sexta-feira, 1 de outubro de 2010

JESUS, VERDADEIRO HOMEM, VERDADEIRO DEUS E PROFETA

APRESENTAÇÃO

A pessoa e figura de Jesus transcendem todos os discursos humanos esboçados sobre sua missão e vida. Como podemos ver, Ele continua a ser um discurso que atravessa muitos séculos épocas. E hoje é visto e contemplado como modelo de vida para os teólogos. No entanto, isto não resume tudo sobre Jesus senão vejamos:
«Se se quisesse sintetizar o conteúdo do Evangelho, com uma só palavra, bastaria dizer: Jesus Cristo» . Este dúplice nome exprime o mistério, e juntamente o grande enigma, que envolve esta personalidade. Ao dizer Jesus, pensamos em uma personagem que pertence à história e que faz história; mas, falando em Cristo, expressamos o título, que exprime a obra com a qual Deus interveio na história deste mundo para a nossa salvação. Com o segundo apelativo tocamos um mistério, um enigma, que supera a história que dificilmente a razão humana pode entender. Querendo compreender humanamente este enigma, corre-se o perigo de fazer desaparecer Jesus diante Cristo (monofisismo ), ou então separar Jesus de Cristo para dar a cada um dos dois uma existência pessoal própria (nestorianismo).
Modernamente este perigo reapareceu fazendo prevalecer ou o Jesus da história ou o Cristo da fé e da pregação. Cada época possui, com relação a Jesus Cristo, suas indignações que são ditadas por determinados contrastes; e cada época desenha a figura de Jesus que corresponde a estas questões. Só neste desenvolvimento dialéctico podemo-nos avizinhar da inexaurível riqueza, que Jesus Cristo encerra em si. O problema diante do qual nós, hoje, somos colocados, não é, mormente, o problema do Cristo da fé, mas o do Cristo histórico. Entrementes, não é esse o intento que nos move a esboçar este trabalho. Pelo contrário, queremos reflectir sobre Jesus na sua tríplice dimensão: Humana, Divina e Profética.
É importante reconhecer desde já que estamos diante de um enorme problema que não vamos esgotar.
O Concílio de Calcedónia tomou posição pela plena e integral humanidade de Jesus. A Encarnação de Jesus não significa apenas que Ele assumiu a natureza humana em geral. A afirmação “O verbo se fez carne” «significa, além disso, que Ele se tornou um homem na sua individualidade e história concretas» . Em Jesus encontramos um homem completo, autêntico. Jesus sujeitou-se ao crescimento corporal e espiritual com a idade cresce com sabedoria e goza de estima dos seus contemporâneos (Lc 2,52).
No kerygma pós-pascal, Jesus recebe o título de Filho de Deus. A divindade do Filho está claramente expressa na carta aos hebreus: o Filho está acima de todos os seres criados, também está acima dos anjos. Ele é o criador do mundo, colocou no início os fundamentos da terra e os céus são obra das suas mãos; estes pereceram e envelheceram como uma veste; o Filho os enrolará como um manto e serão mudados; mas Ele permanece, é eternamente o mesmo; os seus anos não verão fim (Heb 1,10-12). É o fulgor da glória do Pai, figura da sua substância e sustenta todas as coisas com a sua poderosa palavra (Heb 1,3).

Finalmente, Jesus é profeta, contudo, isso não explica completamente a sua obra. O profeta está sempre sob autoridade de Moisés. Jesus porém coloca-se acima dele (E. Kasemann). Nem Ele legitima a sua nação a modo de um profeta, fazendo apelo à sua vocação da parte de Deus. Procuramos em vão a fórmula introdutória dos profetas: “Assim fala Deus” (Am 6,8.14; Os 2,15;11,1; Is 1,24). Em lugar dela encontra-se o “Ámen” que indica autoridade com que fala Jesus e é expressão de uma certeza suprema e imediata.

Decerto esta tripartição não existe porque encontra-se unida na única e mesma pessoa de Jesus. Todo esforço teológico desenvolve-se em um horizonte determinado da história das ideias e dos problemas, e é, no mais íntimo, marcado e co-determinado pelos movimentos gerais do pensamento e pelas correntes do tempo. Todavia, sob a forma sucinta que aqui se impõe, pode-se perceber um horizonte comum às diferentes tentativas e as diferentes realizações, e com isso, o próprio carácter peculiar e a originalidade delas poderão em cada caso adquirir contornos mais nítidos. E o que importa bastante é que este apanhado facilita a classificação das diferentes tentativas cristológicas em um quadro mais amplo e possibilita, à luz deste pano de fundo, uma avaliação crítica. De facto, Jesus ultrapassa os confins do judaísmo. Jesus pertence ao mundo do judaísmo tardio e não pode ser compreendido sem este mundo. Apesar disto não é completamente explicável do ponto de vista histórico com base neste mundo. Diante da figura histórica de Jesus, da sua aparição, da sua obra, da sua mensagem, o historiador chega logo ao limite, no qual não existe mais explicação, no qual surge, pelo contrário, o mistério insondável. O povo vê nele um profeta (Mc 8,28).


INTRODUÇAO

«Pôde Jesus dizer a seu Pai “Passa de mim este cálice” (Lc. 22,42)? Pôde desobedecê-lo? Se dizem que teve autêntica vontade humana, autonomia plena, pôde pecar? E se não podia pecar, que tipo de liberdade teve?» (Ariel Álvarez Valdés). «Jesus pode ser chamado de profeta? Mas isso quer dizer que Ele tenha sido apenas um profeta, como tantos outros da Bíblia?» (José Roberto A. Barbosa)

Jesus constitui o Absoluto presente no centro da história. De facto, com Jesus estamos na presença de um além da teofania, ou de uma teofania excepcional, que dura toda a vida de um homem, aliás a supera plenamente, uma vez que Jesus proclama : «Quem me vê, vê o Pai» (Jo 14,9). É-nos anunciado, com efeito que Deus, na pessoa do Filho se fez homem e que este homem, Jesus, partilhou a nossa condição humana sem nenhuma aparência enganosa. N`Ele, a Palavra de Deus ou o Verbo encarnado fez-se palavra humana. Trata-se, pois, de uma afirmação totalmente paradoxal, se tivermos em conta o que significam os termos Deus e homem. Aqui o modo de revelação de Deus passa por um sujeito humano. É contemplando a conduta e escutando a Palavra de Jesus, é descobrindo o acordo excepcional de uma e de outra, que somos convidados a reconhecer o agir e o falar de Deus em si mesmo. A especificidade desta manifestação de Deus é de fazer relativamente pouco apelo aos sinais divinos. Portanto, seria necessário que alguns sinais propriamente divinos fossem dados e que constituíssem a configuração dada por Deus, da autenticidade da missão do seu enviado. Mas eles vêem em complemento da revelação de Jesus, realizada segundo a linguagem da existência humana. Nós encontramo-los, em particular o sinal maior: a ressurreição.

Este labor visa estabelecer e reflectir uma tríade existencial da figura de JESUS enquanto VERDADEIRO HOMEM, VERDADEIRO DEUS e PROFETA. Estes dois primeiros temas tão controversos quanto à própria Cristologia primitiva mexeram muito com a própria Igreja, tendo originado grande número de hereges: pessoas que discordaram com a existência das duas naturezas (a humana e a divina) na pessoa única de Jesus Cristo. Não obstante as reservas que se evidenciam em alguns estudiosos sobre o perfil profético de Jesus ousámos espelhar sobre ele também.

Certo é que desde o momento em que aparece, Jesus fala. A sua primeira proclamação assenta numa frase: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1,15). O apelo à conversão tinha sido um dos pontos mais importantes da pregação de João Baptista. Diante deste apelo, o homem não pode reconhecer-se senão pecador e incapaz de responder pelas suas próprias forças. É, portanto, convidado a converter-se à esperança de que esta Palavra lhe dará força para viver uma vida nova. Este profeta, exorta à aceitação do Reino de Deus em acto. Este Reino não dizia muito, visto que para os seus contemporâneos e mesmo aos nossos dias invocava um regime político que não tem hoje mais que pálidas recordações.

O Reino de Deus é um estado perfeitamente reconciliado e pacífico da sociedade humana, na liberdade. É a reconciliação dos homens entre si e com Deus. é a bondade perfeita pela realização plena do desejo absoluto que habita incondicionalmente os homens. Em resumo, o Reino de Deus é a salvação realizada para toda humanidade, a utopia total, não realizável nesta terra. O específico do Reino anunciado por Jesus é apresentar-se como um dom de Deus para os homens.

O trabalho é composto por três partes, e cada uma tem seus itens (títulos e subtítulos), como uma maneira de facilitar a compreensão das mesmas. A primeira parte tem como subtema "A natureza humana de Jesus", e tem como título principal "Jesus Cristo verdadeiro homem". A segunda parte tem como subtema "A natureza divina de Jesus Cristo", e tem como título principal "Jesus Cristo verdadeiro Deus". A terceira parte tem como título principal “Jesus, o Profeta”. Estes três títulos principais são clarificados e explicados pelos respectivos subtítulos. É nestas linhas de pensamento que tencionamos incidir sobre a figura de Jesus neste trabalho. Assim, propomo-nos perfilhar o esboço abaixo:

Jesus, Verdadeiro Homem

Jesus, Verdadeiro Deus

Jesus, o Profeta









I. PARTE

JESUS CRISTO VERDADEIRO HOMEM



1. A natureza humana de Jesus

«Tende em vós os mesmos sentimentos que em Cristo Jesus. Ele que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a Si próprio, assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até a morte e morte de cruz» (Fl 2,5-8).

Jesus entrou na história como um homem. Como é que os seus discípulos não só acabaram por depositar n`Ele a sua fé mas também o proclamaram Cristo e Senhor? Tal é o itinerário que este capítulo pretende percorrer. Apresentar, evidentemente, a pedagogia de Jesus que não deu a conhecer a sua identidade através de lições escolares e teóricas, mas a partir do viver do dia-a-dia com os seus discípulos. Será que esta pedagogia não poderá ser aplicada ainda hoje? A descoberta da identidade de Jesus não será completa. Mas é a progressão do caminhar que nos preocupa e o modo pelo qual o comportamento humano de Jesus nos revela que há n`Ele algo mais que o homem. O resto virá a seu tempo.

Há indicações claras no Novo Testamento que mostram que Jesus era uma pessoa plenamente humana, sujeito a todas as limitações comuns à raça humana, mas sem pecado. Como tal nasceu como todo ser humano nasce. Embora sua concepção tenha sido diferente, uma vez que não houve a participação de um ser humano masculino, todos os outros estágios de crescimento foram idênticos ao de qualquer ser humano normal, tanto físico como intelectual e emocional. Também no sentido psicológico, era genuinamente humano, pois pensava, raciocinava, se emocionava com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana e amou como todo ser humano normal, ou seja, «Ele expressou na sua vida sentimentos de tristeza, de alegria, compaixão e, também de amor» .

No passado houve muitas discussões em torno disso, antes que se definisse claramente que Jesus é uma só pessoa divina vivendo em duas naturezas, humana e divina, diferentes e de certo modo misturadas e confundidas entre si. Cada natureza mantém o seu modo próprio de actuar. «É por isso que Jesus apresenta uma ciência divina e uma ciência humana que não se confundem, uma vontade divina e uma vontade humana diferentes» .





1.1. Natureza física de Jesus

Jesus não desceu dos céus, mas sim nasceu de uma mulher humana, passando por todas as fases que uma criança normal passaria (Lc 2,6-7). A Bíblia deixa evidente portanto que Jesus teve, por parte de Maria, ancestrais humanos, dos quais provavelmente herdou características genéticas, como todos os homens o recebem de seus antepassados (Lc 3,23-38; Mt 1,1-17). Cresceu como toda criança normal cresceria, alimentada por comida e água. Seu corpo não era sobre-humano, e não tinha características especiais, diferentes de qualquer ser humano normal (Lc 2,52). Suas limitações físicas: em tudo idênticas aos de um ser humano. Sentia fome (Mt 4,2; Mc 11,12). Sentia sede (Jo 19,28) Ficava cansado (Jo 4,6). Sofria a dor (Jo 18,22; 19, 2-3).

Jesus de facto foi visto e tocado pelos homens a sua volta. Não era um espírito com a forma humana, nem um fantasma, mas um homem real, a ponto de Tomé só acreditar em sua ressurreição após tocá-lo (1Jo 1,1; Mt 9,20-22; 26,12; Jo 20,25-27). Mesmo o testemunho do Espírito de Deus afirma que Jesus tomou plenamente a forma humana (I Jo 42,3a).

Jesus podia morrer, como de facto morreu. Sua morte não foi aparente, mas verdadeira. Seu corpo sucumbiu aos sofrimentos infligidos e de facto expirou à semelhança de todos os homens. Esta é talvez a suprema identificação de Jesus com a humanidade, pois sendo Deus não deveria morrer, mas ao assumir plenamente a humanidade, torna-se sujeito a possibilidade da morte. Eis uma verdade tremenda e profunda (Lc 23,46; Jo 19,33-34).

A humanidade de Jesus, em síntese, quer dizer que Deus é humano como nós. Humano por compartilhar nossa vida e destino. Humano por amar e sofrer pela humanidade até o extremo. Jesus foi homem muito mais que nós. Tão homem como só Deus pode ser. Porém, há alguns a quem custa entender que sua divindade não diminui sua humanidade e outros, que um homem como ele possa ser divino. Alguns pensam que Jesus é tão divino que não pôde ser muito humano. Ocorre também o contrário. Hoje existe tamanha certeza de sua humanidade que resulta difícil crer que pôde ser Deus. A encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem. Ele fez-se verdadeiro homem permanecendo verdadeiro Deus (CIC n 464).

A encarnação do Filho de Deus é um autêntico mistério. É árduo para o pensamento ter a ideia de reunir em uma só pessoa duas magnitudes (a divindade e a humanidade) que parecem competir entre si. Porém, em Jesus, Deus não compete contra a humanidade, compete contra o pecado para salvar a humanidade do sofrimento e da morte. A divindade não diminui a humanidade de Jesus, a aperfeiçoa. O homem do coração apaixonado e trespassado, Jesus, mais que qualquer outra revelação, revela como é verdadeiramente Deus e como se chega a ser homem em plenitude. É claro que hoje notamos algumas pessoas que mostram seus interesses pela sua figura. Daí que existe esta vontade de trazer uma imagem historicamente visível de Homem.

A fé não compromete só a aceitar que foi verdadeiramente homem, mas também desvendar o seu rosto humano que é o ícone de Deus. «À humanidade de Jesus revela-se a humanidade de Deus incluída em sua divindade» . O seu relacionamento com o ser humano é o voltar-se para Ele. Deus desceu do seu mundo (o céu) para manter esta comunhão com o homem livremente. Apesar de toda inconfundível precariedade e o equívoco da sua concepção, justamente aí se preservava a humanidade de Deus, a qual não se fez justiça.

A humanidade de Jesus não é um fechamento do ser humano para cima, assim como não há um fechamento de Deus para baixo. Philippe Ferlay, na sua obra "o Manual da Fé Católica" diz que «É em Jesus verdadeiro homem que nós somos cristãos, feitos cristãos e descobrimos o vestígio de Deus» . Deus permanecendo invisível, o inacessível, Ele veio ao nosso encontro na verdade de um homem da nossa terra. Acreditar que Jesus é verdadeiramente Deus no meio dos homens não nos deve impedir avaliar a ousadia desta afirmação: A divindade não diminui a humanidade de Jesus, a aperfeiçoa.

«Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, uma só pessoa em duas naturezas» . Esta expressão vem exactamente da Cristologia bíblica de Encarnação, que forma um estágio ulterior para a Cristologia de adopção, segundo a qual o Cristo exaltado é adoptado como Filho por Deus.

Como asseverámos antes, o homem do coração apaixonado e trespassado, Jesus, mais que qualquer outra revelação, revela como é verdadeiramente Deus e como se chega a ser homem em plenitude. É neste ambiente que a alguns custa entender este mistério, que sua divindade não diminui sua humanidade, e outros pensam que Jesus é tão divino que não pôde ser muito humano. A humanidade de Jesus, aparece para dar o espelho da verdadeira humanidade e divindade de Jesus. Ora vejamos as afirmações de alguns concílios.







1.1.1 Defesa à humanidade de Jesus através dos Concílios.

a) Primeiro Concílio de Constantinopla (381)

Este concílio teve de afirmar o que Niceia deixou em silêncio. Jesus Cristo é um homem completo. Teve de enfrentar o «apolinarismo» , teoria de Apolinário de Laodiceia, segundo a qual Jesus não tinha alma humana. O Concílio afirma que Jesus é um homem completo. Tem alma e corpo. Não é apenas um corpo de homem tendo como dimensão espiritual o Logos.



b) Concílio de Éfeso (431)

O motivo que criou as tensões que levaram ao concílio de Éfeso foi uma questão de filosofias e linguagens distintas: por um lado está Alexandria cuja filosofia era platónica. Por outro lado temos Antioquia e Constantinopla cuja filosofia era aristotélica. Pois negavam a autonomia da humanidade de Jesus. Os alexandrinos tropeçam na dificuldade de explicar como um homem é Deus. Os antioquenos vão ter dificuldade em dizer como é possível o Verbo encarnar e um homem não deixar de o ser. Não estamos, perante um pensamento ortodoxo e outro heterodoxo mas perante duas maneiras diferentes de pensar.

