liberal iniciativa do amor gratuito de Deus, o qual por sua natureza, é inrepetível no agir.

A verdadeira justificação histórica a encontramos ao interno do plano salvífico divino. A divina revelação nos fez conhecer a natureza comunitária do projecto de Deus.

O aspecto comunitário chama em primeiro plano a fundamentalidade da harmonia, cuja plenitude e perfeição é dada pelo perfeito acordo de cada um deles.

Colocando-se ao interno da economia do projecto comunitário de Deus, vemos que os intervenientes divinos, todos os gestos salvíficos, a partir da criação a redenção, são factos que convergem na realização da convocação, actualização da unidade como o Povo de Deus.

Neste contexto, as singulares intervenções antes que serem a expressão da inrepetibilidade divina no agir, manifestam também a sua intenção de como na unidade encontramos a sua plenitude, através da diversidade.

Nesta linha podemos ler também as vocações “especiais”, como aquela dos Patriarcas, de Moisés, de Jesus, de João Baptista, da Beata Virgem Maria, dos Apóstolos. Estes gestos divinos são todos em vista a realização do único plano salvífico.



c) Motivação de caracter eclesiológico

O aspecto mistérico da Igreja concorre a nos fornecer ulteriores clarezas sob o aspecto das múltiplas formas da única santidade.

A Igreja do Vaticano II se caracteriza como mistério da comunhão, isto é, como realidade fundamentada na unidade do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cfr. LG 5).

A sua existência na história se configura como forma visível da comunidade trinitária e como multiforme sapiência de Deus (cfr. Ef 3,10).

Em relação ao mistério da salvação vem apresentada como madre fecunda que gera sempre novos filhos à salvação (cfr. LG 5).

O facto de que a Igreja seja fundamentada na unidade trinitária nos faz pensar que essa pode realizar-se na história cumprindo o seu mandato principal: tornar partícipe os novos membros do dom inesgotável da sua união indissolúvel com Cristo. Por sua vez, os novos membros, mediante os vários dons e carismas pessoais que os foram concedidos pelo o Espírito, formam o seu ornamento esponsal, com o qual essa pode apresentar-se e estar como esposa diante de Cristo, seu Senhor (cfr. PC 1).

Uma clara luz sobre as diversas formas da santidade como necessárias para a manifestação fecunda da unidade da Igreja em Cristo coloca a imagem da Igreja como corpo de Cristo.

O conceito do corpo, faz pensar a um tipo de Igreja que nasce da comunhão dos fiéis em Cristo e que se apresenta como um organismo visível.

A Igreja, como um organismo espiritual e social, se de uma parte há uma sua própria vitalidade que se manifesta mediante a agregação dos novos membros, os quais ou com tarefas, ou com funções, ou com ofícios, ou com dons e carismas especiais contribuem em modo diverso a edificação da única comunidade.

Com a imagem do corpo se evidencia, por um lado a fundamentalidade da unidade que gera os múltiplos, por outro lado, a diversidade como plenitude da unidade.

Se a unidade é a fonte da diversidade, estes são a unidade em plenitude. Por isso, na Igreja mais são muitos tipos de vocação, mais são muitos carismas e mais a unidade é expressa em plenitude.

A Igreja pelo facto que seja indefectivelmente santa, de uma parte revela a sua capacidade intrínseca de santificar os seus membros, da outra parte que neles concorrem as várias formas para exprimir e enriquecer a sua santidade.

O Vaticano II indica a razão da existência das várias formas vocacionais próprio no seu intrínseco relacionamento com o mistério da Igreja, esses são vistas como diversas vinculações da única santidade.

“A santidade da Igreja continuamente se manifesta e se deve manifestar nos frutos da graça que o Espírito Santo produz nos fiéis. Se exprime em várias formas presentes em cada um” (LG 39).

É mais radical o modo de seguir Cristo, e mais profundo o legame com a Igreja, por ex., na vida religiosa, se faz mais forte a exigência de “levar ao mundo uma esplendida testemunho e magnífico exemplo da santidade da Igreja” (LG 39).



d) Motivação de carácter antropológico

As diversas formas da única santidade recebem uma ulterior confirmação pela antropologia. É o caracter pessoal do homem que se oferece a justificação, porque o homem próprio enquanto pessoa revela o carácter de inrepetibilidade.

Tudo isso porque o fundamento ontológico da pessoa humana é o relacionamento com Deus, por isso podemos dizer que o senso e o valor da pessoa humana e aquela de relacionamento com Deus são directamente proporcionais. De facto, a inigualável dignidade compete ultimamente ao homem próprio por causa do seu relacionamento que ele mantém com Deus.

A pessoa vem caracterizada por duas qualidades, àquela da relação e de inrepetibilidade. Se existe uma inrepetibilidade, portanto um absolutismo, participada ou humana se deve próprio a realização que essa possui com a Inrepetibilidade fontal de Deus. Portanto, a inrrepetibilidade do homem nasce da participação da inrepetibilidade de Deus.

Dado o carácter pessoal da santidade, esta vem encarnada em modo inrepetível da pessoa a pessoa.

Se de facto a santidade consiste na união pessoal com Cristo, tal união é determinada da inrepetibilidade da pessoa humana. Cada união entre pessoa possui uma marca típica e inrepetível. “Por isto, considerando os relacionamentos pessoais e a união que duas pessoas tem com uma terceira, não podemos mais falar da identidade… Tudo isso, vale naturalmente também para os nossos relacionamentos pessoais com Cristo e para a nossa união com ele; vale também, em modo especial, premente e único, porque as relações e as uniões pessoais correspondem a mais íntima tendência da nossa pessoa” .





4. A Igreja lugar da santificação

4.1. A Igreja como sinal da decisão de Deus a favor do homem

No quadro da vida cristã, a acção santificante das divinas Pessoas e a ascensão na união com Cristo se fazem visível e adquirem a dimensão da história na Igreja enquanto corpo sacramental de Cristo ressuscitado. Por isso que o valor do “lugar” privilegiado de santificação do Cristão, isto é, como sinal visível, escolhido por Deus para manifestar a decisão irrevogável da sua vontade salvífica a favor do homem, para exprimir o seu empenho solene de fazer-se encontrar pelo homem e para estar na sua completa disposição quando o quiser.

A força de ser verdadeiramente sinal “significativo” da plena disponibilidade de Deus a favor do homem é conferida a Igreja pela sua natureza de ser corpo sacramental do Ressuscitado.

O facto de ser corpo místico coloca, pela graça, sob o mesmo plano da mediação de Cristo salvador. É o novo modo na qual o mesmo Cristo Senhor continua a desenvolver a sua tarefa do único e eterno mediador.

Cristo, se durante a sua vida terrena, cumpria sozinho o ofício de sacramento de Deus e da sua vontade salvífica, como glorioso cumpre este ofício não mais sozinho, mas mediante o seu novo corpo, que é a comunidade cristã.

Tudo isso coloca a Igreja, pela participação, na linha sacramental de Cristo. Por isso, pensa-la como sacramento de Cristo, a possamos considerar juntamente com Cristo, sacramento de Deus para a salvação do homem.



4.2. Indefectivelmente santa

O facto de ser o novo corpo sacramental de Cristo Senhor, é também a razão da sua santidade ontológica, e portanto, da função própria e activa na santificação do cristão. Por isso não partilhamos as afirmações como as seguintes: “a Igreja é um simples mediador…” . Essa afirmação não tem fundamento ontológico, visto que a Igreja é um instrumento que possibilita a alma a vida divina, o ser sobrenatural.

A visão estática da Igreja como “depositum fidei” é uma consequência de uma impostação societária perfeita, que dominou até o Vaticano II.

O Concílio fez redescobrir a Igreja como um mistério de comunhão e meteu em evidência a direita participação do homem, e a razão está na real união com Cristo ressuscitado. Por este facto, diz o Concílio, “a Igreja é indefectivelmente santa. De facto Cristo, Filho de Deus, o qual com o Pai e o Espírito Santo é proclamado “o santo”, amou a Igreja como sua esposa e se ofereceu a si mesma por ela, a fim de santificá-la (cfr. Ef 5,25-26), e a associou a si como o seu corpo e a há colmou dos dons do Espírito Santo, para a glória de Deus” (LG 39).