Nestório tenta explicar o mistério de Cristo dizendo que existe o Verbo e Jesus. Maria é Mãe de Jesus mas não do Verbo. Mas é correcto chamar-lhe Mãe de Cristo, pois o homem e o Verbo estão unidos e fazem um. Para Nestório era claro que o Filho unigénito de Deus é eterno e Jesus de Nazaré, o Filho de Maria nasceu no século primeiro da era cristã .

Cirilo de Alexandria reconheceu o ponto de vista dos antioquenos e mudou de posição acabando por ser amaldiçoado pelos monges alexandrinos. Sobretudo, Cirilo compreendeu que Deus é uma união orgânica de três pessoas. Não foi Deus que encarnou, mas uma das três pessoas divinas. Eis o extracto de uma carta de Cirilo de Alexandria a Nestório: «Jesus Cristo é uma só pessoa. Tudo o que se diz de Jesus se diz do Verbo, pois há uma identidade pessoal. Jesus e o Verbo são apenas um e o mesmo. É certo que desta única pessoa se podem afirmar tanto características humanas como divinas. O Verbo encarnou, tornou-se passível e morreu por nós» .

Também outros concílios insistirão que Jesus não pecou nem teve pecado original (Toledo no ano 675 e Florença em 1442). Dirão, além disso, que não participou de nossa concupiscência (Constantinopla II o 553), aquela consequência do pecado que, não sendo pecado, persiste inclusive nos baptizados, inclinando-os a pecar (Trento o 1546). O Salvador não pecou, foi inocente. Porém, conheceu a tentação. Embora a tentação de Jesus não tenha sido como a nossa, contaminada de concupiscência, a Epístola aos Hebreus afirma que “em tudo foi tentado como nós” (Heb 4,15; Heb 12,1-2). Porém, as tentações messiânicas como aquela em que Pedro convida Jesus ao triunfo sem a cruz (Mc 8,31-33; Mt 4, 1-11) e as do Getsemâni (Lc 22, 29-46) foram rejeitadas por Jesus para fazer a vontade de seu Pai.



1.2. Natureza Psicológica e Intelectual de Jesus

Seja Jesus para nós um homem divino, seja um Deus humano, não será fácil explicar como se articulam na unidade psicológica da pessoa do Filho de Deus estes dois aspectos, sua humanidade e sua divindade. Sua psicologia humana é expressão de sua psicologia divina, mas Jesus humanamente só se soube como Filho de Deus. O tema foi debatido ao longo de toda a história da Igreja e continuará sendo. Os Evangelhos nos contam que Jesus foi admirável por sua sabedoria e autoridade. Porém, como um homem que nasce em uma manjedoura pôde saber, sem falar nem entender uma palavra, que ele era Deus? Chorava para parecer homem ou porque efectivamente era falível e ignorava seu futuro?

Jesus sendo verdadeiro homem, isto é, homem completo, teve uma psicologia própria do homem. Pode-se notar isso na maneira de ser d`Ele. Quanto ao carácter emotivo, Jesus sentia emoções (Mt 9,36; 14,14; 15,32; 20,34), Sentia tristeza e angústia (Mt 26,37), Sentia alegria (Jo 15,11; 17,13; Hb12,2) Sentia indignação (Mc 3,5; 10,14), Sentia ira (Mt 21,12-13), Se surpreende (Lc 7,9; Mc 6,6): Jesus se mostra genuinamente surpreso perante a fé do centurião e se admira da incredulidade dos habitantes de Nazaré. Não era uma atitude falsa ou de retórica, Jesus realmente era surpreendido em algumas circunstâncias. Se sente atormentado (Mc 14,33): no Getsêmani Jesus foi tomado de grande angústia e pavor. Estava em conflito íntimo e se atormenta pelo facto de não querer ser deixado só, contudo ainda assim escolhe fazer a vontade do Pai.

Mesmo na cruz, sua frase “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mc 15,34), é uma das expressões mais humanas de solidão já registadas na história dos homens. Se comove e chora (Jo 11,33-38): Mesmo sabendo de antemão que Lázaro havia morrido, Jesus é tomado de comoção e chora ao ver a tristeza ao seu redor e a triste realidade humana da morte. A expressão "agitou-se no espírito", retrata vividamente alguém gemendo no íntimo, aflito e comovido com uma situação que trás dor e cansaço.

S. João aponta que o ponto de partida para percebermos a inteligência do mistério divino de Cristo tem que ser a partir do mistério de Deus uno trino que já está exposto na doutrina a cerca de Deus (CTD 2), e que aparece nos sinópticos e mais extensamente nas cartas paulinas (Mc 1,10; Lc 1,35; Mt 28,19; 1Tes 5,18; 1Cor 12,4-6).

Seu conhecimento era superior ao dos homens: em termos intelectuais, Jesus possuía um conhecimento que se destacava em relação aos outros homens. Ninguém na história humana disse palavras tão belas, de grande profundidade e de maior alcance. Não só isso, «Jesus deu claras demonstrações de um conhecimento além da capacidade humana» . Sabia o que pensavam os seus amigos e inimigos (Lc 6,8; 9,47). Conhecia coisas sobre o presente, pois sabia que Lázaro estava morto (11,14), o passado, uma vez que conhecia o facto da mulher samaritana ter tido cinco maridos (Jo 4,18) e o futuro das pessoas, ilustrado no facto de antemão ter avisado a Simão Pedro de sua negação (Lc 22,33).

Seu conhecimento não era ilimitado: em algumas passagens vemos Jesus fazendo perguntas retóricas a fim de reforçar algum ensinamento (Mt 22,41-45), contudo há outras passagens em que Jesus pergunta sinceramente em busca de informações às quais não possuía. Um exemplo claro foi o caso daquele jovem, acometido de um espírito de surdez e mudez, onde Jesus pergunta ao pai dele «Há quanto tempo isto lhe sucede?» (Mt 9,20,21).

Há nesta passagem uma clara alusão que Jesus não tinha tal informação, e a julgava útil e necessária para promover a restauração daquele jovem. Um outro caso ainda mais explícito foi no discurso apocalíptico em Mc 13,32, quando ao ser interpelado sobre quando voltaria uma segunda vez, Jesus respondeu francamente: "Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai". Foi uma declaração clara de sua falta de conhecimento sobre essa informação como escreveram alguns pensadores teólogos.

Destacado cristólogo contemporâneo Bernard Sesbüé, se interroga: «Como Jesus, no curso de sua vida humana pré-pascal, tomou e teve consciência de ser o Filho de Deus?» . Os teólogos admitem em Cristo um "conhecimento infundido", parecido ao dos profetas e dos grandes visionários. Este permitiu a Jesus compreender as Escrituras, o plano divino da salvação, o sentido salvífico de sua morte na cruz, em uma palavra, sua própria missão redentora e reveladora. Por mais sábio que tenha sido o menino Jesus diante dos doutores no Templo, o próprio Lucas conta que «crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com os homens» (Lc 2, 52).

A Epístola aos Hebreus afirma que “ainda que era filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Heb 5, 8). Jesus pôde ignorar muitas coisas. Como pôde saber que a terra é redonda e que gira em torno do sol? Nesse tempo todos pensavam que era plana. Nada diz o Novo Testamento, mas desde o momento que ele mesmo diz: «Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai» (Mc 13,32), temos de imaginar que Jesus divide connosco uma ignorância bastante significativa. Mas não podemos parar só nessa parte humana, também devemos dar um passo que nos permite compreender melhor a propósito de sua vontade e liberdade.

No ano 600 o Papa Gregório Magno, entretanto, proibiu afirmar uma ignorância privativa em Cristo, ou seja, uma que o tivera impedido cumprir sua missão de revelador do Pai e seu desígnio de salvação. A propósito de sua vontade e liberdade cabem outras perguntas: pôde Jesus dizer a seu Pai “Afasta de mim este cálice” (Lc 22,42)? Pôde desobedecê-lo? Se dizem que teve autêntica vontade humana, autonomia plena, pôde pecar? E se não podia pecar, que tipo de liberdade teve? O concílio de Constantinopla III (anos 680/681) definiu que sua natureza humana é íntegra e que se adequa harmonicamente às exigências da divindade. Constantinopla III estabeleceu que em Jesus Cristo existem duas actividades e duas vontades, humana e divina, respectivamente, contra o parecer do Patriarca Sérgio e do Papa Honório. Estes, por fechar toda possibilidade de pecado em Cristo, exigiam que se reconhecesse nada mais que uma actividade e uma vontade impedindo -possivelmente sem intenção que nossa salvação fosse querida e actuada pelo mesmo homem.

O concílio, contudo, não explicou como se adequava perfeitamente a vontade humana de Jesus com a vontade de seu Pai. Limitou-se a afirmar os dados fundamentais da revelação: a integridade da humanidade de Jesus e sua ausência de pecado (Heb 4,15). Também outros concílios insistirão que Jesus não pecou nem teve pecado original (Toledo no ano 675 e Florença em 1442). Dirão, além disso, que não participou de nossa concupiscência (Constantinopla II o 553), aquela consequência do pecado que, não sendo pecado, persiste inclusive nos baptizados, inclinando-os a pecar (Trento 1546).

O Salvador não pecou, foi inocente. Porém, conheceu a tentação. Embora a tentação de Jesus não tenha sido como a nossa, contaminada de concupiscência, a Epístola aos Hebreus afirma que “em tudo foi tentado como nós” (Heb 4,15; Heb 12,1-2). Porém, as tentações messiânicas como aquela em que Pedro convida Jesus ao triunfo sem a cruz (Mc 8,31-33; Mt 4,1-11) e as do Getsêmani (Lc 22, 29-46) foram rejeitadas por Jesus para fazer a vontade de seu Pai. Como explicar a liberdade de Jesus frente a seu Pai? Convém distinguir dois aspectos da liberdade: a liberdade como livre arbítrio e como autodeterminação em razão do bem. Graças ao livre arbítrio, como em um supermercado, “escolhemos” entre possibilidades melhores e piores, inócuas desde um ponto de vista ético. Porém, existe uma liberdade mais profunda, a de “escolher” e “aceitar ser eleito” para um bem maior: a liberdade de todas aquelas coisas que nos escravizam (dinheiro, status, travas psicológicas, culpa, etc.) para escolher e amar bens verdadeiros (os filhos, a esposa, o bem comum, etc.). Jesus desfrutou de liberdade plena, de ambas as liberdades. Entretanto, em seu caso, Jesus ama a vontade de seu Pai, consistente no predomínio de sua imensa bondade, que não pôde escolher outra coisa que dar sua vida por amor. Acaso poderíamos convencer a um apaixonado convicto que sua querida não lhe convém, que melhor pensar em outra? Impossível. De modo semelhante, em virtude de seu livre arbítrio Jesus pôde eleger entre diversas possibilidades que favoreciam a consecução de sua missão; por isso foi tentado. Porém, em relação à sua missão, sua autodeterminação foi completa. Por seu amor extraordinário a seu Pai e a nós, Jesus viveu absorto em sua missão e não pôde fazer nada além de cumpri-la através da entrega de sua vida.



1.3 Como explicar a vontade e a liberdade de Jesus frente a seu Pai?

Com este tema, saberemos qual era a vontade e liberdade de Jesus frente ao Pai. A missão de Jesus era de fazer a vontade do Pai. Pôde Jesus dizer “Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38). E ainda acrescentou, Pai, se tu quiseres, remove de mim este cálice, contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua (Lc 22,42). Isto é, trazer a salvação aos homens, a libertação dos pecados, e anunciar um ano de graça. Se dizem que teve autêntica vontade humana, autonomia plena, pôde pecar? E se não podia pecar, que tipo de liberdade teve? O concílio de Constantinopla III (anos 680/681), contudo, não explicou como se adequava perfeitamente a vontade humana de Jesus com a vontade de seu Pai. Limitou-se a afirmar os dados fundamentais da revelação: a integridade da humanidade de Jesus e sua ausência de pecado (Heb. 4,15). Portanto, Jesus não viveu como uma pessoa privada, mas como uma pessoa pública, que tinha uma proximidade de seu Deus e Pai para o seu Reino vindouro.

A liberdade consistia na capacidade de se relacionar amorosamente com Deus e as pessoas humanas. Sem dúvida, é que as duas categorias sejam vista em direcção ao amor divino e à glória divina. Somente nesta dimensão dupla e una que Jesus revela-se Interagindo-se com o Criador, com as coisas e os acontecimentos. Por isso podemos dizer que Jesus foi plenamente livre. «A coincidência da vontade humana de Jesus com a vontade de Deus não anula a vontade humana. Pelo contrário, significa amor a Deus e fidelidade à sua vontade» . O terceiro concílio de Constantinopla confirmou os concílios anteriores e reafirmou a plena autonomia humana de Jesus. Em Jesus Cristo há duas naturezas, as quais permanecem íntegras com as suas propriedades. Esta união chama-se de composição ou hipostática. O Verbo uniu-se à humanidade completa. A liberdade é uma dimensão essencial do homem. Se Jesus não tivesse liberdade humana não seria homem perfeito. A harmonia da vontade de Jesus com a do Logos não anula nenhuma dessas vontades.

Em Cristo, dizia o segundo concílio de Constantinopla, há duas vontades: a humana e a divina. Esta afirmação foi um passo fundamental e decisivo para afirmar a plena autonomia de homem Jesus de Nazaré como homem perfeito. A vontade humana e a divina, diz o concílio, não eram duas forças contrárias. Apesar de tudo eram duas realidades distintas, actuavam em perfeita harmonia, pois o Espírito Santo, princípio animador de relações é o vínculo que harmoniza esta interacção da vontade divina com a humana e vice-versa.

Utilizando uma visão platónica, podemos afirmar ver que o concílio diz que a vontade humana segue a divina. Além disso, em Cristo existem dois princípios de acção: o humano e o divino. Estes princípios não se contradizem. Pelo contrário, o divino optimiza o humano. Para bem entendermos esta verdade sobre Cristo é fundamental recuperar a noção bíblica de união orgânica. Jesus sendo o enviado do Pai não se deixou modernizar, e a sua vontade e liberdade era só de fazer a vontade daquele que O enviou. Deste modo, percebemos que a liberdade de Jesus se realiza no amor, «Ele mesmo nos mostra de maneira singular esta possibilidade da nova imagem do homem» .



1.4 A misericórdia de Jesus

Argumentamos como se fosse necessário provar que Jesus foi homem. Se esta óptica é compreensível entre os fiéis crentes absorvidos na sublimidade do Senhor, ela costuma ser incompreendida pela mentalidade contemporânea que se pergunta como pôde Jesus ser Deus. Mais adiante destacamos como a perfeição da humanidade de Jesus não consiste principalmente em ter dividido em tudo nossa natureza humana, mas em tê-la colocado em jogo até à morte, revelando deste modo qual é seu sentido e, indirectamente, como é o Deus que promove sua realização definitiva. Esperamos assim dar razão não só à divindade do homem Jesus, como também ao significado último do fato de ser homem.

Na linguagem corrente, se diz que alguém é muito "humano" por sua proximidade com as pessoas, seu trato cordial, sua capacidade de compreender e perdoar. “Humano” porque, sem ser cúmplice, se envolve com as penalidades do próximo e, para ajudar a superá-las, compartilha seu destino. Este conceito de humanidade se aplica a Jesus mais do que a todos. Jesus ao assumir uma psicologia humana com todas suas possibilidades e limitações se tornou como um de nós. Porém, como fez entrar pessoalmente na história o amor compassivo de Deus, ele não foi apenas mais um de nós, ele foi o melhor de todos. Jesus é misericordioso e não é a média dos homens que determina o que significa "ser humano". Jesus pregou o reino aos pobres (Lc 4, 14-19).

O nascimento pobre de Jesus em Belém não é um dado circunstancial de sua vida, ele constitui todo um símbolo de uma humanidade dividida com os preferidos de Deus (Lc 1,46-56). Jesus se identificou com os pobres. Os “pobres de espírito” alcançam a perfeição evangélica se comovendo, se confundindo com as vítimas da “desumanidade” e actuando em favor delas e não apenas evitando os erros e experimentando a dúvida e o sofrimento. A perfeição evangélica ama inclusive o inimigo, consiste em ser “misericordiosos como Deus é misericordioso” (Lc 6,36; Mt 5,43-48). Jesus também ofereceu o reino aos menosprezados por pecadores, aqueles que não estavam em condições de cumprir com o moralismo dos fariseus e aos que violavam a Lei sem motivo (Lc 5,29-32; 15,1-2). Prova da gratuidade do reino é que se oferece precisamente aos que não têm nem bens nem obras. Porém, Jesus vai ainda mais longe. Sem abolir a Lei, a transgride quando sua rigidez atenta contra seu sentido benigno originário (Jo 8,1-11) ou simplesmente a muda se esta tiver se tornado desumana (Mt 19,1-9). Não é que Jesus tenha se submergido nos baixos fundos da sociedade para proclamar sua legitimidade. O que acontece é que o mistério da Encarnação se verifica muito por dentro e não por sobre da história humana, autoritariamente, como se fosse possível resgatá-la sem se contaminar com ela e dissipar sua dor sem dividir sua dor. Jesus “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), como um pobre, inaugura o reino libertando os males de uns e outros, mas sem suprimir em seus beneficiários a indesculpável resposta pessoal. Se a bênção do reino não se impõe aos pobres, mas requer deles a aceitação voluntária, a maldição de Jesus aos ricos deve ser entendida não como uma condenação (Lc 6,24-26), mas como o último chamado ao arrependimento.