O facto de ser o corpo de Cristo a fez indefectivelmente santa, a constituiu também como fonte de santificação direita do cristão. Por isso, o Concílio convida a todos que se incorporam na Igreja a obrigatoriedade de tenderem a santidade. “Todos os fiéis devem ser santos na conduta moral, porque devem agir em conformidade a aquilo que eles são na ordem do ser, isto é, homens que vivem na Igreja santa” .



4.3. A Igreja sacramento da santidade

A Igreja, porque é santa da santidade de Cristo, é também, não sem Ele, sacramento de santidade, e tem o poder de santificar os seus filhos. Mas a categoria da união com Cristo, se por um lado faz consistir na santidade ontológica da Igreja, na sua total dependência a Ele, por outro lado, também, faz ressaltar a dependência da acção de Cristo na Igreja. Como a Igreja não santifica sem Cristo, assim Cristo não pode operar a santificação dos seus seguidores sem a Igreja.

O título que o discípulo de Cristo pode se “orgulhar” por ter a santificação é a sua pertença ao novo corpo terreno do Senhor ressuscitado.

A Igreja, vista como mistério da comunhão, aparece como a forma visível da comunidade trinitária e, por isso mesmo, como sinal visível da santidade das divinas Pessoas.

Tudo isso confere a Igreja o valor do lugar-empenho da santificação do baptizado. Este fica santificado porque possui a Palavra da vida do Pai e a salvação que o seu Senhor actuou mediante o mistério da morte e ressurreição. Neste contexto, a elevação a santidade, o cristão a realiza na medida em que se decide pela comunidade cristã e se insere activamente nela.



4.4. A santificação para a edificação da comunidade

A Igreja, bem que seja ontologicamente santa e por isso sacramento de santificação do homem novo em Cristo, existe não como realidade plenamente edificada, mas precisa da perene construção em Cristo. E na sua construção deve colaborar também os seus filhos que gerou por obra do Espírito Santo, na santidade de Cristo. Esta perspectiva nos faz entender que o empenho do cristão de tender a santidade é caracterizado essencialmente pela dimensão comunitária.

Por isso o empenho moral que nasce do seu ser santo, obriga o cristão a uma tendência não só em senso vertical, isto não somente a um crescimento na união com Deus, bem como a consolidação e o desenvolvimento das relações com os outros.

A razão da obrigatoriedade do desenvolvimento no vínculo da união com os outros está no facto que o cristão com o baptismo foi inserido, simultaneamente, a Cristo e a Igreja. Isto quer dizer, que o baptizado participa da santidade de Cristo mediante o seu inserimento na Igreja, novo corpo “santo” de Cristo ressuscitado.

O facto de viver juntos e de formar um só corpo em virtude da dedicação de Cristo por cada um deles (cfr. 1Cor 8,11), obriga aos membros da comunidade a manifestar-se reciprocamente o seu ser uma coisa só em Cristo, e se acolherem em nome de Cristo e da comunidade .

Pelo facto que o novo corpo de Cristo do Ressuscitado, a comunidade é o verdadeiro “lugar” onde a santidade se comunica e requere de exprimir-se e traduzir-se no acolhimento e no serviço da caridade. Assim a atenção ao irmão torna-se norma permanente do agir do cristão (cfr. 1Cor 8,2.7-13).

Tudo isso faz com que o baptizado deve ter como critério fundamental o referimento a comunidade, em que o progresso na comunhão com Cristo deve fazer corresponder uma factiva comunhão com os irmãos.

Assim o cristão tem o dever de manifestar com a sua vida a santidade do corpo de Cristo a qual pertence, deve testemunhar, isto é, que vivam juntos em virtude da graça da chamada em Cristo a vida nova, que são santos e santificados pela graça da participação a santidade de Cristo mediante o inserimento num corpo santo da mesma santidade de Cristo.

O ensinamento da 1ª carta de Pedro que exorta aos cristãos a viverem em modo tal a demonstrar que o seu estado de novas criaturas, de eleitos em Cristo e novos filhos de Deus, os dons da graça e da santidade não são dados como bens pessoais e exclusivos, mas servem principalmente para a edificação da comunidade (cfr. 1Pt 4,19 - ler).

Tudo isto faz com que os cristãos, em qualquer estado de vida, são chamados a viver a sequela de Cristo, são obrigados a viverem em modo empenhado na fé, esperança e caridade, e a contribuir, cada um segundo os dons recebidos, a edificar a comunidade cristã.

Àqueles que são chamados a serem o sinal de Cristo Cabeça devem servir os irmãos mediante os seus carismas da caridade pastoral, cuidando, segundo, as palavras de Pedro, a igreja a eles confiados não para servir-se dele mas com zelo e amor, não oprimindo as pessoas mas fazendo-se modelo de todos (cfr. 1Pt 5,2-3).



5. Os sacramentos são meios privilegiados da santificação

Entre os meios de santificação do cristão, em primeiro lugar estão os sacramentos, porque são acções de Cristo e da Igreja, seu novo corpo santo.

São chamados de acções sacramentais, portanto capazes de santificar, porque foram feitos por um corpo sacramental que tem o Ressuscitado como cabeça.

Os sacramentos manifestam a graça santificante de Cristo cabeça unida ao seu corpo místico, inserem os crentes na comunidade do Ressuscitado e o tornam participantes da sua santidade.

As sete acções sacramentais produzem, cada um em modo próprio, a nossa santificação. “Cada sacramento é um acontecimento de graça e de salvação que nos faz partícipes, em modo próprio, no evento pascal de Cristo e no dom do seu Espírito na Igreja” . Cada sacramento, por isso, nos faz partidários de Cristo, nos conforma a Ele, nos constitui em seu corpo, nos faz crescer na fé, esperança e caridade, e nos introduz nos bens escatológicos.



a) O Baptismo

O Baptismo, considerando o eterno projecto salvífico divino, é o instrumento que Deus predispôs para realizar a nossa “consagração” no Filho. A sua conceição é o sinal com o qual vem explicitado o projecto eterno de Deus sobre nós e manifestado, por parte do baptizado, o acesso ao plano salvífico.

A consagração baptismal se configura como imersão na santidade de Deus, realiza a nossa incorporação a Cristo e a Igreja, seu corpo.

O Baptismo é o acto com que o qual Deus cumpre em nós o juízo sobre o pecado, associa a Cristo em nós e nós a ele. Se declara com juramento que Cristo é nosso e nós somos de Cristo, por nenhuma coisa nos poderá separar de Cristo (cf. Rm 8,31-39).

A graça do novo e indissolúvel legame que se estabeleceu entre nós e Cristo nos dá o direito de ter Deus como Pai, o dom do Espírito Santo e a comunhão com as divinas Pessoas.

A nossa existência vem elevada a morada permanente da Trindade. Se realiza, assim, a promessa de Jesus: “se alguém me ama e observa a minha palavra, o meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos morada nele” (Jo 14,23).

A consagração baptismal é a raiz de todas as outras consagrações. Constitui o corpo de Cristo na comunidade santa, o povo sacerdotal, real e profético, e por isso “separado”, distinto ontologicamente da cada outra forma da comunidade humana.

Em fim, o baptismo não só nos santifica, mas também exprime a obrigatoriedade de tender a santidade.



b) A Confirmação

A Confirmação é considerada, segundo a sua etimologia, como perfeiçoamento do baptismo: “confirmatione baptismus perficitur”. O aperfeiçoamento é entendido como desenvolvimento e crescimento daquilo que se operou no baptismo. É dar forma, manifestar visivelmente a vida nova nascida do baptismo. É uma primeira incarnação do baptismo.

O dom do Espírito Santo que é conferido com este sacramento é ulteriormente uma actuação daquilo que já foi doado no baptismo e ordenado a fortificar os baptizados para ser testemunha.

“Com o sacramento da confirmação são enriquecidos/envolvidos com uma especial força do Espírito Santo, e deste modo são mais estritamente obrigados a difundir e defender com a palavra e com as obras a fé como verdadeiras testemunhas de Cristo” (LG 11).

A confirmação é também a garantia da constante actuação do Pentecostes na vida quotidiana do baptizado, que torna os baptizados partícipes em modo activo e responsável da vida da comunidade, do seu crescimento no acolhimento fraterno. Com este sacramento se torna, cada vez mais evidente, o caracter comunitário da vocação cristã.



c) A Eucaristia

A Eucaristia é considerada a plenitude da iniciação cristã. O baptizado, enriquecido pelos dons do Espírito Santo e tornando-se directamente responsável da vida e do crescimento da comunidade, se torna membro efectivo da assembleia litúrgica, o qual é o verdadeiro objecto da celebração eucarística.

Entre os sacramentos, aquele que actua de modo pessoal e real entre o baptizado e Cristo é próprio a eucaristia. Enquanto os outros sacramentos fazem partícipes dos frutos do mistério pascal, a eucaristia em vez o actualiza, o refaz. Cristo re-more e ressuscita misticamente, por isso é verdadeiramente Cristo que se encontra e se faz encontrar, se doa pessoalmente aos membros na assembleia litúrgica.

Este sacramento desenvolve a nossa incorporação a Cristo e a Igreja, e ressalta o vínculo da comunhão entre os membros da comunidade: “assim nos tornamos membros daquele corpo (1Cor 12,27), e individualmente somos membros uns dos outros (Rm 12,5)” (LG 7). Esta é a razão pelo qual os Padres dizem que a Igreja celebra a Eucaristia porque é a Eucaristia que faz a Igreja.

A Eucaristia é o meio para a nossa santificação porque nos faz encontrar Cristo santo por natureza e sinal da eterna aliança entre Deus e nós.

O Cristo que celebramos e recebemos é o nosso salvador que nos justificou e santificou já no baptismo. Recebendo Cristo como nosso “alimento” somos assumidos por nos Ele e nos tornamos nele aceites pelo Pai. Nos apropriamos pessoalmente do mistério pascal, garantia da nossa salvação.



d) A Penitência

“O sacramento da Penitência se actua no caminho da construção de nós mesmos e da vocação a santidade inaugurada pelo baptismo, consolidada pelo crisma e expressa admiravelmente na participação viva ao mistério eucarístico” .

O modo próprio deste sacramento de nos fazer participar no evento pascal de Cristo e aos dons do Espírito Santo é constituído pelo encontro com Cristo Redentor, no qual o Pai cumpre a nosso favor o juízo sobre o pecado e nos diz: “coragem, filho, os teus pecados te são perdoados, vai em paz” (Mt 9,2).

Em virtude deste mistério pascal de Cristo Redentor temos a garantia que Deus é disponível a fazer-nos misericórdia, isto é, nos promete que Cristo re-more pela nossa solidariedade, cada vez que temos necessidade de sermos libertados dos pecados e de sermos revestidos da justiça santificante de Deus.



e) A Ordem

A Ordem procede do amor de Deus e é tomado como dom do Espírito Santo, conferido mediante a imposição das mãos. É um sacramento instituído para o serviço da santificação, que é a obra de Deus em Cristo. “Deus, que é só Santo e santificador, quis assumir os homens como sócios e colaboradores, para que sirvam humildemente na obra de santificação” (PO 5).

Com o sacramento da Ordem vem actualizada o mistério pascal na assembleia eucarística, e vêm estendidos os seus frutos a benefício de toda a Igreja. O amor do Pai escolhe alguns para configurar-lhes, com a consagração, a Cristo, Sumo Sacerdote, e mandar-lhes a anunciar o designo divino de salvação para cada homem.

Nos presbíteros é presente o mesmo Cristo, para proclamar a sua palavra de salvação a comunidade, para baptizar, confirmar, perdoar, bendizer e confortar.



f) O Matrimónio

O Matrimónio entre dois baptizados é inserido no mistério de Cristo e da Igreja, porque com os esposos cristãos participam no laço indissolúvel que une Cristo e a Igreja, da qual brota a graça da salvação. Visto nesta linha, o amor entre o homem e a mulher assume o valor do sinal do amor de Cristo e da Igreja, e do instrumento da salvação e da santificação entre os cônjuges.

Em virtude da participação ao mistério pascal, actuada em modo próprio neste sacramento, os esposos cristãos recebem o amor de Deus em Cristo, que se configura como dom da sua unidade, em tal modo o matrimónio faz do casal uma verdadeira comunidade de amor e vida.

A acção santificante deste sacramento se concretiza mantendo os esposos num outro estado e condição de vida, em virtude não tanto do contracto, mas da “consagração” que leva a perfeição aquela baptismal.

Os cônjuges cristãos, em virtude do seu matrimónio, recebem em dom novo um novo poder espiritual para uma nova forma da incarnação do seu baptismo, o qual deve ser vivido por eles, não mais como uma pessoa singular mas como um casal. Assim são chamados a fazer experiência como casal da comunidade com Cristo e com a Igreja, e a caminhar juntos na fé, esperança e caridade.

“No encontro sacramental com Jesus Cristo, doa aos esposos um novo modo de ser pelo qual são configurados a Ele esposo da Igreja e colocados num particular estado de vida entre o povo de Deus. Assim, os esposos, mediante o sacramento, recebem quase uma consagração que atinge, transformando-os, toda a sua existência conjugal.

No encontro sacramental o Senhor confia aos cônjuges também uma missão para a Igreja e para o mundo, enriquecendo-os de dons e de mistérios particulares. A vida nova da graça e as ajudas necessárias para viver em conformidade ao novo modo de ser e de agir constituem o dom específico do sacramento do matrimónio”



g) A Unção dos Enfermos

Com o sacramento da Sacra Unção o doente é feito objecto de particular atenção do amor de Cristo e da Igreja. O amor misericordioso de Cristo e da Igreja reveste o enfermo mediante a graça sacramental própria deste sacramento, para socorre-lo no sofrimento, o qual representa para ele um sério perigo em ordem a salvação eterna.

É próprio da doença provocar na pessoa enferma uma profunda laceração da unidade pessoal, a coloca mais exposta a tentação do desconforto e até da separação com Deus.

A acção da graça da unção sacramental, juntamente a remissão dos pecados e o acréscimo da graça divina, assegura no doente uma particular aproximação a Cristo misericordioso, comparticipe e acolhente.

Este sacramento, com o seu modo próprio de fazer participar no mistério pascal, dá ao doente a graça de uma nova conformação a Cristo sofredor e crucificado. Em virtude desta graça especial, o doente não só pode fazer do próprio sofrimento uma oferta a Cristo, mas também vem assegurada uma especial participação de Cristo ao seu sofrimento.

Cristo toma sobre si a doença do enfermo e co-sofre com ele, o santifica e eleva o seu sofrimento, como instrumento da salvação, não só para o doente, mas para toda a humanidade.

Jesus no doente, disse Pascal, “será em agonia até ao fim do mundo”, assim, vem a completar aquilo que falta na sua paixão (cf. Cl 1,24).



III – PERFEIÇÃO CRISTÃ



A perfeição, entendida como o termo último do desenvolvimento da vida cristã da graça, abraça não só o aspecto ontológico mas também àquele dinâmico-moral. Vista na dimensão dinâmica, a reflexão sobre a perfeição se coloca na linha da santidade.

Isto é, o relacionamento ou a participação do homem ao desenvolvimento da vida divina de graça em si; sobre o empenho no determinar-se constantemente à comunhão com Deus em Cristo.

Considerar a santidade a partir da perfeição, supõe a atenção do agir do homem, sobre o seu empenho a responder o dom de Deus querido livremente como ser santo em Jesus Cristo, e de acolhe-lo.



1. Conceito de perfeição

1.1. Concepção hebraica

A língua hebraica (do A.T.) exprime o conceito de perfeição servindo-se dos termos provenientes da raiz t m m, donde vêm os termos “tam” e “tamîm”.

“Tamîm”, significa “inteiro”, “integro”, “completo”, “sem defeito”, “sem mancha”, “inocente”, e portanto “perfeito”. É o mais usado, especialmente na linguagem cultual. Com isso designa a qualidade da vítima para o sacrifício, que deve ser sem defeito.

“Tam” é típico da linguagem sapiencial, e vem usado como sinónimo de justo, honesto, temente a Deus (cfr. Job. 1,1.8; 2,3).

Partindo destes dois significados da perfeição, “tam” e “tamîm”, podemos descobrir a profunda diferença que existe entre a concepção cultual e àquela sapiencial, isto é, a primeira orientada a dimensão humana (sabedoria) e a segunda a dimensão transcendental (culto), embora as duas possam ser aplicadas na mesma linha.