O messianismo de Jesus foi diferente dos messianismos de seus contemporâneos. O projecto de Jesus da prevalência de Deus na história, não apareceria sem seus destinatários, à força e por obrigação, mas não também sem fazer suas as consequências da rejeição e do mistério do mal puro e simples. Na medida em que Jesus pretendeu directamente a erradicação do egoísmo e da miséria, não teve mais alternativa que cumprir sua missão como o Servo humilde de Isaías, que eliminaria o mal carregando com Ele. Cristo subverteu a religiosidade de sua época se rebelando contra a distorção da Lei e do Templo, deveu se ater às consequências. Sua morte "era necessária" (Lc 24, 26), ou seja, inevitável porque era querida. Que a tenham querido os que o mataram constitui um facto contingente.

Esta morte era necessária porque Deus Pai quis amar a humanidade com um amor tão grande como o amor por seu próprio Filho; necessária, porque Jesus quis e optou por cumprir a vontade de seu Pai até compartilhar a morte humana em todo seu abandono, até penetrar na orfandade atroz do inferno, com a solitária esperança que o Deus da vida transbordaria esse reino de solidão com a calidez de seu Espírito. Desde então a perfeição humana autêntica se expressa na cruz e na cruz germina como ressurreição. Jesus Cristo é o homem. O Espírito Santo estende na história o sucedido com Jesus. Deus salva a humanidade com o homem Jesus, mas não sem nós; não sem nossa opção livre, mas com nossa liberdade, agora liberada da inclinação para a desumanidade e do medo da morte, e com nossa luta.

Portanto, o seu messianismo visava em transferir, ou seja, trazer o Reino de Deus para os homens. Isto é, a salvação e a libertação do homem. A missão de Cristo é de Salvar. Há um propósito muito claro na vinda de Jesus ao mundo: a salvação do ser humano. As tentativas de reconciliação à distância, usando profetas, reis e sacerdotes não haviam surtido o efeito desejado.



1.5 As tentações de Jesus.

Como entender as tentações de Jesus hoje? De facto, pouco se escreveu a cerca das tentações. Mas hoje podemos dizer que são duas vertentes que levam a uma recta compreensão delas. Primeira é aquele de considerar que as tentações são de forma literária concreta de os evangelistas mostrarem que Jesus é homem, plenamente homem, em tudo excepto no pecado. M. Bernardo e G. Almendres, sublinham «que as tentações de Jesus não foram solicitações concretas para o mal, mas integram o quadro teológico literário de cada evangelista sinóptico de mostrar que Jesus foi homem verdadeiro em tudo» . A segunda vertente vê as tentações de Jesus como algo concreto, que aconteceu de facto na sua vida como homem. «Ele sentiu realmente uma tentação: a de desviar-se do projecto de ser homem total, pleno, encarnado, destinado ao sofrimento e à morte redentora para refugiar-se na divindade, escapando assim de todo sofrimento e de tudo o que tem de humilhante a condição humana» . Jesus como homem passou por esse dilema, foi tentado; passou por tudo o que é humano, até à experiencia, para mostrar assim a imagem humana de Deus.



1.6 Como interpretar a morte de cruz de Jesus.

A morte de Jesus de facto não foi aparente, mas verdadeira. Seu corpo sucumbiu aos sofrimentos infligidos e de facto expirou à semelhança de todos os homens. Esta é talvez a suprema identificação de Jesus com a humanidade, pois sendo Deus não deveria morrer, mas ao assumir plenamente a humanidade, torna-se sujeito a possibilidade da morte. Eis uma verdade tremenda e profunda.

Há duas maneiras de interpretar a morte de Jesus: face a este fenómeno, a mais fácil e acessível é compreender e entender que Jesus foi um profeta que morreu como testemunha. E a mais obscura é compreender que Ele foi entregue por nossos pecados e ressuscitado para a nossa justificação. A primeira, brota da razão, visto que Ele foi fiel a sua missão «não desviou sua face aos o que ultrajavam e aos o que cuspiam» (Is 50,6). A segunda vem da fé, mostra que a sua luta não foi vã, e que a finalidade foi o Reino de Deus.

Esta última é mais complicada, visto que é um mistério, não sabemos de que modo os acontecimentos da existência humana afecta Deus na sua eternidade. Porém, devemos testemunhar a verdade do caminho de Jesus no meio dos homens, é este caminho que acaba na morte. Jesus caminha livremente para a cruz e a morte, portanto, esta cruz e a morte, é marcada por três atitudes fundamentais e características, que a parecem com uma densidade única na cruz, e fundamenta o significado cristológico da mesma. Portanto, importa falarmos aqui a relação de Jesus com a lei do Antigo Testamento: à justiça pelas obras da lei, Ele opõe a justiça pela fé, e a lei opõe o Evangelho e a promessa. Uma vez agindo assim, só podia ser tido visto como um blasfemador.

«A cruz leva este conflito ao extremo no processo entre a lei e a promessa, e ao mesmo tempo leva a uma decisão que culmina com a morte» . Consideremos a morte de Jesus como algo necessário, porque Deus Pai quis amar a humanidade com um amor tão grande, como o amor do seu próprio Filho; é necessária, porque, Jesus quis e optou por cumprir a vontade de seu Pai até compartilhar a morte humana em todo seu abandono, até penetrar na orfandade atroz do inferno, com a solitária esperança que o Deus da vida transbordaria esse reino de solidão com a calidez de seu Espírito. Desde então, a perfeição humana e autêntica se expressa na cruz e na cruz germina com a ressurreição. Jesus Cristo é um homem, por isso, morre como homem.

A vida de Jesus, formalmente acaba com um fracasso. A sua morte resultou de um processo odioso no que toca aos judeus, frouxo no que toca aos romanos. Parece-nos um crime, mas a realidade é muito complexa. Aliás Ele mesmo disse "Se a semente de trigo ou de mostarda não morrer não dará fruto". O processo de Jesus é a conclusão natural de um conflito que remonta ao começo da sua pregação ambulante. «Confundiram porque nem suas palavras, nem seus gestos estavam em conformidade com a tradição que vinha desde os ancestrais, mantida e transmitida de geração em geração pelos anciãos e intelectuais» .



1.7. Os títulos de Jesus

Diz-se que no Novo Testamento Jesus aparece designado com mais de 50 títulos diferentes. Recordamos os mais importantes e salientes: Messias (ou Cristo), Filho de David, Filho do homem, nascido de mulher (Gl 4,4), Salvador, Profeta, Servo de Deus, Sacerdote, Senhor, Mediador, Verbo (Logos), Filho de Deus, Deus . O conteúdo de cada um não se pode deduzir a priori ou tirar unicamente do vocabulário geral, antes terá de se procurar no corpo dos escritos bíblicos Vetero e neo-testamentários.

Como é óbvio, encontram-se inseridos no seu conjunto, como complementares, oferecendo cada um o seu contributo particular à compreensão do mistério. Este, como tal, poderá ser gradualmente clarificado, mas não completamente resolvido nem superado. Vamos deter-nos somente naqueles que julgamos fundamentais.





1.7.1. Ecce Homo

Ecce homo, São as palavras que Pôncio Pilatos teria dito, em latim, ao apresentar Jesus Cristo aos judeus de acordo com o evangelho. Em português, a frase significa "Eis o homem".Trata-se da tradução que surge na Vulgata da frase grega ιδου ο ανθρωπος. Segundo São João (19.5), foram as palavras pronunciadas pelo governador romano Pôncio Pilatos quando apresentou Jesus de Nazaré (flagelado, atado e com a coroa de espinhos) perante a multidão hostil para ser tomada a decisão final sobre a Sua pessoa, já que Pilatos não via nenhum motivo claro para condenação.

Na iconografia cristã costuma chamar-se Ecce Homo às representações de Jesus Cristo em sofrimento. A frase também é o título da autobiografia de Friedrich Nietzsche. Jesus Cristo é a forma como a Bíblia se refere àquele cujos seguidores consideram o Messias.



1.7.2. Messias

É uma palavra hebraica que significa ungido. No Antigo Testamento, o rito da unção era símbolo duma consagração especial em vista de uma missão. Por isso mesmo eram ungidos os reis, os sacerdotes e também os profetas. A espera de um Messias por antonomásia, que viria na plenitude dos tempos, constitui uma das características fundamentais da história do povo eleito. O messianismo de Jesus não deve ser entendido na linha do messianismo real ou sacerdotal, mas na do Servo sofredor de Deus (Cf. Dêutero-Isaías), como lhe fora assimilado no episódio do seu baptismo, no rio Jordão. Uma perspectiva que se perdeu no labirinto das longas profecias messiânicas.



1.7.3. Profeta

Um qualificativo usado pelo próprio Jesus (Mt 13,56), e que se encontra na base da interpretação da obra do Mestre por parte dos discípulos e da própria multidão até antes da Páscoa. A passagem da Cristologia incompleta do profeta à Cristologia completa do Filho que se deu depois da ressurreição foi por estes motivos, natural e mediada.



1.7.4. Jesus Cristo

A expressão "Jesus Cristo" surge várias vezes nos escritos gregos da Bíblia, no Novo Testamento, e veio a tornar-se a forma respeitosa como os cristãos se referem a Jesus, homem judeu que, segundo os Evangelhos, nasceu em Belém da Judeia e passou a maior parte da sua vida em Nazaré, na Galileia, sendo por isso chamado, às vezes, de Jesus de Nazaré ou Nazareno. O título Cristo, portanto, confere uma perspectiva religiosa à figura histórica de Jesus. Segundo os Evangelhos, antes de ser preso e crucificado, Jesus Cristo celebrou sua última Páscoa judaica juntamente com seus apóstolos, pedindo que a partir daquele dia eles comessem o pão e tomassem o cálice de vinho em sua memória, pois Ele entregaria o seu corpo e o seu sangue no lugar dos pecadores.



1.7.5. Filho do Homem.

«Na tradição judaica tardia, a expressão tinha uma forte conotação escatológica. O outro aspecto importante é a natureza humana de Jesus, designada por Dan 7,14-15, é uma das principais alusões ao Messias (ungido para rei) prometido. Trata-se de uma encarnação completa» (Jo 1,14).

Jesus é um ser humano em sua totalidade, passando pelas distintas fases que um homem normalmente passa, porém sem se contaminar com o pecado. Sofreu as mesmas pressões e tentações, identificando-se inteiramente com a realidade da humanidade. Jesus é o protótipo do verdadeiro ser humano conforme a imagem de Deus. (1Tm 2,5). Sendo perfeitamente homem, Jesus pôde cumprir o papel do necessário sacrifício da humanidade, suficiente e válido, e tomar nosso lugar na cruz, pagando por nossos pecados. Precisava ser um de "nós", sem pecado e perfeito, para servir de sacrifício pela expiação dos pecados. Somente Jesus tinha as qualificações necessárias.

Tanto os Evangelhos como todo o Novo Testamento e toda a Tradição cristã insiste em uma dupla afirmação: Jesus é realmente e completamente homem. Não uma aparência de homem, mas um homem semelhante a nós, nascido de uma mulher, mortal como nós. Ao mesmo tempo Jesus é Filho de Deus semelhante em tudo ao Pai, da mesma natureza do Pai. Jesus é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. Não é nenhum ente intermediário entre Deus e o homem. Jesus vive totalmente na esfera da divindade e da humanidade. Não é nada fora da humanidade e da divindade.

Ele é perfeitamente uno e, no entanto, sua humanidade e sua divindade não se confundem, permanecendo intactas. Em Jesus há um tipo de união peculiar que não se encontra em nenhuma outra realidade. Por isso usa-se a palavra pessoa para designar o que é uno em Jesus: há uma só pessoa, que é a pessoa do Filho de Deus, também chamado de Palavra de Deus. E para designar o que é duplo em Jesus, usa-se a palavra natureza: há duas naturezas a divina e a humana.



1.7.6. Segundo Adão (Co 15,22; 1Pe 2,9)

É um retorno à primeira intenção criadora de Deus, com um relacionamento restabelecido entre o Criador e a criatura. Quem melhor para reconciliar Deus e o ser humano senão aquele que conhece ambos os lados, sendo tanto divino como humano ao mesmo tempo?



1.7.7. Filho de Deus.

No Antigo Testamento, a expressão indica uma relação estreita e indissociável entre Deus e um homem ou uma comunidade humana. No Novo Testamento, o título assume um novo significado, indicando uma filiação real (Lc 1,26-38).

Antes de entrar neste mundo, o Filho de Deus existia junto ao Pai, sendo igual ao Pai com sua única natureza divina. A pessoa do Filho de Deus foi enviada pela pessoa do Pai para tornar-se homem, encarnando-se em Maria e nascido dela. Isso constitui a encarnação do Filho de Deus. Por meio da encarnação a pessoa do Filho de Deus assume a natureza humana e também começou a agir como homem sendo homem. Entrementes, é a mesma pessoa do Filho de Deus que existe e actua como Deus junto ao Pai e como homem neste mundo. Somente a pessoa do Filho se fez homem. A pessoa do Pai não se fez homem.

Jesus é o Filho de Deus em sentido único, diferente do nosso. Essa afirmação expressa uma relação única entre Jesus e Deus. Dizendo que Ele é Filho de Deus, os Evangelhos dizem que Ele é uma realidade superior à realidade humana e pertence ao modo de ser de Deus, embora seja ao mesmo tempo um homem.

Os coetâneos de Jesus não descobriram que Ele era o Filho de Deus. Foi esse segredo revelado aos discípulos, que eles proclamaram depois da ressurreição de Jesus. Antes da ressurreição somente três discípulos haviam tido essa revelação, no dia da transfiguração. O próprio Jesus só foi revelado diante dos seus juízes. Depois da ressurreição, porém, ficou evidente para todos os crêem que Jesus, que era tão verdadeiramente Homem e também era o Filho de Deus (Mc 1,11;9,7;Lc 1,32.35; Jo 20,31).

Jesus é Filho de Deus sendo igual ao seu Pai, vivendo com Ele e junto a Ele. Ele não é inferior ao Pai, conhece o Pai perfeitamente. Só Ele o conhece porque está perfeitamente com Ele. Desse modo se revela que Deus não é uma pessoa isolada: há o Pai e o Filho, duas pessoas iguais e perfeitamente unidas. E depois se verá ainda que há com eles uma terceira pessoa, que é o Espírito Santo. Jesus é uma só pessoa divina feita homem, unida de tal forma a um homem que todos os actos do homem Jesus também são actos do Filho de Deus. Ele sabia que era Filho de Deus, todavia, sendo homem o seu conhecimento humano ia crescendo. Jesus aprendeu como todos nós, embora desde o início soubesse que era Filho de Seu Pai e não somente um homem.



1.7.8. Rei

Jesus não foi rei ou imperador no sentido comum da palavra. Para os Judeus Ele não quis ser um novo David restaurando a independência de Israel como fizeram os outros antes dele. Os judeus esperavam um rei que fosse o seu libertador, o restaurador do estado de Israel como estado independente. Mas isso lhes parecia tão difícil que só um milagre de Deus seria capaz de realizá-lo. Em todo caso, o rei deveria ser o chefe do povo e o libertador de Israel. Usando esse título ou aceitando, Jesus estaria ligado a uma função política. O título de rei significa que Jesus tinha um sentido político mas Jesus não queria ser rei comparativamente aos reis de seu tempo, nem anunciou qualquer reino semelhante aos terrenos. Entretanto, não abandonou o título de rei.

O atributo da realeza foi relacionado com o Messias, que era considerado um descendente e herdeiro do Rei David. Jesus, apesar de se identificar com o Messias, rejeitou as prerrogativas políticas do título (Jo 6,15; 18,36). O clímax da apresentação de Jesus Cristo no Novo Testamento é a sua exaltação glorificação. (Fl 2.5-11; Ap 5.9-14; 7.9-12; Mt 28.18-20). Seu senhorio é completo, seu poder total e seu reinado eterno. O reino de Deus, apregoado por Jesus, tornou-se real com sua vinda, mas ainda surgirá de forma completa com seu regresso. Um dia todos terão que reconhecê-lo como Senhor. Feliz aquele que já o fez por livre e espontânea vontade.

A missão de Jesus envolve a totalidade do mundo e, portanto, também a política. Tudo muda com Jesus, inclusive a política. A libertação esperada implica uma total transformação política. Nem Jesus nem os cristãos quiseram abandonar o título de rei. Jesus morreu em meio da confusão sobre o título de rei.