1.2. Concepção grega

Sob o plano teórico, o pensamento grego concebe a perfeição como uma progressiva aproximação ao ideal, a qual é ordenado o “perfeito”. O meio para atingi-lo, segundo o pensamento grego, é visão ou contemplação, considerado como lembrança e reminiscência daquilo que se passou durante o dia. (Preexistência da alma na realidade divina. – Teoria de Platão).



1.3. Concepção bíblica

O conceito hebraico se baseia sobre a realidade, vista na sua integridade originária. Portanto, perfeição é a “totalidade”, isto é, que não lhe falta nenhuma coisa.

O contrário, ou imperfeição, é a realidade “ferida ou deteriorada”, ou a ausência de qualquer coisa a respeito ao seu estado originário (cf. Ez 15,2-5). Enquanto os meios para obtê-la de novo, o crente hebraico indica o caminho de “escuta”: “Escuta, Israel” (Shemá Israel) (Dt 5,1).

Cada membro do povo de Deus pode tornar-se perfeito escutando a palavra de Deus que lhe é anunciada, acolhendo e fazendo a vontade de Deus manifestada.

Para o crente israelita, chegar a perfeição equivale realizar a ideia originária que Deus tem sobre ele.



2. Perfeição, ensinamento bíblico

2.1. No Antigo Testamento

2.1.1. Incondicional adesão a vontade de Deus



Partindo da ideia segundo a qual a perfeição consiste na realização a disposição originária que Deus tem sobre cada um, se pode descobrir que o conceito da integridade do homem, derivado dos termos tam e tamîm, é de caracter ético-religioso. Isso nos faz compreender porquê o ser perfeito significa aderir a vontade de Deus e tornar-se totalmente disponível a Ele.

Em Gn 17,1, lemos que Deus, dirigindo-se a Abrão, lhe diz: “caminha na minha presença e sê íntegro” (tam-tamîm). Segundo a sintaxe hebraica se poderia dar a esta afirmação um tríplice significado: “se caminhares diante de mim, serás perfeito”, “caminha diante de mim, a fim de que sejas perfeito”, “caminha diante de mim, assim poderás ser perfeito”

Em cada uma dessas expressões o ser “perfeito” implica o “caminhar diante de Deus”. O que significa conformar-se plenamente a vontade de Deus. O caminhar equivale actuar permanentemente a vontade de Deus na própria vida.

Segundo Von Rad, tamîm significa “perfeito”, “completo”, porém muito mais que a esfera moral diz respeito ao relacionamento com Deus, isto é, se alude a dedicação a Deus em modo completo, incondicionado: “Tu serás íntegro para com Iahweh teu Deus” (Dt 18,13) .









2.1.2. Fidelidade ao Decálogo

Considerar a perfeição como realização da ideia originária de Deus sobre cada um, compreende seguir a escuta da “palavra” na obediência a tudo aquilo que é manifestado durante a escuta.



O instrumento, por excelência, em que Deus manifesta a sua vontade sobre o homem é o Decálogo.



Deus escolheu o Decálogo para revelar o seu pensamento; e assim torna-se forma concreta visível na qual o homem deve exprimir a própria adesão incondicional a vontade divina e a aliança que Deus estabeleceu gratuitamente com ele.





2.1.3. Total dedicação a Deus



No Dt 18,13, o profeta convida o povo ordenando-lhes de ser “íntegro (tamîm) para o Senhor”. Ser completamente com o Senhor e somente com Ele, significa evitar cada espécie de idolatria, pois Iahweh é o único Deus. Só a Ele se deve servir.



Encontramos o mesmo significado em Js 24,14, em que se ordena de servir o Senhor com integridade (betamîm) e fidelidade. Tal comando deriva daquilo que até a altura Deus tinha feito para eles.



A perfeição assim, consiste na observância do primeiro mandamento, que é também fundamental: “não terás outros deuses diante de mim” (Es 20,3; Dt 5,7), reformulado também no modo seguinte: “tu amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças” (Dt 6,5):



Este texto é introduzido pela fórmula solene do convite: “Escuta, Israel” (Dt 6,5). Esta fórmula de convite é de derivação sapiencial, e vem usada para chamar atenção do povo para a sabedoria que indica: os mandamentos, as leis e normas de Iahweh (cfr. Dt 6,1). Segue logo a profissão de fé: “O Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um só” (Dt 6,4).



Confessar Iahweh que é único Deus significa que o povo reconhece de depender exclusivamente do amor terno gratuito de Iahweh (Es 19,4).



2.1.4. Doação total do homem



A fórmula, com a qual se ordena de amar, confere ao “mandamento” um carácter totalitário e absoluto e possui todo o homem: toda a alma, todo o coração, todas as forças (cfr. Dt 6,5).



Estas expressões estão a indicar que todo o homem, da parte mais profunda do seu ser ao seu desejo, as suas forças materiais devem aderir constantemente ao único Senhor.



O termo alma (nefesh) está para um forte e autêntico desejo, coração (lev) significa a consciente dedicação da vontade, e o termo força (me’od) compreende seja a graça que os recursos materiais. Portanto, todo o homem, com aquilo que ele é e com aquilo que ele tem, deve ser de Deus, deve amar exclusivamente a Ele.



Perfeição, nesse sentido, toma o significado da dedicação total a Deus.



A dedicação total a Deus se repercute e incide também sobre as relações dos homens entre eles.



A adesão total a Iahweh é adesão a quem se empenhou com a aliança a favor de Israel. Com essa se tornou o Deus de Israel, isto é, é um elo indissolúvel e de modo irrevogável.

A doação a Deus é uma doação a quem se é ligado a história de Israel. Quem se doa a Deus, não pode não doar-se também a Israel .



O primeiro mandamento, no formulário da aliança, é inseparável dos outros mandamentos, os quais figuram como explicação e aplicação dessa.



Os outros mandamentos tem todos como alvo a “justiça” para com os seus semelhantes, isto é, dizem respeito aos relacionamentos interpessoais entre o homem e o seu próximo.



Esta visão horizontal do primeiro mandamento é fortemente sustentada pelos profetas. Da sua teologia se afirmava que o sacrifício, mesmo que fosse fundamental na religião de Israel, não constituía o centro. De facto, o fiel que crê de demonstrar a própria vontade de arrependimento na perfeição “cultual”, o profeta Miqueias responde: “Homem, te foi ensinado aquilo que é bom e aquilo que o Senhor quer de ti: praticar a justiça, amar a piedade, caminhar humildemente com o teu Deus” (Mq 6,8; cfr. Os 6,6; Am 5,21-24).



A pregação dos profetas não rejeita o culto, mas é contra aquele culto que não surge e não é manifestação de uma vida segundo a vontade de Iahweh.



A religião para ser autêntica deve ter necessariamente uma correspondência visível na vida.



O mandamento do amor a Deus recebe forma no mandamento do amor ao próximo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18).





2.2. No Novo Testamento



No vocabulário do N. T. encontramos o adjectivo “perfeito” (téleios), o substantivo “perfeição” (teleiotés), e o verbo “perfeiçoar/aperfeiçoar” (teleióo); existe também o substantivo (teleíosis: nomen actionis)





2.2.1. Sinópticos



Nos sinópticos, Mateus é o único que se interessa do conceito da perfeição.



Também Mt, como no A.T., perfeito significa “inteiro”, “completo” e designa a “totalidade”.



Perfeito, portanto, é aquele que faz “tudo quanto” a vontade de Deus.



As duas expressões mateanos (cf. 5,48 e 19,21), indicam seja o aspecto vertical que aquele horizontal: seja a dedicação incondicional a Deus que a doação ao próximo.



Mt 19,21 exige que a expressão inteiramente para Deus se traduza em modo concreto do viver. A “totalidade” requere ao rico de ser “indiviso, inteiro” diante de Deus, e ele não o é, por isso deve destacar-se daquilo que o divide, isto é, destacar-se das riquezas.



Mt 5,48 indica as consequências que derivam de fazer “tudo quanto” a vontade de Deus. O “perfeito” diz respeito ao comportamento para seus semelhantes. Como Deus é imparcial e ilimitado na sua bondade para todos os homens.





2.2.2. Em S. Paulo



No vocabulário de Paulo o termo perfeição é mais frequente, mas não se deixa reduzir a um denominador comum. Téleios “completo” indica, não só a plena conformidade a vontade de Deus, também a plena escatologia, a plenitude ou maturidade espiritual e a prática da caridade.



1º - Perfeito” é manter-se totalmente e plenamente na inteira vontade de Deus: “…para que continueis perfeitos, em plena observância da vontade de Deus” (cfr. Col 4,12).



2º - “Perfeito” (pleno), dito ao homem significa “adulto”, “maduro”. Paulo dá o significado do “perfeito” a quem atingiu a plenitude do seu estado (cfr. 1Cor 3,1; 14,20).



A finalidade do ministério de Paulo é de apresentar a Cristo cada homem “perfeito”, “inteiro”, “adulto”, com uma marca (sinal) da sua cruz e ressurreição. O homem é inteiro quando toda a sua existência é dependente da cruz e da ressurreição de Cristo .



3º - Os cristãos são perfeitos (teleíoi), adultos porque possuem a verdadeira sabedoria de Deus, que é Cristo crucificado e ressuscitado (cf. 1Cor 2,6-7).



4º - “Perfeito” (maduro), segundo Paulo, é também não comportar-se como as crianças, neonatos. Os “espirituais” são cristãos maduros, porque atingiram a maturidade da vida cristã em contraposição aos carnais ou aos neonatos em Cristo (cfr. 1Cor 3,1; 14,20).



5º - “Perfeito” indica também a condição última e definitiva do cristão. “Aquilo que é perfeito, completo, o total ainda deverá vir”.



6º - “Perfeito” não são as realidades deste mundo, nem os carismas maiores, antes, estes últimos desaparecem. Os cristãos devem viver em expectativa esperando “aquilo que é perfeito” (cf. 1Cor 13,10).



7º - “Perfeito” também é a totalidade (teleiótes) que se exprime na caridade, força unificante (cf. Col 3,12-14). O amor forma todas as virtudes numa totalidade; une em si todas as virtudes da vida cristã.







2.2.3. Carta aos Hebreus



Na carta aos Hebreus se atingiu o “vértice do ensinamento neotestementário sobre a perfeição”. Ela é a norma da existência cristã que consiste em percorrer o caminho de Jesus terreno para o Gólgota, onde foi introduzido na glória do Pai sentando-se a sua direita .



O autor da carta é particularmente interessado no conceito da perfeição. Ele faz largo uso do verbo “teleioûn” da “teleióo” com o significado de “fazer perfeito”, “colocar” qualquer um na condição de apresentar-se diante de Deus ou de permanecer na sua presença (cf. Hb 7,19; 10,1).



O autor da Carta formula a sua reflexão sobre a perfeição apoiando-se sobre as ideias teológicas importantes. Ele na economia instaurada por Cristo a base de toda a perfeição cristã (cfr. Hb 10,8-10).



A economia instaurada por Cristo é definitiva, fez cair a economia da lei que era provisória. Por isso, é em grau de levar aos cristãos a meta prometida: “apresentar-se diante de Deus”. A vida cristã, aparece desta maneira, como um contínuo caminhar para a cidade futura (cf. Hb 13,14), seguindo a via do sofrimento (cruz) percorrido já pelo Jesus (cf. Hb 12,1-3).



Sobre esta convicção o Autor constroe a teologia da perfeição. Deus, termo último da perfeição, “querendo levar muitos filhos a glória” os fez “perfeito Jesus” (cf. Hb 2,10; 7,28), transformado-o radicalmente a natureza humana, elevando-o à sua direita e constituído-o sumo-sacerdote.



O Filho foi feito “perfeito” através do “sofrimento”, isto é, mediante o sacrifício da cruz.



Em virtude da sua situação do sumo-sacerdote, adquirido pela morte na cruz, o Filho pode vir em ajuda daqueles que desfalecem na prova (cf. Hb 2,18).



Cristo sumo sacerdote e aperfeiçoador da nossa fé (cf. Hb 12,2), isto é, àquele que acreditou e com a sua morte e ressurreição lançou as bases da nossa fé e se fez nosso modelo, pode tornar “perfeitos para sempre àqueles que vêem se santificar” (Hb 10,14) e “guiá-los para a salvação” (Hb 2,10-11).



2.2.4. Em S. Tiago



Também na carta de Tiago “téleios” significa inteiro, completo: aspecto de totalidade.



Em Tg 1,4, “téleios” está em paralelo com íntegro (olókleros) e com “o que não falta nenhuma coisa” (en medenì leipómenoi).



É inteiro o homem que realiza a inteira obra, e sem inteira obra não há plenitude. A obra inteira faz o homem inteiro, e fazer a inteira obra àquele optou pela “lei perfeita”, isto é, para a “inteira lei” da liberdade.



A lei é inteira porque é dom de Deus com eficácia salvífica. A lei é “perfeita” (inteira) e garante a liberdade, porque se resume na lei de amor (cfr. Tg 2,8-9; 2,1-4).



Á observância dos mandamentos de amor são acrescentadas outras exigências éticas. Por isso, é perfeito, inteiro àquele que tem o controlo de si mesmo completamente. Símbolo daquilo é o controlo da língua, da palavra (cfr. Tg 3,2), que tem efeitos decisivos (cf. Tg 3,6-11).



É perfeita, integra, total a fé acompanhada pelas obras (cf. Tg 2,22).





2.2.5. Em S. João



No vocabulário de S. João o conceito de perfeição, considerado no seu significado específico, é quase ausente. E quando é presente, resulta em apoio a personal visão teológica . Mais que o substantivo “téleios” é presente o verbo “teleióo”. O substantivo também em S. João significa completo, sem limites, sem faltar nada a sua integridade.



O amor-perfeito (e teleía agápe) não deixa espaço ao temor (cf. 1Jo 4,18). Graças ao amor, o cristão se encontra em comunhão com Deus (cf. 1Jo 4,16), porque o amor provém de Deus (cf. 1Jo 4,16.19). o amor do cristão é eficiente, porque está em Deus (cf. 1Jo 4,19-21). O amor-perfeito é aquele que sai de Deus .



O verbo, na sua forma passiva, tem o significado de “totalidade”. Com isso João designa, sobretudo na primeira carta, a “totalidade” ou perfeição do amor de Deus, a perfeição ou a totalidade do cristão consistente no amor (cf. 1Jo 4,18). É perfeito só aquilo que está no amor (teteleíotai en te agápe).



O amor de Deus é verdadeiramente perfeito, na totalidade, naquele que observa a sua palavra, os seus mandamentos (cf. 1Jo 2,5). É perfeito naquele naqueles que se amam reciprocamente (teteleioméne). Se o amor de Deus é perfeito no cristão, o é porque o cristão vive no amor recíproco.



Análogo significado encontra no seu evangelho. Nela se encontra o perfeito passivo, “òsin teteleíomenoi” (Jo 17,23). Jesus reza para que os seus discípulos sejam perfeitos plenamente, totalmente, unidos, uma só coisa. Isso leva a uma integração perfeita: “eu em ti e tu em mim” (Jo 17,21). Na plena (perfeita) unidade da comunidade é possível reconhecer o envio de Jesus a obra do Pai e o amor do Pai para a comunidade .



A comunidade, enquanto surge do amor de Deus Pai, tem a plenitude do sinal visível do envio de Jesus da parte do Pai.



A razão da existência da comunidade está no intervento da caridade de Deus. A caridade é um dom que gera a “totalidade” das partes.



Os membros estão interligados, porque em cada um deles existe o único amor de Deus manifestado e doado em Cristo Jesus.







3. Contexto teológico da perfeição cristã



Tudo o que falamos da divina perfeição, sobretudo neotestamentária, uma coisa emerge muito claramente: que quando se fala de perfeição “não se fala de ideal ético para se realizar. Téleios, do ponto de vista ético antropológico não indica o ponto final do empenho humano, na dimensão qualitativa, mas a antecipação da plenitude escatológica na situação concreta da vida presente.



De facto a vida cristã no N.T. não vem idealisticamente projectada como um tender a perfeição, mas escatologicamente como “plenitude” da pessoa, plenitude que é ao mesmo tempo promessa e dom” .





3.1. Aspecto transcendental (perfeição como dom)



A perfeição, uma verdadeira consagração sacerdotal e verdadeira santificação dos crentes em Cristo, é um dom que os membros da comunidade de Cristo devem fazer próprio mediante a imitação, no meio das dificuldades, do modelo proposto (Hb 12,1-3). A vida de Cristo deve ser também a sua vida.