1.7.9. Salvador

É um qualificativo inerente ao seu próprio nome: «Chamá-Lo-ás Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1,21). É o mesmo nome de Josué, aquele que, no final do primeiro êxodo, conduziu o povo hebreu à terra prometida. Jesus não é unicamente um salvador, mas o salvador (Cf. Jo 4,42). A confissão de Pedro perante o Sinédrio de Jerusalém depois da Ressurreição, é total e exemplar: «Em nenhum outro se encontra a salvação, nem existe, de facto, nenhum outro nome dado aos homens, debaixo do céu, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4,12).

Jesus é a pedra basilar desta salvação, o artífice da graça que cura e da graça que eleva, a única esperança da humanidade. Sem Ele não seria possível a vitória sobre o pecado nem sobre a angústia kierkegaardiana da finitude. Cristo é a eterna juventude do mundo e a permanente primavera da história.



1.7.10. Vivente

É um título que nunca aparece nestas habituais, mas que domina a primeira parte da página do Apocalipse: «Eu sou o primeiro e o último e o vivente» (Ap 1,17). O vivente, isto é, aquele que tem a vida e dá a vida, e o vivente também em sentido histórico porque Jesus vive ainda no decorrer dos tempos e viverá até a consumação final.

A sua Ressurreição não é um episódio datado mas um acontecimento permanente. A sua esperança nunca diminuiu a irradiação da sua luz, não conheceu nem conhece qualquer interrupção. Ele é «O mesmo, ontem, hoje e sempre» (Heb 13,8). Uma constatação mais do que um argumento apologético.



II. PARTE

JESUS VERDADEIRO DEUS



1. A NATUREZA DIVINA DE JESUS CRISTO

Após apontarmos a humanidade inconfundível do Mestre eterno iremos também que Jesus de Nazaré foi verdadeiramente Deus. No entanto, é importante lembrar-nos que a qualificação divina de Jesus escapa a qualquer prova histórica. «Não podemos encontrar Deus no final duma argumentação que o forçaria a manifestar-se» . O modo de relação do homem com Deus é um modo pessoal. É o do encontro e o da experiência. Ninguém pode, portanto, provar pela razão a divindade de Jesus. Cada um a pode reconhecer livremente, tendo por base os indícios que lhes são propostos. Sem dúvida, que no final das suas investigações e com a razão pode dizer: isto é sério, merece atenção, resiste a muitas objecções. Mas apenas com a razão não pode ir mais longe. Quando ela acaba pode dizer: «é verdade eu creio nisso», dá então o salto da fé, apoiando-se em tudo mas ultrapassando-o radicalmente. Aqui é a pessoa livre que se empenha face a um Deus também pessoal e livre e que reconhece a sua presença na vida de Jesus.

A primeira constatação que as Escrituras fazem é que Jesus Cristo é Deus. Isto está claramente expresso pelo evangelista João em seu prólogo (João 1,1-14). A divindade de Jesus significa que ele integra a Trindade divina, sendo chamado de Filho de Deus. Jesus se identifica com o Pai na expressão "Eu Sou", frequentemente citada no mesmo Evangelho de João e nas epístolas do mesmo autor (por exemplo 8,19; 1 Jo 8,28). Mateus reproduz o reconhecimento desta realidade por parte dos discípulos quando perguntados sobre quem ele era (Mt 16,15-16). O apóstolo Paulo diz que a ressurreição prova que suas reivindicações de divindade são correctas (Rm 1,4). Sendo um com o Pai, Jesus Cristo revela de forma perfeita quem Deus é (Jo 1,18; Heb 1,2,3). «Na divindade de Jesus, também o próprio Deus é sujeito: em Jesus Deus fala e age soberanamente. Deus é o ser livre no qual toda liberdade tem fundamento, seu sentido e seu protótipo» .

Como Jesus é unigénito do Pai e tem sua origem ontológica em Deus (pré-existencia absoluta), assim também a vida que Ele é e trás já não pode descrever-se como criatural, senão que aponta a vida no mesmo Deus. A peculiaridade mais surpreendente do hino Joanino é que não contempla a morte terrena de Jesus e sua glorificação em virtude dessa morte sacrifical, coisa que todavia é fundamental na cristologia Paulina.

Mediante imagens novas expressa no apocalipse o ser divino de Jesus. Umas vezes o autor atribui tanto a Deus (Ap 1,8; 21,6), como a Jesus, na sua qualidade de juízo do tempo final (Ap 1,17; 2,8; 22,13), a definição de «Eu sou alfa e Ómega, o princípio e o fim».

Se queremos entender rectamente o ser divino de Jesus de Nazaré, temos também que ver de uma forma nova o nosso próprio ser humano como cristãos. Todo o mistério de Cristo, sua origem divina, sua existência divino-humana, sua obra redentora no mundo e para o mundo e sua glória junto ao Pai desde toda a eternidade é Reino de Deus; na medida em Cristo é a cabeça Igreja, justamente a Igreja que é comunidade de Cristo se chama muitas vezes Reino de Deus nas parábolas de Jesus (Mt 13).

A revelação do Novo Testamento, que não só tem sido por Jesus Cristo, senão que n`Ele encontra sua expressão suprema, nos tem proporcionado a nova imagem do homem como filho de Deus, pleno e guiado pelo Espírito de Deus e em consequência herdeiro de Deus e coherdeiro de Cristo (Rm 8,14-17; 1Jo 3,1s), porque é irmão de Jesus Cristo (Heb 2,11-17).

O discurso do Logos preexistente conduz necessariamente desde o começo a uma nova imagem triádica de Deus, toda vez que o único Deus, Javé, do Antigo Testamento aparece como Pai, Filho (Logos) e Espírito (pneuma) actuando na história da salvação.

Schilson mostra que «a divindade de Jesus não é uma segunda substancia no homem Jesus, ao lado da sua humanidade, senão que Jesus pacientemente, enquanto é este homem, o Filho de Deus, e portanto, o próprio Deus» , apresentado como Criador, eterno e presente antes dos primórdios da criação, tornando-se o agente da acção criadora de Deus. (Gn 1,18; Jo 1,3-4; Cl 1,16).

A vinda de Jesus Cristo nada teve de casual, e nem mesmo de inesperada. Ele veio na plenitude dos tempos, e sua missão já estava completamente elaborada antes da fundação do mundo. Muitos aspectos de sua primeira vinda já tinham sido profetizados por muitas pessoas, desde a queda de Adão. Jesus tinha uma clara consciência sobre sua pessoa. As alegações que Jesus fez sobre sua própria pessoa não teriam sentido se Ele não tivesse sobre si mesmo a clara noção de divindade. Tudo indica que Ele sabia que era Deus, pois disse:

Que o reino dos Céus (Mt 13:24,31,33,44,45,47), que é o reino de Deus (Lc 17,20), é também o seu reino (Mt 13:41).

Ter autoridade para perdoar os pecados (Mc 2,1-12), tarefa que cabe exclusivamente a Deus. Aliás, por causa disso os fariseus o acusaram dizendo "Isto é blasfémia! Quem pode perdoar pecados, senão um que é Deus?". Perdoar pecados é uma prerrogativa divina.

Que julgará todos os homens, separando os bons dos maus (Mt 25,31-46, Lc 13, 23-30). No AT, o Deus Todo-Poderoso, é o único chamado de Juiz de toda a terra (Gn 18,25) e o único com prerrogativa de julgar as nações (Jz 11,27; Sl 75,7; Sl 82,8; Ec 11,9 e 12,4). Só Deus pode exercer tal autoridade e poder.

Ser o Senhor do Sábado (Mc 2, 27,28). O valor do Sábado foi definido por Deus (Ex 20,8-11), e somente alguém igual a Deus poderia anular ou modificar essa norma.

Ter poder para vivificar e ressuscitar os mortos (Jo 5:21). Somente Deus teria poder para vivificar os mortos. Jesus não só alegou, como também ressuscitou a várias pessoas (Lc 7,11-15; Mt 9,18,19,23-26; Jo 11,17-44). Mais que seus milagres, sem dúvida, a ressurreição de si mesmo, foi seu maior sinal (Mt 12,39).

Ser a ressurreição e a vida (Jo 11,25). Alegava ter poder suficiente para fazer tornar a viver qualquer que cresse n`Ele, mesmo que este morresse. Um atributo exclusivo do Senhor Deus, que Ele estava reivindicando nessa passagem.



1.1 Vários Testemunhos das Escrituras sobre a divindade de Jesus

1.1.1. No Evangelho de João

João identifica Jesus como o Verbo pré-encarnado, a Palavra em acção. Lemos, Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado ao mundo (Dei Verbum nº. 4). João deixa claro que Jesus é um com Deus, e ao mesmo tempo o distingue de Deus (v 2). Afirma que todas as coisas foram feitas por meio d`Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez (v 3). A Bíblia também afirma que no princípio todas as coisas foram criadas por Deus (Gn 1,1), e assim João estabelece uma identificação entre Jesus e o Deus Criador. Afirma também que esse Verbo divino se fez carne (v 14), e que somente Ele revela plenamente a Deus (v 18). É um grande testemunho a respeito da divindade do Filho.



1.1.2 Nos escritos de Paulo

Paulo mostra claramente sua crença na divindade de Jesus. Em Cl 1,15-20, Paulo afirma que Jesus é a imagem do Deus invisível, no qual todas as coisas subsistem, e que n`Ele reside toda a plenitude (veja também Cl 2,9). Paulo se refere ao julgamento de Deus (Rom 2,3) e ao julgamento de Cristo (2Tm 4,1; 2Cor 5,10), de maneira intercambiável. Em Fl 2,5-11, Paulo ensina que Jesus, sendo Deus, se auto limitou, esvaziando-se a si mesmo de seus privilégios divinos e sendo reconhecido em figura humana. Quando Paulo diz que Jesus toma forma (morphé no original) de Deus, a ideia é que Cristo tem a mesma essência de Deus. Em outras palavras, o vs.5 quer dizer que, embora Jesus tivesse a mesma essência de Deus, não utilizou isso em vantagem própria. E logo em seguida deixa claro que virá um dia em que todos haverão de prestar honras e louvores a Ele, numa linguagem só permitida a alguém que crê que Jesus seja realmente Deus.



1.1.3. Nas outras epístolas

a) Em Hebreus

Das epístolas não-paulinas, a de Hebreus, é a que mais contrasta a divindade de Jesus com relação aos anjos e aos homens. Em Heb 1,3, afirma que Jesus é o resplendor da glória e a expressão exacta de Deus. Não somente isso, mas também afirma que Jesus foi o meio pelo qual todas as coisas foram feitas (v 2), as quais são sustentadas pela palavra do seu poder (v 3). Uma afirmação clara é encontrada no vs.8, no qual Jesus é tratado por Deus. A epístola continua argumentando que Jesus é muito superior aos anjos (Hb 1,4;2,9), a Moisés (3,1-6) e aos sumos sacerdotes (4,14;5,10). Mas o autor deixa claro que sua superioridade não reside apenas em termos de posição hierárquica, mas sim de natureza intrínseca, pois todos os outros são criaturas, mas o Filho é Deus.



b) Em João

Em João, Jesus é o Verbo da vida eterna, já pré-existente no princípio de todas as coisas, juntamente com o Pai (Jo 1,1-3). No capítulo 5,20, Jesus é chamado de Filho de Deus e explicitamente identificado como verdadeiro Deus e a vida eterna.



1.2. Os fundamentos Cristológicos sobre a ressurreição

Embora tenhamos dados factuais referente à vida pública, a morte de Jesus, o sepúlcro vazio e outros, a fé continua a ser um discurso vivo a cerca de Cristo, um homem autêntico. O mistério da ressurreição cai numa categoria diferente, e muitas vezes opaco, que o homem aos seus próprios olhos não se clarifica a não ser por revelação de Cristo. «Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» .

A ressurreição de Jesus não é um facto ou acontecimento não-histórico, visto que não se trata de um regresso para a vida anterior a morte. «Ele é o evento da entrada de uma nova vida, e uma nova realidade totalmente diferente da outra» . Trata-se de uma realidade escatológica, ou seja, início dos novos tempos. «A ressurreição de Jesus aparece como sendo a revelação última e definitiva de Deus ao homem» . Podemos interpretar a ressurreição como fundamento da plena unidade da humanidade de Jesus com Deus, não podemos ver de modo algum como que não existisse antes da ressurreição. Ela trata-se de uma vitória de Jesus sobre a morte. De facto, o evento toma outro significado tão intimamente ligado, que é praticamente impossível uma discrição histórica. Não obstante, os teólogos divergem significativamente no tocante à especificidade do significado da confissão de que Jesus ressuscitou, e especialmente na concepção do relacionamento da ressurreição com a crucificação. Portanto, vejamos o discurso de alguns teólogos sobre este fenómeno.

Rudolf Bultmann, parte da cruz, mostrando que é na cruz onde Jesus agiu para libertar o homem do pecado, e lhe dar a possibilidade de reencontrar-se com seu verdadeiro Ser. Porém, deve ser considerada como ponto de referência para um discurso posterior. No seu programa teológico e básico, reflecte a desmitologização através da interpretação existencial. Nesse caso a sua teologia de Ressurreição descarta questões históricas como sendo irrelevante.

A fé cristã para Bultmann, não está interessada na questão histórica, mas na cruz como evento salvífico. «Crer na cruz de Cristo significa aceitar a cruz como sua própria e permitir a si mesmo ser crucificado com Ele» . Por outro lado Bultmann, vem a ressurreição de Jesus como algo que está mais identificada com ascensão de fé por parte dos discípulos do que com qualquer coisa que toque Jesus pessoalmente.

Ele vai mais longe mostrando que a Ressurreição de Cristo oferece-nos a possibilidade da fé como possibilidade de nos compreender a nós mesmo. Daí que, «diante da palavra anunciada, a pessoa ao afirmar ou negar a sua fé, está mostrando esta decisão diante do presente escatológico que é a oferta da salvação de Cristo crucificado e ressuscitado» . O kérygma, apresenta a Cruz e a Ressurreição, como evento único que significa que o juízo feito por Deus a respeito do mundo é ao mesmo tempo, graça que liberta.

Willi Marxsen, exegeta luterano alemão. Ele partilha a noção de fé de Bultmann no que toca a desmitologização e da sua vida pública e crucificação de Jesus. Para ele, «não existe nada que prejudique o Jesus da história, visto que o resultado é uma concepção distinta da fé pascal e sua origem. Por isso, a Ressurreição de Jesus não é aquela do evento que ocorreu depois da sexta-feira santa, mas aquela de Jesus terreno» .

J. Moltman, se opõe à interpretação de Bultmann. Para Moltman, a Ressurreição de Jesus ocupa um lugar central na esperança cristã. É uma chancela para a promessa bíblica que no entanto, permanece promessa: ela não dá um acabamento à história, mas a constitui como história, ao abrí-la para um futuro imaginável. Ele está muito preocupado com os contra sensos que muitos cristãos e teólogos interpretam a Ressurreição: «neles a Ressurreição suprime a promessa bíblica da mesma forma que suprime a lei judaica» .

Moltman, vem a Cruz e a Ressurreição de Cristo como sendo as duas premissas do pensamento cristológico, por isso mesmo, considera que é em Jesus que se cumpriu a promessa total da história inteira do mundo que tende para o advento escatológico de Deus. Daí que, «a Ressurreição não elimina a Cruz, mas lhe atribui um significado transcendente, uma vez que ela como promessa, é garantia da perspectiva profética cujo termo foi a Cruz» .

Wolthart Pannenber, este é muito crítico sobre o pensamento da Ressurreição dos dois primeiros já acima mencionado. Para ele, a Ressurreição de Jesus goza um sentido unívoco e claro na tradição judaica. Porém, fala da Ressurreição num contexto ambicioso, responsável, pondo assim seus interesses de ênfases específicas. Na sua opinião, a Ressurreição de Jesus adquire importância central: «Primeiro a Ressurreição é decisiva para a Cristologia devido a uma inadequação de Jesus histórico. Em segundo lugar Jesus foi ressuscitado por Deus, e por isso, a sua morte foi de um homem justo e não a de um blasfemador» . A condenação e a morte de Jesus, decidida pelos chefes judeus, não tomaram a Deus de surpresa, ele responderam a uma vontade misteriosa da sua parte (Act 2,23 e 4,28).

Walter Kasper, vem a Ressurreição de Jesus como sendo uma proeza escatológica, como uma exaltação e como acontecimento salvador de Deus. Deve ser vista num horizonte de esperança (escatologia). Não significa voltar à vida anterior, mas é o dominar a morte, isto é, a morte não tem o poder sobre Ele. Jesus vive toda a sua vida para Deus, portanto, a Ressurreição d´Ele é a revelação e a relação do Reino de Deus que foi anunciado por Ele mesmo. «Deus manifestou o seu amor final ressuscitando Jesus de entre os mortos» . Para este autor a fé cristã se funda na Ressurreição de Jesus. Portanto, está de acordo com aquilo que São Paulo vai-nos dizer na sua primeira carta aos coríntios.

O apóstolo Paulo elabora uma teologia de fé a partir da Ressurreição de Cristo. «Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé» (1Cor 15,17). Nesse caso, para Paulo, a Ressurreição é um requisito único e suficiente para a nossa salvação. A Ressurreição é uma acção do Pai, por isso, ela ocupa um ponto central na história da salvação. O núcleo da salvação é o próprio mistério pascal que abarca a morte a ressurreição de Cristo. Podemos dizer que são dois momentos básicos que estão perfeitamente ligados entre si, onde a Ressurreição é a conclusão de toda actividade terrena de Jesus. E, portanto, é o mistério central do cristianismo. A Sagrada Escritura fala, com toda profundidade, da dimensão teológica deste acontecimento, servindo-se especialmente do conceito "exaltação", que neste caso constitui um hino da Cristologia popular da carta aos filipenses (2,9). No entanto, «se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se no teu coração acreditares que Deus O ressuscitou dos mortos serás salvo» .



1.3. A Pré-Existência do Filho

A última área que eu gostaria de acrescentar é mais notável do que tudo o mais, ou seja, a natureza pré-existente do Filho de Deus. Aqui vemos que Jesus, o Filho de Deus, sempre existiu. Ele não é um ser criado na natureza de Sua Divindade como Filho, mas Ele mesmo usou Sua Divindade para criar a carne de Jesus Cristo. A Bíblia não apóia o arianismo. Jesus não é o primeiro ser criado, mas o único Ser auto-suficiente, o Deus que sempre existiu, infinitamente.

Em João 3,13 vemos que o Filho sobe e desce do céu: "Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu." Conforme Sua imanência, vemos que Sua origem é "do céu" e que do céu Ele "desceu". Isso é reiterado em João 6:38: "Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou." Se isso não fosse verdade, Jesus teria dito que nasceu de Maria e José, a fim de fazer a vontade do Pai que O enviou. Ele ainda atesta que ninguém viu o Pai, exceto Ele: «Não que alguém visse ao Pai, a não ser aquele que é de Deus; este tem visto ao Pai» (Jo 6,46).

Isso mostra que Jesus sabia de Sua natureza divina, e que Ele estava com o Pai, antes da formação do mundo. Somente Ele viu o Pai e sua residência com o Pai é atestada em João 6,62. Aqui Jesus sobe ao céu, de onde veio: "Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava?" Ora, se estas palavras não são bastante claras, o Eterno Logos do Evangelho de João diz aos judeus: «Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo» (Jo 8,23). Se esta declaração fosse falsa, todo o cristianismo e todos os cristãos, desde o tempo de Cristo até agora, estariam participando de uma farsa. Eles iriam apresentar-se como sendo o povo mais estúpido e ignorante de todos os tempos. Em vez disso, os discípulos jamais se abstiveram dessa declaração porque bem conheciam a verdade da mesma. Não somente Cristo havia comprovado isso, como eles também a haviam testemunhado a divindade Dele no Monte da Transfiguração.

Sua afirmação permanece, de ter Ele residido com o Pai, « pois, Jesus disse-lhes Se Deus fosse o vosso Pai, certamente me amaríeis, pois que eu saí, e vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas Ele me enviou» (Jo 8,42). Ele tinha uma íntima relação com o Pai, o que comprova a Sua eterna Divindade... Também disse «Saí do Pai, e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo, e vou para o Pai» (Jo 16,28). Como o Pai é Deus, Jesus saiu do Pai e regressou à exclusiva relação com Ele, isso comprova, maravilhosamente, a Sua pré-existência eterna, como o Filho de Deus. Se Jesus Cristo não é Divino, então o Pai também não o é, pois ambos são UM.



2. A UNIÃO DO HUMANO E DO DIVINO EM JESUS CRISTO

A união entre o humano e o divino em Jesus Cristo não alterou nem o divino, nem o humano. O divino se chama natureza divina; o humano se chama natureza divina. A natureza divina do Filho de Deus não mudou quando o Filho se fez homem. Recebeu algo novo, o humano. Mas a natureza divina não pode mudar, como não mudou. O Filho de Deus não deixou de ser Deus e de ter a natureza divina ao se fazer homem. Em Cristo, o humano também não é algo diferente do humano em nós. Jesus não é um ente intermediário entre Deus e o homem. E também não surgiu como uma mistura ou uma fusão entre as duas naturezas. Cada qual permaneceu diferente da outra embora ambas permanecessem unidas. É essa forma de união que veremos agora.



a) União pessoal das duas naturezas em Jesus Cristo

Há uma unidade entre a humanidade e a divindade de jesus. O que faz a unidade é que se trata de uma só pessoa, um só sujeito: a pessoa do Filho de Deus, que é uma pessoa divina. Esta pessoa divina do Filho assumiu uma natureza humana sem perder a sua natureza divina. Assim, se formou a unidade entre o humano e o divino em Jesus. Na medida em que a união se faz pela pessoa única do Filho de Deus, fala-se de uma união pessoal. Não há outro exemplo de união pessoal de duas naturezas. Uma pessoa tem sempre uma natureza não há nenhuma outra que tem duas naturezas distintas e diferentes, somente Jesus.

Muitas vezes, também se usa a expressão união hipostática, porque, em grego, pessoa se diz hipostasis; nesse caso, união hipostástica significa união pessoal, união do humano e do divino em Jesus, pela pessoa única do Filho.



b) A encarnação

A união entre a natureza divina e a humana em Jesus começou em um momento determinado que é o da conpção da natureza humana de Jesus no seio de Maria, no dia da anunciação. Esse momento é chamado de “encarnação” do Filho de Deus, ou seja, sua entrada na carne humana.



c) Consequências das duas naturezas em Jesus

Jesus tem um conhecimento divino e um conhecimento humano. O seu conhecimento divino é perfeito e ilimitado, como tudo o que é Deus. O seu conhecimento humano é limitado, como tudo o que é humano. Em sua humanidade, não é um simples instrumento manejado por sua divindade. O corpo de Jesus não é uma ferramenta nas mãos de sua divindade. Para actuar como homem Jesus deve pensar, buscar razões e factos, preparar sua acção, comparar as vantagens e as razões de decidir livremente.



III. PARTE

JESUS, O PROFETA



QUEM DIZEM OS HOMENS QUE EU SOU?

«Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesaréia de Filipe, e no caminho, perguntou-lhes: “Quem dizem os homens que eu sou?” Eles responderam: “João Baptista, outros, Elias; outros ainda, um dos profetas”. “E vós, perguntou Ele, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”. Então proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito» (Mc 8,27-30).

Quando olhamos ao que os discípulos disseram de Jesus, notamos que, embora pregassem o mesmo e único Evangelho de Jesus Cristo, o apresentavam de maneiras diferentes. Aliás, é por isso que temos quatro Evangelhos. Isto é próprio de um mistério. De facto, a pessoa e ministério de Jesus são inesgotáveis.

Uma análise à pergunta de Jesus “Quem dizem os homens que eu sou?” parece transparecer-se respostas intermináveis que até aos nossos dias se fazem sentir. À luz da resposta de Pedro em Mt 16,17, Jesus declara que para o conhecimento da sua personalidade, não basta a carne e o sangue, é preciso a ajuda do Pai que está nos céus. Só o Pai é que nos revela plenamente o Seu Filho «Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo» (Mt 3,17b). Ninguém pode falar de um mistério por si só e de única maneira pois, «A inteligência humana não pode compreender de uma única vez um mistério, mas de cada vez alguma coisa nova é descoberta. Nem todos os homens juntos podem esgotar o mistério de Jesus Cristo; o que hoje todos conhecemos d’Ele é o que a nossa inteligência é capaz hoje de conhecer de Jesus Cristo» . Ainda há muito por saber e conhecer de Jesus Cristo porque «Jamais acabaremos de sondar o abismo deste mistério» .

Esta questão até hoje tem tido diversas perspectivas de respostas. Mas neste trabalho e nas linhas que se seguem pretendemos ver em que medida se pode falar de Jesus enquanto profeta. Desde já adiantamos a nossa limitação face ao tema em causa. Daí que não iremos esgotá-lo, mas na medida do possível iremos traçar aspectos que caracterizam Jesus, o profeta que é também o Messias.



1. DEFINIÇÃO DO TERMO PROFETA

Nesta parte delimitadora do termo que queremos analisar, apresentamos vários posicionamentos sobre o que seja o perfil de um profeta.

Do grego Προφητης. Da raiz, pro que significa em vez de, antes de. Indica o homem que faz predições; que é vidente e inspirado. Portanto, aquele que fala em vez de outro, o que fala em vez de Deus . O profeta é aquele que é chamado, pondo em realce a sua vocação e o seu chamamento por parte da divindade. Isto é, «O nabi é aquele que actua sob a influência do Espírito, proclamando a mensagem que recebeu» .

Por outro lado, este termo indica «O indivíduo que promove o culto e a palavra de Deus, alegando possuir o dom da predição das coisas futuras por inspiração» . Pode indicar também, o homem que fala em nome de Deus para dar a conhecer as Suas vontades . «No sentido grego da palavra e do linguajar bíblico, o profeta não é tanto provisor do futuro, ao invés, órgão e portador, intérprete e proclamador da revelação divina» .

Fundamentalmente, vemos que o profeta é a pessoa que vem em nome de Deus para conduzir o seu povo; é a pessoa que vem denunciar os desvios do povo e os vícios de seus chefes e pastores, recordar a verdadeira lei do verdadeiro Deus e anunciar o juízo de Deus sobre o seu próprio povo e sobre todos os povos.



a) De forma sucinta

Embora os conceitos já apresentados não tenham, concretamente, alusão a Cristo, é dado de facto que os profetas eram escolhidos com vista a Cristo, que é o profeta e o único mediador entre Deus e os homens. De um lado, pode-se dizer que é impossível compreender bem os textos bíblicos referentes a Cristo sem conhecermos a história profética de Israel. De outro lado, é igualmente verdade, que se pode compreender plenamente o papel dos profetas somente com vistas a Cristo e sob a sua luz. Pois, «Toda a vida que precede a vinda de Cristo é catecumenato da humanidade e os profetas são as testemunhas e os artífices deste catecumenato da humanidade» .



2. O PAPEL DE UM PROFETA

Os profetas representam, no meio do povo eleito um papel difícil, às vezes trágico, mas igualmente privilegiado; na história da salvação prefiguram o profeta, Cristo, cujo caminho preparam e do qual são arautos.

Um profeta (nabi, em hebraico), na Antiga Aliança, era alguém comissionado, por Deus, para falar às pessoas. Os profetas, geralmente, tratavam de temas de sua época, em especial, da idolatria (I Rs 18.25), do egoísmo dos líderes israelitas (Ez 34), e da injustiça social (Am. 5,7-13). Eles entregavam mensagens de julgamento ao povo (Mq 6) e também de arrependimento e esperança (Jo 2,12-14). Algumas vezes, o profeta antecipava acontecimentos futuros, entre esses, os messiânicos (Is 53; Dan 7). Moisés, por exemplo, fala a respeito de um profeta que viria no futuro (Dt 18,15-18). Na Nova Aliança, o profeta (profetes, em grego) é alguém que, além de prever eventos futuros, proclama a verdade de Deus com autoridade (Tt 1,12; 2Pe 2,16). O dom de profecia de 1Cor 12, na Igreja, é diferente do ministério profético, principalmente, daquele do Antigo Testamento, ou mesmo, do de João Batista (Lc 1,76) e de Jesus (Mt 21,11; Jo 4,44). A profecia, no contexto eclesiástico, serve para a edificação, exortação e consolação do corpo de Cristo (1Cor 14,3), estando, portanto, sujeita a julgamento (1Cor 14,29).



2.1. Os profetas são escolhidos e enviados por Deus

O elemento constitutivo da experiência profética é a experiência de ser cada um eleito, escolhido, tomado e enviado pelo próprio Deus. Os profetas falam em nome de Deus como apontámos antes. E, partindo da experiência de serem chamados por Ele a se converterem, para se transformarem em instrumentos dentro da história da salvação, vêem-se impelidos a cumprir sua difícil tarefa. Assim, «As palavras do profeta procedem do coração de Deus, estão inscritas no seu coração e, por isso, podem tocar e comover os corações dos homens de boa vontade» .

O profeta não só pensa, mas, além disso, sabe que é sentinela (Os 9,8), servidor de Deus e do povo (Am 3,7; Jr 25,4;26,5), mensageiro do Deus vivo (Ag 1,13), qualificado pelo Espírito de Deus para discernir os caminhos do povo (Jr 6,27). Ele sabe-se envolvido no projecto de Deus sobre todas as nações (Jr 1,5); participa da dinâmica da história da salvação (Jr 1,10). O profeta nunca fala de Deus com conceitos abstractos e impessoais, mas com toda a sua existência comunica o amor apaixonado e a ardente santidade de Deus, que não pode permitir falsos deuses junto d’Ele.

Os profetas anunciam Aquele que será totalmente dócil ao Espírito de Deus, pelo qual será ungido e enviado: «Sobre Ele repousará o Espírito de Deus, Espírito de sabedoria e de inteligência, de conselho e de fortaleza, Espírito de conhecimento e de temor de Deus» (Is 11,2). Por outro lado, eles anunciam constantemente que Deus quer reger toda a nossa vida, pública e privada, e anunciam-no de maneira histórica e concreta. Justamente esta concretude com que devemos expressar nossa resposta a Deus nos leva ao conflito com os “poderosos”, com os que não querem converter-se e não pretendem renunciar ao egoísmo individual e colectivo.

A tarefa do profeta é a de interpretar os acontecimentos como palavra, mensagem e chamado de Deus (Cfr. Am 3,7). E, geralmente, as virtudes pregadas e vividas pelos profetas são principalmente a gratidão, a esperança e a vigilância, junto com o espírito de discernimento, que é dom de Deus.

O profeta vem anunciar a salvação ou a libertação, por meio da qual Deus salvará seu povo da infidelidade e do pecado para levá-lo à santidade, à perfeição e à paz perfeita. Assim, podemos dizer que há um duplo agir da parte do profeta: na luta contra a corrupção e toda a espécie de injustiças sociais e o anúncio da libertação. Por conseguinte, o profeta actua por meio da palavra.

«Ele não realiza mas faz. Diz o que Deus vai realizar, mas ele próprio não actua. Suas acções são sinais da acção de Deus» . Um outro posicionamento à luz do profetismo do Antigo Testamento atesta-nos que «Os profetas suplicam e ameaçam, mas não se lhes presta atenção. Anunciam um maravilhoso regresso à Jerusalém» . Nesta dimensão, o profeta torna-se o porta-voz de Deus e encontra-se ao serviço duma mensagem que deve transmitir. Ainda nesta linha de pensamento, a mensagem incansável dos profetas é a denúncia da instalação do imperialismo. Denunciam as falsificações do projecto de Deus, os compromissos com as divindades estrangeiras e os ídolos deste mundo. Daí, os profetas apelam para uma libertação radical em vista ao Reino de Deus inscrito nos corações e uma comunhão de cada um e de todos com o Deus vivo.



2.2. A função de Cristo, profeta

A existência de Jesus de Nazaré situa-se no horizonte das promessas de salvação do Antigo Testamento. É Ele próprio quem também nos guia neste campo, com as palavras dirigidas um dia aos dois discípulos de Emaús:

«Como vos custa entender e como demorais a acreditar em tudo o que os profetas anunciaram! Será que o Messias não devia sofrer tudo isto para entrar na sua glória? Então , começando por Moises e continuando por todos os profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d`Ele» (Lc 24,25-27).

E, de acordo com uma das suas afirmações, Jesus é o cumprimento das antigas profecias.

A tensão projectada num futuro de salvação e libertação atravessa todo o Antigo Testamento, mas torna-se mais consciente na época dos profetas. Os profetas pré-exílicos anunciavam a era messiânica (Cf. 2Sam 7,1-17), prometiam uma nova aliança (Cf. Jr 31,31-34), ameaçavam com um juízo e falavam de uma conversão que Deus iria conceder ao seu povo. É este todo o percurso de pensamento que encontra o seu cumprimento na profecia de Ezequiel: «Dar-vos-ei um coração novo, infundirei em vós um Espírito novo» (Ez 36,26).

Por seu turno, os profetas pós-exílicos concentravam a sua atenção na soberania universal que Javé iria instaurar na plenitude dos tempos. A apocalítpica dá à esperança de salvação dimensões verdadeiramente cósmicas: haveria «um novo céu e uma nova terra» (Is 6,17) e a morte seria eliminada para sempre (Cf. Is 25,8). De modo particular, o tempo dará importância ao livro da consolação de Israel (Is 40-55), composto por um profeta anónimo do fim do exílio, com as suas promessas de salvação e de consolação, centradas na misteriosa figura do servo de Javé. A profecia do Filho do homem fecha o Antigo Testamento com a promessa de uma nova história que começará sem a cooperação da mão do homem (Cf. Dan 2,34).

A entrada de Cristo no mundo caracteriza-se por autêntica explosão do espírito profético. O próprio Cristo enfatiza programaticamente seu carácter de profeta na Sinagoga de Nazaré «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres (...) e para proclamar um ano de graça ao Senhor». (Lc 4,18-19).