Toda a antiga economia, com a lei, o culto, os sacrifícios e o sacerdócio levítico não eram capazes de levar a perfeição aos homens. Por isso, os antigos justos deviam esperar a ressurreição de Cristo e o seu ingresso na glória.

Da revelação resulta então que o fundamento da perfeição cristã não está no esforço humano mas na amorosa vontade de Deus de nos participar em Cristo a sua vida divina, e que efectivamente nos deu mediante o mistério pascal do seu Filho, Jesus Cristo.



Deus, revelando-se e exprimindo-se em Cristo a sua vontade de perfeição nos nossos confrontos, isto é, assumindo-nos em Cristo para participar na sua perfeição, nos mete estavelmente mediante a chamada na ordem da vida divina, quem a acolhe, torna o cristão capaz de assimilar a “plenitude” divina, até a “totalidade” definitiva.



Se queremos pois desenvolver o conceito de perfeição cristã, servindo-se dos vários significados do termo téleios: “completo”, “inteiro”, “totalidade”, etc., podemos dizer que a perfeição cristã consiste na participação da mesma perfeição divina, isto é, a “plenitude”, a “totalidade” divina, colocada a nossa disposição pela amorosa vontade de Deus mediante o mistério pascal do seu Filho, Jesus Cristo.



Falando assim, nos colocamos decisivamente na dimensão da graça. Nesta perspectiva, a perfeição cristã não a podemos compreender como fruto das nossas obras, mas como um gesto do amor divino, com o qual Deus, em Cristo morto e ressuscitado, nos dá em si mesmo como nossa “inteireza”, “plenitude”, “totalidade”.



Deus dando-nos de participar a sua vida divina, coloca a nosso serviço a sua perfeitíssima totalidade, porque, assim, também nós podemos totalizar-nos em modo completo e definitivo.





3.2. Aspecto cristológico (o mistério pascal)



O facto que nos permite de conhecer a decisão divina de querer-nos para a sua “plenitude”, e que nos mete na condição de nos tornar-nos perfeitos ou de tender a perfeição é o mistério pascal de Cristo.



Mediante a participação à Páscoa de Cristo, o cristão, se quiser, é colocado na real condição de responder a chamada a plena plenitude em Deus.



O ensinamento da carta aos Hebreus nos faz conhecer que a via percorrida por Jesus para nos fazer realmente partícipes a perfeição ou a plenitude de Deus é a estrada que o Cristão deve percorrer para responder a chamada a perfeição.



A carta aos Hebreus mete o fundamento da perfeição cristã no Sacerdócio de Cristo. Concretamente, isso significa, que a estrada histórica, percorrida por Cristo na condição de participar a perfeição divina, foi do sofrimento até a morte de cruz.



O sofrimento e a morte passados por Cristo ensinam a instauração da nova e definitiva economia da salvação. Por isso, a morte e a ressurreição de Cristo se tornou na única fonte do perdão dos nossos pecados (Hb 10,1-8).



O sacrifício pascal de Cristo é também a manifestação visível da nossa chamada a perfeição. De facto, o Cristo imolado, continua a estar diante do Pai como eterna oblação, para exprimir o empenho de Deus não só no querer, mas também para garantir a nossa perfeição.



Deus, diz a carta, sendo origem e termo da perfeição, quer que também os homens participem a sua perfeição. Neste sentido, fez “perfeito” Jesus (Hb 2,10) através do sofrimento. Pois, o ressuscitou e o glorificou como resposta aos sofrimentos passados. Introduzindo-o na glória, o constituí-o fonte “na plenitude” para nós; e o fez “plenamente potente” para nos conduzir a “plena” realização da nossa vocação (Hb 10,14).



A ressurreição estabelece assim a oblação de Cristo permanentemente e dinamicamente capaz de “tornar perfeitos” os homens.



A perfeição cristã aqui, assume o significado de uma “verdadeira consagração sacerdotal e verdadeira santificação os fiéis em Cristo” . como o Pai fez perfeito o seu Filho Jesus Cristo mediante a participação da sua perfeição, e, portanto, da sua consagração sacerdotal.



O ensinamento na noção “feito perfeito” é também inserimento e participação da sua perfeição. A perfeição é um dom que vem do Pai, mas o Pai nos concedeu pelo facto que fomos feitos partícipes em Cristo.

Cristo “perfeito” é também a via pelo qual deve passar o cristão para atingir a plenitude (perfeição).



Cristo além de ser via é também modelo e certeza. Não podemos ter o outro modelo que Ele. O facto de ser inseridos intimamente nele, nos fez partícipes também da sua perfeição, que foi consagrada mediante a paixão, o sofrimento.



É certeza porque a fé que deve guiar com perseverança no caminho para a perfeição, tem como o ponto termo a meta já atingida por Cristo, o qual será, certamente, também a meta do cristão, porque ele foi inserido nele mediante o baptismo (Hb 11,1-40; 12,1-13).





3.3. Aspecto pneumático (Pentecostes)



O ensinamento do Vaticano II não atinge apenas o aspecto cristológico, mas também aquele pneumático.



A oferta que Jesus fez ao Pai de si sobre a cruz é fonte do dom e do envio do Espírito Santo. O Espírito proveniente da Páscoa de Jesus Cristo torna-se Espírito no novo corpo de Cristo, que a comunidade dos crentes. Ele foi enviado como agente permanente para a obra de santificação do cristão. Portanto, aperfeiçoa a obra do inserimento do cristão em Cristo “feito perfeito” do amor do Pai a seu favor. O torna capaz de receber o dom do amor “perfeito” de Deus em Cristo e de respondê-lo com a vida.



O Concílio vê no dom do Espírito o princípio que move interiormente o cristão a amar Deus com todas as forças e com toda a mente segundo o mandamento bíblico (cf. LG 40).



O loghion mateano “deveis ser perfeitos como é perfeito o vosso Pai” (Mt 5,48) é apresentado como um convite ao cristão a tornar-se mais consciente daquilo que ele é, daquilo que lhe foi concedido a ele pelo amor de Deus em Cristo, e agir com fidelidade ao seu novo ser em Cristo.



O convite de ser como o Pai celeste não se apoia sobre as forças do cristão, mas sob o facto da sua união com Cristo e da presença habitual e activa nele do Espírito Santo.







4. A caridade como plenitude da perfeição cristã



Visto que o objecto próprio da Teologia Espiritual é constituído da perfeição enquanto a meta do desenvolvimento da vida da graça, faz-se necessário acertar o que se refere o termo último, isto é, a vida da graça que chega a plena maturidade.



Isso passa pela oferta do ensinamento bíblico, o inteiro património da Igreja e da tradição teológica-espiritual, podemos deduzir que a perfeição consiste na perfeita caridade.



A identificação da perfeição com a caridade faz com que a perfeição, como plenitude da caridade, forme argumento central do estudo da Teologia Espiritual, e é também a motivação pela qual consiste o nosso tema da caridade como termo do tema sobre a santidade, porque a caridade representa a meta última do caminho para a santidade.





4.1. Ensinamento bíblico



4.1. 1. Antigo Testamento



O conceito do amor no A. T. deriva da raiz “heb” da qual forma o substantivo “ahabah” (amor), e o verbo “aheb” (amar), que vem usadas para indicar as relações e os relacionamentos entre as pessoas.



Estes termos exprimem também um significado altamente religioso, pelo que são usados para indicar o relacionamento esponsal entre Deus e o seu povo. Também podemos acrescentar os termos “raham” e “hesed” com o significado de compaixão e misericórdia, respectivamente.





a) Amor de Deus pelo homem



Para o A.T., o amor em Deus não exprime apenas um sentimento e um comportamento mas acção ou agir de Iahweh a favor do seu povo.



Deus mostra a sua benevolência para o seu povo através da “libertação” da escravidão da terra do Egipto. A sua intenção benévola e atenciosa a manifestou já salvando Moisés das águas do Nilo, se faz mais explicita chamando-o para conduzir o povo fora do Egipto, defendendo-o dos ataques dos egípcios e mantendo-os íntegro na fidelidade a Iahweh durante o tempo do deserto.