De facto, «Cristo não é um dos profetas. Cristo é o profeta, é o homem religioso, porque é o Homem-Deus» . Cristo leva à sua consumação toda a história profética e abre uma nova era: a era em que o Espírito de Deus se difunde a tal ponto que o povo de Deus se caracteriza pela participação na função profética do Filho. Aliás, pelo baptismo todo baptizado é um profeta que deve dar continuidade à missão profética do supremo profeta.

Mais do que qualquer outro profeta, Cristo é o profeta no sentido de sinal de contradição e de divisão (Cfr. Lc 2, 34). Ele entra em conflito com sacerdotes e fariseus, com a classe dominante, mais preocupada com os privilégios e com as tradições do que com a voz do Deus vivo, com a necessidade e com a dignidade dos homens.

Cristo, ápice da história profética, desmascara todos os falsos profetas (Mt 7,1-2). Somente os que O reconhecem como o profeta, Filho de Deus vivo, tanto pela vida quanto pela palavra, podem participar da história profética de que Ele é artífice em plenitude.



2.3. O ofício profético de Cristo

O profeta de Dt 18,15-18, a que Moisés se referiu, não é outro senão Jesus, o profeta para as nações. Não só o testemunho de Moisés, mas de outros profetas do Antigo Testamento diziam que Cristo seria um profeta para Israel e para as nações (Is 42,1; Rom 15,8). Os Evangelhos também apresentam Jesus como profeta (Mc 6,15; Jo 4,19; 6,14; 9,17; Mc 6,4; 1,27). É possível identificar Seu ofício profético em seu ministério terreno. Do mesmo modo que os profetas do Antigo Testamento, Jesus pregou a salvação, o livramento vindo de Deus. Sua mensagem, no entanto, não se reduzia apenas a Israel, mas para toda a humanidade (Lc 19,41-44; Mt 26,52). Seguindo o exemplo de outros profetas, Jesus também anunciou o Reino de Deus, sendo esse um dos temas centrais de Sua profecia (Mt 4,17). Por fim, como os demais profetas bíblicos, Ele falou a respeito dos eventos futuros que haveriam de se cumprir (Mt 24). Na verdade, Jesus amadureceu uma auto-consciência de que as antigas profecias tinham, n’Ele, o seu cabal cumprimento (Lc 4, 24; 24,44), e isso, certamente, faz com que Ele seja mais do que é um profeta.



3. AS PROFECIAS MESSIÂNICAS

Nos livros do Antigo Testamento podemos encontrar uma variedade de passagens proféticas com a expectativa de um enviado celeste, de um Messias, cujo aparecimento devia assinalar o início de uma nova época nas relações entre Deus e a humanidade. O Antigo Testamento está dominado pelo perfil do futuro Messias, de quem os autores sagrados realçam a vida e a obra que deverá vir fundar: “um Reino de justiça e de verdade” (Cfr. Lc 4,18-19).

Assim, as principais profecias que podemos precisar e que nos parecem tão evidentes à luz da Sagrada Escritura são:

O Messias seria descendente de David (2Sam 7,11-13). Este Messias viria antes da destruição do Templo (Ag 2,7.8). Teria como mãe, uma virgem «Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um Filho e será chamado Emanuel» (Is 7,14). O Messias devia nascer em Belém de Judá (Mq 5,2). Ele teria um precursor (Ml 3,1) que pregaria às margens do rio Jordão na região da Galileia (Is 9,1-2). Seria mestre e profeta (Dt 18,15), legislador e portador de uma nova aliança entre Deus e os homens (Is 55,3-4), sacerdote e vítima (Is 52,15.53); seria humilde e manso (Is 11,1-5), salvador da humanidade e pedra de escândalo (Is 8,14), pleno do Espírito do Senhor (Is 11,2), faria milagres (Is 35,4-6), entraria triunfante em Jerusalém (Zc 9,9).



3.1. Consumação das profecias

De facto, «Como Messias pré-anunciado, Jesus pertence à família de David (Mt 1,18-23), nasceu de uma virgem (Lc 1,27) em Belém de Judeia (Lc 2,4-7), teve um precursor: João Baptista (Jo 1,15), fez milagres de toda a espécie (Mt 11,5), foi pobre, humilde e manso, legislador (Lc 5,1-11), salvador, sacerdote e vítima» .

Ao começar sua vida pública, na Sinagoga de Nazaré, toma em suas mãos o livro do profeta Isaías e depois da leitura diz: «Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir» (Cfr. Lc 4,21) e depois de desacreditado acrescenta: «Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria» (Lc 4,24). Assim, «Não se pode nunca duvidar que Jesus morreu sobre a cruz como profeta messiânico» . Jesus é profeta enquanto Messias pré-anunciado pelos profetas.



3.2. As profecias de Jesus

Afirmamos antes que Jesus atinge o cume de toda espécie de profetismo. Portanto, é-nos suficiente declarar que «Jesus não foi somente objecto de profecias, mas também sujeito delas. Ele é profeta. Parece que para Ele o futuro não tinha mistérios, que conhecia o futuro como o presente» .

Nos Evangelhos está bem patente que Jesus predisse tanto a sua paixão bem como a sua morte (Mt 16,21-23). Igualmente, predisse a traição de Judas em Mt 26,21-25, a tríplice negação de Pedro (Mt 26, 30-35) e o seu martírio (Jo 21,18-19).

Outros factos elucidativos que atestam as profecias de Jesus são: Jesus predisse a glória de Madalena (Mt 26,13), a fuga dos discípulos durante a paixão (Mt 26,31), as perseguições aos discípulos depois da morte de Jesus (Mt 10,17-23; Mc 13,9-13), a conversão dos pagãos (Mt 8,11), a pregação da Boa Nova em todo o mundo (Mt 24,14), a sua permanência no mundo até a consumação dos tempos (Cfr. Mt 28,20), as heresias e divisões que viriam à tona no seio da Igreja (Cfr. Mt 7,15-22) e a destruição de Jerusalém (Mt 24,1-2).

Decerto, «Aos milagres físicos operados sobre a natureza e à ressurreição de seu corpo, junta-se o milagre intelectual das profecias. Jesus domina o passado, o presente e o futuro. Somente o Filho de Deus pode ter tais poderes divinos» .



4. O AGIR PROFÉTICO DE JESUS

4.1. Traços do profetismo de Jesus

Jesus levou ao termo toda a espécie de profetismo de tal modo que a sua vivência e acção situam-no acima de seus contemporâneos, introduzindo uma nova ideia de Deus e de religião.

Ao começar a sua actividade messiânica apareceu como um reformador social lutando pela justiça, sem medo dos “poderosos”; comprometendo-se plenamente com a sociedade de seu tempo e lutando por transformá-la. De facto, «Jesus é o homem que assume o sofrimento do povo, tomando-o sobre si. É o homem que faz do sofrimento do povo seu próprio sofrimento, tirando-lho portanto» . Por outro lado, Jesus apareceu como um homem inspirado, pois, tinha uma consciência tão clara de que era Deus quem lhe falava. Daí que Ele tira a sua mensagem da própria fonte divina e sua força e sustentáculo é a Palavra que o Pai lhe comunica pessoalmente (cf. Jo 17,6-8).

Jesus apareceu também como homem público porque o seu dever de transmitir a Palavra de Deus o coloca em contacto com os demais. Ele não se detém ao Templo, mas vai além do Templo, às praças públicas onde o povo se reúne, lá onde a mensagem é mais necessária e a problemática é mais aguda. Ele tem um contacto directo com o mundo que o rodeia e nenhum sector social lhe é indiferente porque nada é indiferente para Deus .

A figura de Jesus apareceu também como um homem ameaçado que rompe com todas as barreiras sociais, pois, Ele sentia na carne o que Deus disse ao profeta Ezequiel «Dirigem-se a ti em bando, sentam-se na tua presença e ouvem tua palavra, mas não a põem em prática. Tu és para eles como uma canção suave» (Ez 33,31-33). É ameaçado de perder-se numa causa que não encontra eco nos ouvintes. No entanto, não são todos que não O escutam porque alguns seguiam-no aonde quer que fosse. Todavia, Ele é acusado de blasfémia, de traidor da pátria até à perseguição, ao cárcere e à morte.

O povo reconheceu em Jesus um profeta. Moisés havia anunciado a vinda de um outro profeta, semelhante a ele (Dt 18,18). E a multidão reconheceu em Jesus esse profeta. Os discípulos também o vêem como um profeta depois da ressurreição da filha da viúva de Naim e aclamam dizendo «Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo» (Lc 7,16; Jo 5,4;9,17).

Jesus actuou como profeta em sua vida mortal. Com efeito, Ele veio salvar o povo de Deus (a humanidade depravada), corrigi-lo e dar-lhe sua forma definitiva. Por outro lado, «Sua vida e ministério terrenos foram sinais e símbolos de sua acção depois da ressurreição. Jesus actuou mais como profeta antes da sua morte e ressurreição anunciando e mostrando a sua acção actual» .

Jesus não só foi reconhecido como profeta, como também Ele próprio atribuiu-se a missão de profeta e se identificou com o papel e o destino dos profetas (Jo 4,44). Por outro lado, Jesus persiste a ir a Jerusalém, porque os profetas morrem lá (Lc 9,51-52). Podemos notar ainda que a vinda do Espírito sobre Jesus e as palavras do Pai atribuindo-lhe a vocação profética anunciada pelos antigos profetas mostram que Jesus é um profeta (Lc 3,22).

Às vezes, os Evangelhos fazem um paralelismo entre Jesus e os grandes profetas, Moisés, Elias e João Baptista (Lc 9,8.19; Dt 18,15; Lc 4, 25-27). Aliás, o próprio Jesus colocou-se na linha de João, em continuidade com ele, mas afirmando a sua diferença radical «Digo-vos que dentre os nascidos de mulher não há maior do que João; mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele» (Lc 7,26-28).



5. OS ACTOS PROFÉTICOS DE JESUS

Conforme vimos anteriormente, o profeta é um intermediário entre Deus e o seu povo: um enviado de Deus ao seu povo e representante do povo junto de Deus. Com efeito, o Novo Testamento apresenta-nos três figuras que constituíam os grandes profetas antes de Jesus, ei-los: Moisés, Elias e, sobretudo, João Baptista (Cfr. Lc 9,7-8).

O profeta é enviado ao povo de Deus para anunciar sua libertação, dar-lhe fé na libertação e assim fazê-lo erguer-se de sua escravidão: «Ora, tu também serás chamado profeta do Altíssimo (...) para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos passos no caminho da paz» (Lc 1,76-79).

Por isso mesmo, o profeta transmite as palavras de Deus que são palavras com autoridade e força para destruir os pecados do povo, o pecado de sua infidelidade e traição à sua missão, para enfrentar os falsos profetas, os falsos pastores. «Os profetas são a consciência viva do povo, a presença do juízo de Deus condenando os falsos pastores que enganam o povo e o afastam de sua vocação (Jr 1,17-19)» .

De certo modo, o profeta é a pessoa que se responsabiliza pelo povo, que se identifica com o povo real e autêntico. Mas esse destino provoca conflitos. Dirigido por seus falsos pastores, o povo persegue o profeta. O profeta ao mesmo tempo se identifica com o seu povo e é rejeitado por ele (Jr 15,10.21).

O profeta é a pessoa que se aproxima de Deus e conhece os seus segredos. Ele se aproxima de Deus em nome de seu povo. E Deus o chama para conhecê-lo e enviá-lo a uma missão difícil «Iahweh, então, falava com Moisés face a face, como um homem fala com seu amigo» (Ex 33,7-11).

Todos estes factos encontram suma realização na pessoa de Jesus «O profeta que devia vir ao mundo» (Cfr. Jo 6,14).



5.1. Evidências textuais dos actos proféticos de Jesus

Jesus viveu num determinado ambiente em Nazaré e num tempo caracterizado por aparente estabilidade, por um lado, e discórdias e injustiças por outro. É nesta altura que Jesus aparece para salvar o seu povo enganado por maus guias, vem mostrar-lhe o verdadeiro caminho de salvação «Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso (...), pois o meu jugo é suave e meu fardo é leve» (Mt 11,28-30).

Jesus, em várias ocasiões, denunciou os doutores da lei de sua época e lutou para libertar o povo de sua má direcção, advertindo o povo para que não se deixasse enganar (Lc 15,1-7). Igualmente, Jesus condenou e denunciou os fariseus «Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles» (Mt 6,1). Jesus expulsou os vendilhões do Templo e se opôs aos chefes dos sacerdotes censurando a sua incredulidade (Mt 24,1-2).

Como profeta, Jesus foi obediente até à perseguição e à morte. Ele tinha que morrer em Jerusalém. Sabia disso, anunciou-o e cumpriu-o «Ide dizer a essa raposa (...) hoje, amanhã e depois de amanhã, devo prosseguir o meu caminho, pois não convém que um profeta pereça fora de Jerusalém» (Lc 13,32-33).

Jesus foi perseguido por causa de sua acção profética; seus adversários O mataram porque Ele os denunciava e eles não queriam escutá-lo nem se converter. Acharam que Jesus era pecador, que Ele blasfemava e se levantava contra Deus pois obrigava-os a uma mudança «Agora sabemos que tens demónio. Abraão morreu, os profetas também, mas tu dizes: “Se alguém guardar minha palavra, jamais provará a morte”» (Cf. Jo 8,52).

Jesus anunciou a salvação do verdadeiro povo de Deus «...os que estavam perto serão rejeitados e novos filhos de Abraão virão de longe para formar um novo povo de Deus» (Cf. Mt 8,11-12). Também como profeta, Jesus reuniu o povo de Deus disperso e abandonado. É o povo dos pobres e humilhados, desprezados e sem nenhuma atenção das suas autoridades. Jesus denunciou a falsa devoção dos fariseus (Lc 7,36-50) e as falsas leis dos doutores da lei (Mt 5,20-48). Jesus anunciou o juízo de Deus: a destruição do pecado e da infidelidade com todos os seus sinais, inclusive a destruição do Templo e de todo o mal, a destruição da corrupção com a purificação deste mundo por um lado. Por outro lado, o advento do verdadeiro povo de Deus a partir do resto de Israel (Mt 8,10-12;22,1-20;25,31-46).

Com o seu profetismo e por meio de suas afrontas, Jesus foi perseguido e levado à morte violenta. Ele sabia que, sendo profeta, sua sorte seria a dos profetas, como foi o caso de João Baptista. Sua morte foi o ponto culminante do conflito com as autoridades de Israel que prepararam e decidiram a morte de Jesus e pediram a sua execução ao procurador Pôncio Pilatos (Cfr. Mt 16,21-26).

Jesus actuou por meio de palavras e obras, falando e realizando obras que constituíam sinais de suas palavras. Portanto, «Foi um profeta poderoso em obras e em palavras» (Lc 24,19).

Jesus dedicou-se ao seu povo e dentro do seu contexto. Ao falar do mundo sempre permaneceu no âmbito dos profetas. O que lhe interessava era o surgimento do novo povo de Israel, renovado numa nova Aliança. Jesus olhava sempre o futuro, queria um Israel diferente, presente em todos os povos, aberto também aos pagãos. Como os profetas, Jesus confiava absolutamente em Deus. Aliás, Jesus não é simplesmente um homem: «(…) é o próprio Deus feito homem» .



6. JESUS, O PROFETA QUE INAUGURA O REINO DE DEUS

Antes de tudo, convém situarmo-nos dentro dos parâmetros sobre o significado do Reino de Deus. Quando se fala de Reino de Deus o que se pretende dizer? Para termos uma resposta mais convincente Bultamann diz: «O Reino de Deus significa a salvação para o homem, concretamente, a salvação escatológica, que põe fim a toda a realidade terrestre. É o sumo bem que, enquanto escatológico, é uma grandeza simplesmente extra-mundana diametralmente oposta a todos os bens relativos do mundo» . Não se pode imaginar um Reino exactamente terrestre, mas devemos perceber que a pregação de Jesus é o anúncio escatológico, isto é, o cumprimento da promessa da iminência do Reino (Cfr. 1Cor 10,23-24). O Reino de Deus significa que «Deus reina no facto e com o facto de Jesus fazer da aflição do povo a sua própria causa. O próprio Jesus, esse homem, é portanto o Reino de Deus» .

Na tradição veterotestamentária e no judaísmo, o Reino de Deus significava a proximidade, a chegada de Deus mostrando o seu poder e a sua glória, como criador e Senhor do universo. «Portanto, o Reino de Deus não é primariamente um Reino, mas trata-se do senhorio de Deus, da prova da sua glória, do seu ser Deus» . É por isso que entre os judeus «O Reino de Deus era uma concepção ao mesmo tempo religiosa e política, de modo que o domínio da lei dependia, no espírito da maioria, do triunfo político da nação. Tal dependência, o Senhor a recusa, desde o início. O Messias era esperado como arauto invencível da lei santa e Rei vitorioso conduzindo sua nação ao domínio político do mundo» .



6.1. O Reino de Deus no Judaismo

Para compreendermos o alcance imediato e os matizes da expressão dos ensinamentos de Nosso Senhor, como também o eco que encontraram em seus ouvintes, necessário se faz entendê-los em função do meio histórico onde se inseriram, isto é, o do povo judeu ao tempo da dominação romana.

Fossem quais fossem as infidelidades das classes mais elevadas ou mesmo do povo, no fundo de todas essas almas dormia uma grande esperança simultaneamente religiosa e patriótica, pronta a reuni-las para a acção no dia em que algum impacto exterior que viesse despertá-las: a esperança do Reino de Deus. Densidade intelectual, pois que nele se via a organização ideal e definitiva das sociedades humanas, a de Israel e a dos gentios, para sempre unificadas sob domínio da santa lei. Densidade afectiva sobretudo, pois que nesse ideal se reencontravam e se revigoravam os dois sentimentos mais fortes que podem animar o homem: o sentimento religioso e prático.

Já se vira, no tempo dos Macabeus, qual o poder de um movimento de insurreição, abeberando-se nas duas fontes. Que impulso de messianismo teria surgido então se os iniciadores desse regimento nacional tivessem podido reivindicar uma origem davídica! Mesmo no tempo de Jesus, os zelotas revelarão ainda, entre a dominação romana, as mesmas aspirações da consciência religiosa e da prática de Israel. Seu nacionalismo exasperado fomentará diversas insurreições cujo conhecimento permite-nos dar todo relevo a alguns episódios evangélicos, que o povo quis proclamar em Jesus, que era efectivamente da família real de David, o Rei Messias esperado.

Já se vê que o Reino de Deus esperado em Israel apresenta-se de início como uma grande organização colectiva, nacional e até, como diríamos, internacional dominando sobre todos os povos e de algum modo englobando-os; tendo, por carta institucional, a lei mosaica levada à perfeição. Sonha-se com uma teocracia ao mesmo tempo religiosa e política na qual entrarão de boa ou má vontade todas as colectividades humanas. «Se fortuitamente se pensa na sorte pessoal de alguém em particular, na salvação individual, esta aparece como inseparável consequência da salvação colectiva trazida em Israel e, por Israel ao mundo» .

Tudo isso, sem dúvida, podia comportar uma verdadeira grandeza religiosa: para convencer-se disto, releia-se o salmo 118. Todavia, mesmo considerando os factos pelo melhor prisma, tudo isso tornava os valores religiosos totalmente dependentes, não só da conformidade a uma lei exterior ao homem, mas também dos triunfos e malogros da colectividade política cuja carta era essa lei. Estava constantemente aberto à confusão entre política e religião, como também aos desvios do formalismo farisaico tão rigorosamente denunciado por Jesus, ou do legalismo opressor da liberdade interior, o qual S. Paulo deveria combater por sua vez com tanta energia.



6.1.1. O Messias e o Reino de Deus no Judaísmo

Nada houve, não exceptuando o próprio Messias que se não definisse em função desse Reino de Deus. Ele devia aparecer como o seu invencível campeão. Dos traços proféticos que lhe diziam respeito na tradição, deixavam no mistério ou interpretavam mal os que anunciavam suas provações pessoais. Não se detinham a meditar nos sofrimentos do servo de Deus descritos por Isaías. Antes, conservavam-se na memória os títulos gloriosos e já triunfantes de Filho de David e do Rei das nações. Ele seria o grande observador e defensor da lei mas ainda, porém, a serviço desta lei e da sua irradiação universal seria o rei de Israel, vitorioso e incontestável. Depois de libertar dos opressores o povo eleito, estenderia seu domínio até às extremidades da terra. Com Ele, reinariam para sempre no mundo Israel, os santos, a lei.

Que acentos tais perspectivas infundiam nos profetas inspirados ou não, nos quais se exprimiam essas esperanças de um povo inteiro! Releia-se, por exemplo, o que o autor dos salmos já entrevê a respeito do Messias «Julgará os povos e as nações na sabedoria de sua justiça e terá os povos sob o seu jugo para o servi-lo (...). Tal é o nobre aspecto do rei de Israel, no desígnio de Deus, de elevá-lo sobre a casa de Israel para ser o seu restaurador» .

Este Reino prometido por Deus e anunciado pelos profetas sofreu várias interpretações ao longo da história de Israel. Os zelotas davam-lhe um sentido nacionalista; para outros tinha um significado apocalíptico com maior conteúdo espiritual e os fariseus faziam-no consistir numa religião das obras, reduzindo-o ao povo de Israel. Estas esperanças bíblicas numa perspectiva de poder temporal reflectem-se à volta da actividade de Jesus.

Jesus apresenta neste ambiente de esperança de salvação o anúncio do Reino. «A proximidade e o senhorio de Deus, mostra-se agora no amor, que se torna perdão, libertação e graça para todos os homens. Fala aos seus ouvintes numa linguagem familiar para que compreendam e vivam a sua mensagem» .

A própria amplitude desse papel de santidade e de triunfo levava os mais clarividentes profetas do Messias a abrir algumas perspectivas sobre a transcendência do seu personagem. Isaías reconhece nele a plenitude do Espírito de Deus (Is 11,2ss) daqui se percebe o seu agir caracterizado pneumatologicamente. E David concedia-lhe o título propriamente divino de Senhor (Sl 109,1). Mas, ainda nesse caso, a grandeza do personagem julgava-se essencialmente em função do seu papel colectivo. Quer exercesse as funções de legislador, juiz, de rei e até mesmo de sacerdote, é por demais evidente que, em tudo isso, Ele pertencia primeiro à colectividade e por ele se definia.

Com maior razão, na fazia pressentir que o Reino de Deus a ser por Ele inaugurado pudesse depender, de certa maneira, dum mistério íntimo de sua personalidade. Como se poderia imaginar que o mistério transcendente do ser interessasse interiormente à própria estrutura do Reino, quando este só era considerado de um ponto de vista completamente exterior?

«Se o Cristianismo se desenvolvesse na linha das concepções judaicas do Reino de Deus, apenas daria lugar a uma Cristologia rudimentar e a uma eclesiologia puramente judaica, muito afastada de qualquer doutrina análoga à do corpo místico» .



6.2. O Reino de Deus na pregação de Jesus

Compreendemos mal a emoção que se apoderou do povo quando, perto do Jordão, João filho de Zacarias começou a baptizar, profetizando com uma expressão de urgência: «Convertei-vos que já está próximo o Reino de Deus....» (Mt 3,1-2), e anunciando a aparição iminente daquele que baptizar no Espírito Santo e no fogo (Mt 3,11). O carácter messiânico dessa dupla mensagem, ninguém, mesmo entre os mais humildes, pôde enganar-se. Era inevitável que suscitasse viva emoção religiosa ao mesmo tempo que um despertar das aspirações de independência nacional. Tais sentimentos só podiam redobrar de intensidade quando Jesus mesmo, manifestado a João por uma teofania, e a multidão pelo testemunho de João, retomou, ressaltando-lhe a urgência, o tema do precursor: «Completou-se o tempo e está próximo o Reino de Deus; fazei penitência e crede na Boa Nova» (Mc 1,15).

A pregação de Jesus toma base principal com a pregação de João, mas com origem a noção de reino de Deus. Era, na alma de seus ouvintes, como que a pedra angular sobre a qual entendera construir. A esse Reino se referiu a maioria dos seus ensinamentos, enquanto sua graça se apoiou na sinceridade do desejo com que cada um suspirava, no coração, por essa vinda do Reino. Conhece-se o considerável número de parábolas que assim começam: «O Reino de Deus é semelhante a...etc.» .

Como dizíamos antes, entre os judeus, o Reino de Deus era uma concepção ao mesmo tempo religiosa e política, de tal modo que o domínio religioso da lei dependia, no espírito da maioria, do triunfo político da nação: tal dependência, o novo Messias a recusa desde o germe de sua missão. Em segundo lugar e por via de consequência, o Messias era esperado simultaneamente como arauto invencível da lei santa e rei vitorioso conduzindo sua nação ao domínio político do mundo: segunda confusão que Ele tratará de dissipar.

Toda a sequência das bem-aventuranças leva até ao paradoxo requerido. É aos mais desprovidos dos meios comuns do poder temporal que se promete a posse do Reino de Deus. doravante, há de início uma realeza, um reinado de Deus instaurado no âmago das almas. É até este ponto que Jesus pretende introduzir as suas exigências. É com esta profundeza que Ele quer estabelecer na terra o fundamento do Reino no qual se consumará a nova e a definitiva aliança. Entrementes, a obra de Deus entre os homens não mais estará ligada à sorte de uma lei exterior e colectiva. Não só os actos exteriores auriram seu verdadeiro valor da intenção profunda, das mais secretas opções de cada um, não só por elas se entrará desde este mundo no Reino de Deus, mas ainda assim é que se favorecerá o seu progresso entre os homens.

O Reino que Jesus vem inaugurar, será, de início, um reinado de Deus no íntimo das almas, e só a partir daí haverá de expandir-se em instituições exteriores. Por isso mesmo «Ensina o novo profeta que o Reino de Deus começa no recôndito dos corações “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” (Mt 5,3)» . O Reino de Deus não pode nascer na humanidade se não estiver impregnado das opções pessoais, morais e religiosas. Assim, o núcleo central da mensagem de Jesus é a instauração do Reino de Deus. Este Reino «É a constelação em que se situam as grandes realidades; é como que o campo magnético que determina as relações de Jesus para com Deus e para com os homens» .

Decerto, o Reino anunciado apresenta-se como vida porque «A salvação do Reino de Deus consiste em chegar a imperar no homem e pelo homem o amor de Deus que se auto-comunica. O amor manifesta-se como o sentido do ser. É só no amor que o mundo e o homem encontram a sua plenitude» .

Jesus fala do momento urgente, mas não força o homem, convida-o à conversão que exige uma mudança de conduta. A aceitação do Reino transformará o interior do homem. «O Reino de Deus tem um carácter soteriológico. Jesus convida a pôr a confiança em Deus e a ter coragem de confessá-Lo diante dos homens (Lc 12,7-10). Dá vista aos cegos, cura os leprosos (Mt 11,5-6) sinal de que a salvação chegou aos homens» .

Em Jesus desvenda-se esta mensagem perene da realização e actuação de Deus no presente para libertar o seu povo. Ele mostra aquilo que Deus está fazendo no presente pois Ele diz «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho» (Lc 7,22).

Jesus mostra que, n’Ele, veio e está entrando no mundo a nova era do mundo, o tempo da libertação, o Reino de Deus (Jo 4,21-26;14,6.9). Deste modo, Jesus mostra a libertação do povo dominado e desmascarado na sua totalidade pois é a ele que se destina o Reino de Deus.

O Evangelho de Jesus pede, em primeiro lugar, a fé que consiste em reconhecer que o Reino de Deus já chegou. Como diz Jesus, consiste em vê-lo onde Jesus o mostra. Os doutores da lei e fariseus nada viam, ao passo que os discípulos viam o seu florescer (Mt 8,1-10).

O Reino de Deus inicia-se com a chegada de Jesus e significa, de modo genérico, «O domínio de Deus sobre as suas criaturas, especialmente sobre os homens. É o restabelecimento do plano divino levado a cabo pela obra redentora de Jesus Cristo» .

O Reino de Deus era a expressão preferida pelos israelitas para expressar a espera e a esperança do povo de Deus. Por isso que «Jesus não está fora do Reino de Deus que proclama, pois o Reino de Deus vem por Ele e n’Ele» .

A caminhada de Jesus é a caminhada do Reino. A própria morte está inscrita na caminhada do Reino e serve ao Reino. Com a ressurreição, Jesus é estabelecido pelo Pai como autor do Reino, quem instaura ou traz o Reino de Deus a este mundo. Isto é-nos atestado também na seguinte afirmação «Jesus foi estabelecido como cabeça do seu povo: n’Ele e por Ele o povo recebe a libertação e se liberta e realiza o Reino de Deus» .

Em sua fase actual, o Reino de Deus é a presença activa do Espírito Santo. Assim, Jesus mostra o Espírito Santo que dele procede depois de sua ressurreição e constitui a nova vida, a nova humanidade, o novo homem. Por isso, o anúncio do Reino de Deus é também o anúncio de uma vida humana nova, de um novo modo de actuar do homem, ao qual os homens têm acesso se assim o quiserem.

Em síntese, quando o Senhor começou a trabalhar no Reino de Deus que vinha instaurar entre nós, esforçou-se primeiro por persuadir os seus de que a religião e a salvação radicam-se, antes de tudo, nas opções do coração e apenas secundariamente residem no âmbito das leis que regulam as manifestações, mesmo religiosas das colectividades humanas. Por outro lado, pode-se dizer que à luz de Lc 4,16-30, o Reino de Deus consiste em anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar aos cativos a libertação e aos cegos o recobro da vista, pôr em liberdade os oprimidos e proclamar um ano de graça ao Senhor.

O Reino de Deus, que Jesus inaugura não é uma teocracia qual a esperavam os judeus. a realeza universal e perfeita que Ele, o Filho de David, estabeleceu no mundo não continuará a que Samuel, não sem resistência aliás (1Sam 8,5ss), concedera ao povo judeu. Em qualquer tentativa de reconduzir às dimensões de uma causa política a perfeita realeza de Deus que Cristo veio inaugurar entre os homens cairá até o fim dos tempos sob o impacto das severas palavras que Ele dirigiu à mãe de Tiago e João ou a S. Pedro mesmo no Jardim das Oliveiras.

A partir de Jesus, está inaugurado o Reino, e é pela fé que nele se entra. E, da mesma maneira que um soberano conquista ou conserva o seu reino pela força das armas, será pela pregação da fé que Jesus estabelecerá o seu neste mundo. Quando declarar, após a ressurreição que doravante todo o poder lhe foi dado no céu e na terra, todo o exercício imediato que fará de tal poder será enviar seus apóstolos a pregar a todas as nações e convidá-las à fé, devendo sua salvação ou sua condenação seguir-se inevitavelmente à sua aceitação ou à sua recusa (Mt 28,18; Mc 16,15-16). Essa correlação entre o Reino de Deus e a fé é um dado evangélico por demais evidente para que haja necessidade de insistir sobre o mesmo.



7. JESUS, O PROFETA À LUZ DO NOVO TESTAMENTO

Desde o princípio deste trabalho temos vindo a destacar aspectos que ilustram Jesus, o profeta. Neste capítulo, pretendemos apresentar de modo mais singular os factos do Novo Testamento que evidenciam isso.

Várias são as passagens da Sagrada Escritura que nos atestam o quanto se pode falar de Jesus enquanto profeta. E, nos Evangelhos, Jesus designa-se a si próprio como um profeta com uma sorte idêntica à dos outros profetas «Não convém que o profeta morra fora de Jerusalém» (Cfr. Lc 13,33).

Jesus declara que nenhum profeta é honrado na sua terra (Mt 13,55-58).

Jesus, portanto, dá-se a si mesmo o título de profeta. Porém, as multidões também O aclamam como profeta: «Este é Jesus, o profeta de Nazaré na Galileia» (Mt 21,11).

Os chefes dos judeus procuravam matar Jesus, mas tinham receio, pois a multidão O considerava um profeta (Mt 21, 45-46).

Os discípulos de Emaús, após a morte do Senhor falam d’Ele como de um grande profeta «Tu és o único a ignorar o que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo?» (Lc 24, 18-19).

A samaritana falando com Jesus chama-lhe profeta «Senhor, vejo que és profeta» (Jo 4,19).

Ao ver as obras de Jesus, o povo interroga-se se Ele não é o Messias profeta à maneira de Moisés, tal como foi anunciado por Moisés em Dt 18,19.

Depois da multiplicação dos pães, o povo diz que Jesus é realmente o profeta anunciado «Este é realmente o profeta que devia vir ao mundo» (Jo 6, 14-15).

Entre a multidão de pessoas que escutavam o ensinamento de Jesus dizia-se «Ele é realmente o profeta». Outros diziam ainda «É o Messias» (Jo 7, 40-41). É curioso notar como João acentua que as pessoas diziam que Jesus era o profeta anunciado por Moisés.

No Evangelho de Lucas, Jesus reconhece que a unção profética anunciada por Isaías se referia à sua pessoa «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres (...)» (Lc 4,l6-21).

Jesus, como um profeta, proclama a vinda iminente do Reino de Deus, ensina como um doutor ou um sábio, cura os doentes, exorciza possessos como um homem que está investido do poder de Deus.

A opinião pública, na confissão de Pedro (Mc 8,28; Lc 9,19; Mt 16,14), é que Jesus era visto como João Baptista; para outros, era Elias; para outros ainda, um dos profetas de outrora que ressuscitou. Mas Pedro declara absolutamente «Tu é o Messias, o Filho de Deus vivo» (Mc 8,29).

Segundo a opinião mais corrente, Jesus foi um profeta não só aos olhos dos seus contemporâneos, mas também aos seus próprios olhos. De entre as categorias sócio-religiosas da Palestina de então, a de profeta parece ser, de facto, a que melhor corresponde globalmente ao seu perfil e à sua actuação . Por outro lado, nota-se que Jesus concebeu a sua actividade, palavras e acções, como sendo a instauração do Reino de Deus. Ora, Lc 4,16-30 ressalta que para Jesus, o Reino de Deus já é uma realidade no momento em que Ele fala. Este Reino consiste no anúncio da Boa Nova, na libertação dos cativos e dos oprimidos, etc.