Oseias é o profeta que interpreta mais explicitamente o agir divino como particular amor para o povo israelita (cfr. Os 11,1). Para Jeremias, o amor de Deus se manifesta intensamente activo na colectividade (cfr. Jer 31,3), a qual os prometeu de vir os socorrer (cfr. Jer 3,6-10; 31,4). Para o Deutero-Isaías o amor de Deus se mostra acolhendo Jerusalém como sua esposa (cfr. Is 54,6-7). O Deuteronomio compreende a existência do povo hebraico como fruto da eleição divina (cfr. Dt 7,6-8).











b) O amor do homem para Deus



O homem responde ao amor gratuito de Deus proclamando com a vida a soberania absoluta de Iahweh (cfr. Dt 6,4-5). A Deus que se compadece pela invocação de libertação e do socorro (cfr. Sal 18,2-4), o homem que responde servindo e obedecendo a Iahweh (cfr. Dt 10,12-14) e observando os seus mandamentos (Cfr. Ex 20,6).





c) O amor para o próximo como acto do amor a Deus



O A. T. vê no amor do próximo um outro modo para manifestar o amor a Deus. Enquanto amando o próximo demonstra a sua total submissão a vontade de Deus que manda a ponto de “amar o próximo como a si mesmo” (cfr. Lv 19,18).



O homem demonstra de aderir a vontade de Deus através do interesse pelos pobres e necessitados (cfr. Es 23,6; Lv 19,9-10.15.34; Dt 15,7-8; 24,10-13).



O amor para o próximo como adesão a vontade de Deus é presente também nas prescrições relativas aos anos jubilares e sabáticos (cfr. Es 23,10-11; Lv 23-34).





4.1.2. Novo Testamento



No N. T. são presentes diversos termos para exprimir o conceito de amor. Vem usadas os termos “ágape” para designar o amor de benevolência do superior para o inferior; se encontra também o termo “philia” que exprime o amor parental ou na linha horizontal (de amizade), é presente também o termo “eros” para indicar o amor passional.



Para o N.T., o amor é um conceito central que abraça o inteiro conteúdo da fé. Tem uma equivalência salvífica (cfr. Jo 3,16). Aparece como força capaz de suscitar a resposta da parte do homem (cfr. 1Jo 4,17). E como fundamento da ética (cfr. 1Jo 4,8). Em fim, vem usada para definir Deus mesmo, “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).



Para exprimir o conceito do amor de Deus vem usado o termo “agapé”, que significa reeleger, preferir alguém, ter alguém em grande consideração.



No N. T. este termo referido ao amor de Deus leva uma particular intensidade, enquanto vem usado para indicar “toda a plenitude do relacionamento entre Deus e o homem, e do relacionamento novo que a mensagem cristã instaurou entre o homem e homem. O amor para Deus e para o próximo são, na mensagem cristã, dois aspectos do mesmo “ágape” .



4.2. Aspectos teológicos espirituais da caridade cristã



Para falar da caridade como plenitude da santidade precisa antes partir do conceito do amor derivante do termo “ágape”. O N. T. usa este termo para indicar seja o relacionamento existente entre Deus e o homem, ou seja o relacionamento novo que a graça da salvação restaurou entre os homens.



Se usa também para exprimir o tipo de amor que vem do alto com o significado do amor gratuito e benevolente que o superior concede ao inferior. O usa, portanto, para exprimir o amor que tem Deus como fonte e que Deus tem para o homem.



Antes de falarmos dos aspectos teológicos marcantes do amor de Deus para o homem, e vice-versa, e do amor entre os homens, falemos do relacionamento entre caridade e perfeição.





4.2.1. Relacionamento entre caridade e perfeição



Para ilustrar o relacionamento entre a caridade ou amor benevolente e a perfeição, nos parece mais adapto a categoria da amizade. De facto, segundo o ensinamento da tradição teológica, a amizade exprime, antes de mais nada, um amor que pode existe só “entre pessoas”, e não entre pessoas e coisas.

Em segundo lugar, a amizade exalta o caracter da benevolência do amor. A amizade é um amor que quer bem a outra pessoa por si mesma, exclui qualquer retribuição para quem o doa, e é caracterizado pela gratuidade e dedicação.



Em terceiro lugar, a amizade faz nos entender que o amor, porque realiza o bem da pessoa amada, exige que seja acolhido nele. Porém a doação-aceitação é construtiva se favorece e realiza a alternância da pessoas que se amam, isto é, amor de benevolência deve tender a desenvolver a sua igualdade e subjectividade.



As considerações que até agora fizemos nos levam a concluir que o laço entre a caridade e a perfeição é intrínseco, de modo que podemos falar dos dois numa mesma dimensão. Já a teologia dos profetas tinham colocado em evidência a identificação entre o amor e a santidade de Deus, a mesma coisa e com mais clareza emerge na teologia do N. T., de modo particular em S. João, que define Deus mesmo como amor.



Do mesmo modo que a santidade, também o amor indica a essência pessoal de Deus, aliás, o amor mete ainda mais em evidência a dimensão personalista da perfeição de Deus, porque o amor de amizade ou de benevolência só pode existir entre as pessoas.



Neste contexto, podemos afirmar que Deus, participando a sua vida, não só exprime o seu amor para o homem, mas revela também a sua íntima essência do amor benevolente ou de caridade.



Esta manifestação do amor como amizade para com o homem, Deus a realiza através do mistério da vida, sobretudo na pessoa de Jesus, no qual chama todos os homens “a participação da sua vida divina, ao conhecimento do seus mistérios profundos e impenetráveis, a intimidade da sua amizade, a conviver com ele na comunhão da mesma glória e felicidade” (Transfiguração do Senhor).



4.2.2. Aspectos teológicos marcantes do amor de Deus



a) Amor de Deus



A categoria da amizade mete em evidência a gratuidade do amor de Deus para o homem, que se realiza do modo particular através do dom de si mesmo como o seu fim último.



Deus se faz plenitude no homem dando-lhe a possibilidade de partilhar a sua própria vida. Assim afirma o Vaticano II: “Deus chamou e chama o homem a se aproximar a ele com toda a inteira sua natureza na comunhão perpétua com a incorruptibilidade da vida divina” (GS 18).



A este respeito é necessário colocar em evidência as características do amor colocados em evidência mediante a categoria da amizade. Tal categoria não pode ser totalmente aplicada entre Deus e homem, sobretudo no que diz respeito a igualdade entre as pessoas que se amam.



É verdade que o amor entre Deus e o homem é um amor entre duas pessoas, é verdade também que o amor de Deus para o homem é pura benevolência, mas não pode haver igualdade entre eles.



O amor de Deus para o homem se revela não só inteiramente gratuito, mas também aquela força criadora do amor do homem. O homem pode amar só porque Deus o possibilitou ser amante e re-ama Deus com aquele amor que Ele lhe concedeu. Este facto faz concluir que a única fonte da caridade e do amor, mesmo humano, é Deus.



Disto tudo se conclui que a verdadeira perspectiva para compreender o conteúdo da caridade ou do amor de Deus para o homem a aquela descendente. Mas esta perspectiva, mais do que nos fazer compreender que o amor vem sempre do alto e que é antes de todos os dons, nos revela também a humilhação que essa comporta para Deus.



De facto, o amor de Deus para o homem é um amor para o ser inferior, isto é, para um ser absolutamente inadequado a recebe-lo e fazê-lo capaz de suscitá-lo.



A humilhação consiste neste aspecto de re-abaixamento considerando que Deus (cfr. Fil. 2,6-11). Amando o homem, ama o que não é amor e não há amor, que antes que fosse amado por Ele não era nem amável nem amante. Mas através do rebaixamento, Deus manifesta a sua potência, enquanto revelador da dimensão pessoal nos faz entender também a sua essência criadora, de facto amando o homem cria aquilo não era, isto é, rende ao homem amável e amante.



b) Amor para Deus



O desenvolvimento da vida nova no cristão atinge a completa maturação quando a vida quotidiana da pessoa é integrada na caridade. Neste caso, a verdadeira santidade do cristão consiste no caminhar no amor seja para Deus que para o próximo. Mas o verdadeiro amor para o próximo tem o seu fim no amor verdadeiro para Deus.



O homem foi feito amante do amor de Deus, antes do nada, para acolher o amor que Deus permanentemente lhe concede, e para acolher Deus como “objecto” saciante ao seu desejo natural infinito do amor.



Portanto o homem, mesmo se não tem em si a fonte do amor todavia é interpelado pela força criadora para uma resposta activa do dom de Deus.



O progresso na santidade depende do acento que se dá ao dinamismo vital do amor de Deus.

O sinal fundamental com o qual o homem demonstra de caminhar para a perfeição é, antes de mais nada, “acreditar no amor de Deus por mim”. “A primeira preocupação é crer sempre mais, crer permanentemente, crer com toda a sua força ao amor de Deus. Fazer de toda a vida quase um acto de fé neste amor (cfr. Gal 2,20)” .



Crer no amor de Deus gera no cristão uma força dinâmica capaz de dispô-lo a acção salvante do amor misericordioso de Deus.



Uma profunda fé no amor leva a uma intensa meditação e contemplação até introduzi-lo na profundidade mais íntima de amizade com Deus, da qual brota o colóquio com o qual se dirige a Deus como filho dizendo-lhe de quere-lo amar.



A fé no amor, vivida integralmente, leva ao desejo de pertencer totalmente a Àquele que nos ama. Daqui nasce uma necessidade que pede de ser concretizado mediante a “consagração” a Deus, para que a sua caridade se comunique sempre mais como fogo devorante que “alarga a capacidade de receber e de corresponder, de transformar, de identificar, numa dialéctica toda própria de amor, que não conhece cansaço nem medida” .



Um outro modo de crescer no amor de Deus é constituído pela “procura”, “adesão”, “fidelidade” a vontade de Deus. Aceitar com obediência livre o plano de Deus sobre si.



Aderir livremente e permanecer dinamicamente na vontade de Deus, significa meter-se na condição real para ser introduzido e iniciado por Deus aos segredos mais íntimos da vida divina.



c) Amor para o próximo



A revelação, sobretudo neotestamentária, nos faz conhecer que o verdadeiro modo para manifestar o amor de Deus consiste no amor ao próximo (cfr. Jo 4,20ss). Porque o amor ao próximo se dá uma parte visível do amor de Deus existente em nós, por outro lado, testemunha a fé credente no amor de Deus para todos os homens.



A razão do amor ao próximo é fundamentada no facto de que Deus “ama cada homem” com amor gratuito e benevolente. Que Deus torna cada homem partícipe do seu amor, e a cada um se doa come plenitude definitiva.



O facto que cada homem seja amado por Deus está a significar que em cada homem é presente realmente Deus, e que cada face humana é uma face com o qual Deus se faz homem e se torna semelhante a nós.



Este facto nos faz entender que o mandamento do amor para Deus e aquele do amor para o próximo são inseparáveis. O mandamento de amar ao próximo é semelhante a aquele de amar a Deus, pois o homem no outro não é senão o mesmo amor de Deus que se fez homem.



Nesta óptica compreendemos que o amor ao irmão é autêntico quando é doado em nome de Deus. De facto, amar ao próximo em nome de Deus significa amá-lo como o ama Deus, acolhê-lo como acolhe Deus.



Para a sua natural dinâmica, o amor precisa de uma linguagem feito de palavras e gestos para manifestar-se e comunicar-se. Todavia os gestos e as palavras são traduzidos em actos concretos que vão da partilha da condição histórica do irmão até ao dom da própria vida por ele. Neste campo a história da caridade cristã é rica de testemunhas (santos).



5. Contexto pastoral da perfeição cristã



5.1. Adesão e total dedicação a Deus



Dos autores sacros do A.T. tomamos conhecimento que a via da perfeição a seguir para o crente é uma adesão incondicional a Deus e dedicar-se com todo o próprio ser a Ele.



Os autores do livro de Génesis e o Deuternómio nos disseram que o crente, para ser perfeito, é necessário “caminhar diante de Deus” e escolhe-lo como seu “único Senhor e Deus”. Este pedido de total conformação a vontade de Deus deve ser assumida e traduzida na vida de cada dia.



Encontramos este conteúdo também no N.T. “Para Mateus é perfeito àquele que faz a vontade de Deus, aquele que se entrega incondicionalmente a Deus e não admite, nos seus factos e nos seus gestos, nenhuma traição ao seu Mestre. Por ex. a questão do jovem rico: “todos estes mandamentos tenho observado desde a minha infância que coisa me falta agora?”, Jesus responde: “se queres ser perfeito…” (Mt 19,16-21). Por outra palavras, este jovem deveria seguir completamente Jesus e não reservar nada para si nesta adesão”



A adesão a Deus tanto necessária para o cristão q reveste o valor de opção fundamental, de único critério de discernimento e da escolha nas situações concretas da vida.



Neste sentido, a perfeição cristã equivale a uma contínua profissão e proclamação da absoluta soberania de Deus e da total conformação à sua vontade. A total dedicação a Deus deve ser praticada em Cristo Jesus.



Paulo ensina que o cristão deve-se tornar “perfeito em Cristo” (Col 1,28). É na adesão a Cristo que o cristão poderá viver na “totalidade”, na “plenitude” e na “inteira vontade de Deus” (cf. Col 4,12).

Fazer a vontade de Deus significa aceitar e pensar segundo a mentalidade de Deus em Cristo, e a mentalidade de Deus é a plenitude da cruz de Cristo (cf. 1Cor 2,6-7). Desta maneira, o cristão atinge “o estado do homem perfeito” (cf. Ef 4,13) .



5.2. Total dedicação ao próximo



O Deus da Bíblia se identifica com o Deus do Homem, isto é, com um Deus que não se deixa prender sem o homem. Se trata de um Deus que partilhou e partilha constantemente a vida e a história do homem.



De facto, a Sagrada Escritura tem a sua origem e compreensão na eterna eleição de Deus em Cristo. E a sua presença na criação se atribui em função da manifestação de Deus e da mediação entre Deus e as coisas criadas.



O vínculo entre Deus e o homem, originado do acto electivo divino, se concretiza mediante o relacionamento de amor. Assim, o homem existe porque Deus se doa a si mesmo. E tudo o que Ele faz a seu favor, Deus o faz em fidelidade a decisão do amor pelo homem. Tudo isso se revela plenamente e se actua com o dom do seu Filho.



Perante o amor de Deus pelo homem, o cristão deve sentir, antes de mais nada, o dever de confessar abertamente esse amor gratuito de Deus e render-lhe graças.



O conhecimento e o reconhecimento pelo amor de Deus é a estrada pela qual o cristão caminha para a plenitude ou perfeição. O cristão é “perfeito” se escolhe “a perfeição ou a totalidade do amor de Deus”.



O cristão responde ao amor de Deus e caminha para a “inteireza” quando pratica a caridade, isto é, quando torna a amar a Deus, doando-se inteiramente a Ele.



O cristão, sabendo que a perfeição cristã consiste na caridade, aquele elo que produz a “totalidade” e unidade, o amor para Deus deve fazer corresponder também o amor para o próximo. A total dedicação a Deus comporta a total dedicação pelo homem.



O livro de Levítico (Lv 19,18; Dt 6,5) nos recorda, e depois rebatido por Jesus (Mt 22,37-39), que semelhante o mandamento do amor para Deus é aquele que ordena o amor ao próximo.



A exigência da caridade para o homem, aquela “plenitude” ou perfeição da vida cristã, mais que o mandamento exterior termina na mesma natureza do relacionamento do homem com Deus.



A dedicação de Deus ao homem é de tal “totalidade” que se torna Deus do homem: “Eu sou o Senhor, teu Deus” (Ex 20,12), “Eu serei o vosso Deus e eles serão o meu povo” (Jer. 31,35). Estas expressões, se de um lado manifestam a soberania absoluta de Deus), por outro lado fazem entender que o Senhor, mesmo sendo o único Deus, quer pertencer ao homem, quer se tornar “seu”: “Eu sou teu Deus” (cf. Ex 20,3.



A livre decisão de Deus pertencer indissoluvelmente ao homem, faz entender que toda a economia da salvação se fundamenta no projecto divino da comunhão.



Deus quis o homem para a comunhão com Ele, e para ser-lhe seu Deus. Em virtude do relacionamento que o liga a Deus, o crente deve assemelhar-se ao Pai. Por isso, que a autêntica dedicação a Deus implica também uma total dedicação ao homem, porque o Deus da revelação é inseparável do homem.



A dedicação de Deus é “total”, perfeita quando junto a Deus é dedicação “total” também a àquele com o qual Deus vive indissoluvelmente unido.



BIBLIOGRAFIA

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