Jesus é o Messias prometido nas profecias do Antigo Testamento (Cfr. Mc 14,61-62). O Evangelho de «Lucas sublinha a união profunda e misteriosa do Espírito Santo com o ministério profético de Jesus» .



8. APRECIAÇÃO CRÍTICA

Para compreender o mistério de Cristo é preciso fazermos uma tripla fusão destes três pontos, parcialmente antitéticos:

 A afirmação da humanidade de Jesus; A afirmação da sua divindade e a afirmação da unidade pessoal daquele que precisamente reúne em si próprio dois mundos tão diferentes e distantes. De forma sucinta pode-se apresentar o teor do Concílio de Calcedónia nos seguintes pontos de apoio:

Numa fórmula mais breve: duas naturezas completas e distintas, reunidas na única pessoa do Verbo. Ou seja, se queremos: «Um único e mesmo Jesus Cristo em duas naturezas que sem confusão nem separação se conjugam numa só pessoa e hipóstase» .

A fórmula consagrada desde há muito tempo é a da união hipostática, isto é, a união da natureza humana e da natureza divina na hipóstase ou pessoa preexiste do filho de Deus ou Verbo. Desta afirmação fundamental, depreende-se algumas consequências particulares:

1. Em Cristo dão-se duas espécies de operações (humana e divina);

2. Uma pessoa assume e uma natureza humana é assumida;

3. Duas vontades (a humana e a divina);

4. A comunicação de propriedades, isto é, uma mútua predicação dos atributos humanos e divinos (porque sendo única pessoa atribui-se ao homem o que é próprio de Deus e a de Deus o que é próprio do homem);

5. Uma única filiação;

6. O direito à adoração;

7. Um conhecimento humano-divino;

8. Uma actividade teândrica.

O valor da definição de Calcedónia está fora da discussão: nela encontram-se em unanimidade, todas as confissões cristãs. Estabelecendo o limite intransponível da ortodoxia, Calcedónia aponta para as condições indispensáveis da salvação. Se Jesus não fosse o Filho de Deus, não poderia comunicar aos homens a sua existência divina; se Jesus não fosse homem a sua entrega não poderia alcançar os homens; se Jesus não fosse inseparavelmente Deus e homem, não poderia reunir os dois mundos. A via mais fácil é ainda o respeito total pelo grande mistério. Mas é verdade que se trata mais de um padrão regulador do que de uma apresentação completa e dinâmica do mistério cristológico.

Se não fosse pelo homem Jesus, por seu comportamento histórico e sua reabilitação final, não saberíamos que o pecado não faz parte da natureza humana nem que Deus é inocente do sofrimento da humanidade. Duas coisas nada óbvias. Graças a Jesus Cristo conhecemos quem é Deus verdadeiramente, quem é o homem e qual é seu destino. Por meio do homem Jesus corrigimos a ideia de um “deus” abusador, justiceiro ou vingativo, e preservamos a humanidade dos que a oprimem. Porém, em definitiva, não basta crer em abstracto na identidade de natureza do ressuscitado connosco, também não basta conhecer sua extraordinária actuação terrena. É preciso tomar parte em sua identificação histórica com a humanidade caída, se identificando com a paixão de sua vida: sua missão de anunciar a misericórdia de Deus.

Dos traços sob os quais a tradição se acostumara a representar o Messias «A escola de Bultmann O nega e considera todos estes títulos como inserções posteriores nos Evangelhos realizadas pelo kerigma pós-pascal da Igreja primitiva» . É certo que as profecias do Antigo Testamento se compreendem melhor à luz da sua realização. A linguagem profética não tem a exactidão da matemática. Contudo, se examinarmos as várias correntes messiânicas do Antigo Testamento e compararmos a pintura que daí resulta com a vida e acções de Cristo, não há dúvidas que as antigas predições se referem a Jesus e ao Reino por Ele estabelecido. E uma vez que a realização destas profecias se comprovou historicamente na pessoa de Cristo, «Não somente cessaram todas as profecias em Israel, mas também se deu descontinuidade de sacrifícios logo que o verdadeiro cordeiro pascal foi sacrificado» .

Toda a expectativa que se aflorava no mundo israelita se encontra no seio do mundo gentílico. O que em primeiro lugar separa Cristo de todos os profetas é que Ele era esperado; os próprios gentios ansiavam por um libertador, ou redentor. O segundo distintivo foi que a sua aparição causou tal repercussão na história, que esta ficou, desde logo dividida em dois períodos: um antes e o outro depois da sua vinda. O terceiro facto que o põe à parte de todos os outros é o seguinte: «Todas as outras pessoas que vieram a este mundo, vieram para viver. Ele veio para morrer. Poucas das suas palavras e acções são inteligíveis se as não relacionarmos com a sua cruz» .

Diante da figura histórica de Jesus, da sua aparição, da sua obra, da sua mensagem, o historiador chega ao limite, no qual não existe mais explicação, e também no qual surge, pelo contrário, o mistério insondável. O povo vê n’Ele um profeta (Mc 8,28; Mt 21,46). Na sua entrada em Jerusalém, as fileiras populares O aclamam com grande euforia: «Eis o profeta de Nazaré da Galileia» (Mt 21,11). Jesus é profeta, contudo, nem todos são unânimes com esta ideia pois para Käsemann isto não explica completamente a sua obra. O profeta está sempre sob a autoridade de Moisés. Jesus, porém, coloca-se acima dele .

Os evangelistas transmitiram-nos a impressão que a personalidade de Jesus tinha produzido sobre aqueles que se aproximavam d’Ele. Referiram-nos as opiniões emitidas sobre a sua identidade e sobre a sua função. Até os discípulos de Emaús O admiram: «O que diz respeito a Jesus de Nazaré, que foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo» (Lc 24,19). Essa qualidade de profeta, porém, não representa tudo o que os contemporâneos de Jesus imaginavam da sua identidade (Cfr. Mc 8,27-28). Os discípulos estavam divididos sobre a sua identidade. Os seus contemporâneos, privados de toda a independência política, com uma lei que os separava de outros povos, pensaram que, finalmente, o profeta esperado tinha chegado.

Mas Jesus não é indiferente às divergências sobre a sua identidade. Pelo contrário, aceitou o juízo segundo o qual era profeta. Por isso, por várias vezes, afirma tomar lugar entre os profetas (Cfr. Mt 23,31). Na releitura de Lucas 4,18-21 vemos que Jesus aplicou a si mesmo a profecia de Isaías 61,1 evocando a consagração do profeta e descrevendo a sua missão. Vemos aqui que «Jesus reivindica para si mesmo o poder profético» .

Ora vejamos que a palavra e acção de Jesus, proféticas como são, revestem-se duma força messiânica. O povo espera d’Ele a transformação radical a que aspira. «Jesus que, como profeta, anuncia aos oprimidos a libertação, é obrigado ou a aceitar o papel que o povo lhe impõe e entrar, assim, na função dum Messias nacionalista, ou então frustrar o povo na sua expectativa e nas esperanças que a palavra d’Ele despertara» .

Porquê o povo devia ver n’Ele, o profeta? Tudo porque esta palavra (profeta) descrevia perfeitamente a maneira como Ele se apresentava ao povo: a mesma paixão pelo Reino de Deus, a mesma liberdade a respeito dos “poderosos” de momento, a mesma experiência da presença de Deus, a mesma inspiração pelo Espírito, a mesma “violência e força” para a causa dos oprimidos, como os antigos profetas de Israel. No entanto, não pode ser confundido como um dos profetas do Antigo Testamento que veio anunciar o fim dos tempos. Jesus de Nazaré apresenta-se-nos profundamente incarnado nas coordenadas de tempo e de espaço, sem, no entanto, o seu horizonte ficar por isso limitado. «O anúncio do Reino que Ele faz, a denúncia da injustiça, a sua oração ao Pai, dão-se nos limites estreitos da Palestina e no curto espaço de 36 anos» . Ele mostra que a soberania de Deus chega a todos os homens, mas não se impõe a ninguém. O Reino de Deus é um dom, uma graça que se oferece, e que se fosse imposto, perderia o sentido de gratuidade e opcionalidade. Jesus, por meio de uma imagem infantil, apresenta-nos a disposição que devemos ter para receber o Reino de Deus (Mc 10,5).

O Reino de Deus, depois da criaçao e da aliança, marca o advento dum tempo novo na história da humanidade: começam já os tempos escatológicos, os últimos tempos da salvação de todo o género humano. «Dizer que o Reino já está presente significa afirmar que a humanidade chegou aos últimos tempos; a sua plenitude, porém, realizar-se-á somente no último dia. Portanto, trata-se não só de escatologia futura ou já realizada, mas também de escatologia iniciada ou em vias de realização, isto é, de escatologia, do já-ainda-não» .

Que o Reino já começou depreende-se não só das afirmações de Jesus incluindo o anúncio inicial, mas também dos seus gestos salvadores. Jesus é amigo dos pecadores (a quem traz o anúncio e a realidade do perdão) e dos pobres. O Reino é pura gratuidade: o perdão precede a conversão e os pobres não têm nenhum direito a apresentar diante de Deus. Mesmo os milagres de Jesus são vistos a esta luz, isto é, são sinais da vinda do Reino. Um Reino ainda não completado (porque os males permanecem por enquanto), mas já iniciado na perspectiva do futuro. Um dia, o mal desaparecerá para sempre.

O Reino exige a conversão pessoal e a mudança nas relações humanas. Estes dois aspectos estão indissoluvelmente ligados entre si. Dê facto, o Reino não admite deixar as coisas como estão, como se o que acontece fosse unicamente a salvação na vida futura. Ele irrompe com força na história para a transformar de raiz. O amor, a solidariedade, a partilha, o perdão, a gratuidade, a novidade são os seus pressupostos e as suas leis. O sermão da montanha, tendo no centro a proclamação das bem-aventuranças, é a sua carta constitucional. A comunidade daqueles que aceitam a sua presença e condições deverá ser uma comunidade distinta, diferenciada, alternativa. Sendo assim, é evidente que Jesus teve consciência de ser o enviado de Deus, o anunciador e portador da salvação definitiva, o último revelador de Deus, o Messias esperado.

A função mediadora e profética que sublinhámos antes repousa sobre uma relação pessoal e imediata de contacto com Deus. Por isso, frisámos que a missão do profeta exige que ele seja intercessor de seu povo diante de Deus. E Jesus representa o Servo de Deus, a figura do mediador por excelência. A sua acção profética levou-O ao sacrifício salvífico da sua vida como efeito da sua obediência ao Pai Celeste e como expressão do seu amor abnegado à causa de toda humanidade. Cabe-nos, enfim, sublinhar que a vida profética de Jesus foi caracterizada por dois factores que se completam mutuamente: o seu anúncio era acompanhado com palavras actuantes e era existencial. Por este facto, a sua própria vida constituiu anúncio da iminência do Reino de Deus. É próprio do profeta bíblico ser perseguido até à morte. Basta pensar em Elias (1Rs 19,10.14), Jeremias (11,18) ou no Servo de Deus do Deutero-Isaías, em cuja figura se concentram não só a grandeza, mas também, toda a tragédia na vida do profeta; tragédia que, mesmo no seu aparente absurdo se torna fonte de bênção e de salvação para o próprio profeta e para o povo a ele confiado. Jesus se põe a si mesmo na longa série dos profetas perseguidos. De facto, Ele sabe que o seu destino é um destino profético (Cf. Mt 5,12; Lc 13,33).

No Novo Testamento encontramos um cumprimento superador de todo o Antigo Testamento. Isto acontece por meio da convergência ou concentração cristológica: na existência difásica (trifásica se tivermos em conta a sua preexistência) do único Jesus de Nazaré. Em Jesus estão reunidos todos os tipos mediadores aparentemente exclusivos entre: Ele é como Filho de David (Cristo), Sumo-sacerdote (Novo Templo), Servo de Deus (segundo Moisés), e Filho do homem (Palavra e Sabedoria de Deus) e ideal e total mediador régio, sacerdotal, profético e celestial da salvação em um só: o mediador por excelência. Ao mesmo tempo realiza e reúne os vários aspectos dispersos no Antigo Testamento. Nele e por Ele a salvação é tanto intra-histórica imanente como supra-histórica transcendente, já realizada no presente como ainda vindoura e esperada.

E assim, por essa concentração cristológica insuperavelmente ousada a aporia veterotestamentária está fundamentalmente superada e fundamentalmente superado, porque doravante excluído como impossível, é também o fracasso. Em Cristo, o mediador total, que a um tempo realiza e incorpora o verdadeiro Israel são novamente conforme o Novo Testamento, teocracia e mediação salvífica, Deus e Israel, Deus e o homem, de tal forma perfeitamente um, que para o futuro está excluída toda e qualquer forma de nova ruptura e separação. Não se trata pois de cumprimento de particularidades, a concentração condiciona que o particular seja elevado dentro dum contexto maior e mais alto, mas das estruturas básicas e das intenções fundamentais: estas estão cumpridas pelo facto de se ter cumprido pela superação do fracasso e da aporia, de modo definitivo e insuperável, a confirmação bíblica básica e a promessa básica: Emanuel - Deus connosco. Assim, através do Antigo Testamento eis que por seu cumprimento total (cf. Mt 5,17; Jo 19,30) o velho se tornou novo (cf. 2Cor 5,17; Ap 21,5) e transparente.



CONCLUSÃO

Depois de pesquisadas, reunidas e apresentadas as possíveis informações com relação à natureza de Jesus Cristo, chegou-se às seguintes conclusões: Jesus Cristo é uma única pessoa com duas naturezas: Nele estão unidas duas naturezas distintas e inconfundíveis (a natureza humana e a natureza divina).

A existência destas duas naturezas numa única pessoa (Jesus Cristo), leva-nos a aceitar, reconhecer e proclamar que de facto "Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem". Esta certeza é fruto de grandes Cristologias e grandes Concílios que basearam-se num estudo de baixo para cima (Cristologia de baixo), que procura compreender quem é Jesus de Nazaré, a partir dos dados históricos, e também num estudo de cima para baixo (Cristologia de cima), que procura compreender quem é Jesus Cristo, a partir do que Ele era antes, ou seja, a partir da revelação. Actualmente, a afirmação segundo a qual Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem não é tão questionada, embora nem todos concordem com ela. Seja como for, para nós cristãos católicos, a verdade é uma: Jesus Cristo é verdadeiro Homem, Jesus Cristo é verdadeiro Deus.

Ora, no âmbito judaico da época de Jesus existia uma grande expectativa messiânica com diversas orientações. «Alguns esperavam a aparição de um Messias Rei, descendente de David, com fortes acentos políticos e nacionalistas. Desta corrente participavam inclusive os próprios Apóstolos» . Outros acentuavam aspectos mais espirituais, baseando-se em diversos textos dos antigos profetas, considerando não tanto a figura do Messias quanto a intervenção providencial do próprio Deus. Mas Jesus não se situa exclusivamente em nenhuma destas correntes. Está acima de todas e, de algum modo, faz uma síntese superadora de todas elas, duma maneira nova e original, imprevisível. O messianismo de Jesus rompe os esquemas do messianismo judeu do seu tempo.

Ipso facto, «Profetizaram-se com abundância de detalhes os momentos culminantes da vida do Messias, a fim de tornar-se inconfundível com a mais rigorosa certeza que se possa imaginar a pessoa do Legado Divino» . Aliás, o próprio Mestre dá testemunho de si mesmo «Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna e elas são as que dão testemunho de mim» (Cfr. Jo 5,39). Ele dá origem à revolução mais radical jamais vista, que transforma a consciência humana e se constitui ponto de referência e de significado de toda a história.

Há em Jesus algo que ultrapassa todos os antigos profetas, a todos de maneira incomensurável. Esse algo é que Deus «Enviou o seu Filho (...) para que habitasse entre os homens e lhes contasse a intimidade de Deus» (Cfr. Jo 1,1-18). De facto, Jesus Cristo «Fala as palavras de Deus (Jo 3,34) e consuma a obra da salvação que o Pai lhe ordenou realizar. Ele conduz à plenitude toda a revelação» . Muitos se admiravam com a sabedoria de Jesus e exclamavam: «Como entende Ele de letras sem ter estudado? Jesus responde: “minha doutrina não é minha, mas d`Aquele que me enviou”» (Jo 7,14-16). Jesus fala de Deus, e sentimos por detrás das suas palavras o eco de uma grande paixão. Recolhe as vozes dos grandes profetas e eleva-as a uma altura muito amada. Ele levou completamente a sério o Absoluto de Deus, e até às últimas consequências. Por isso, «Jesus é um profeta deslumbrado pela potência infinita, a força e a santidade de Deus» .

O estudo do ofício profético de Jesus, no entanto, não nos deve induzir ao equívoco de pensar que Ele fora apenas mais um profeta. Para algumas religiões, Cristo não teria passado de mais um, entre muitos outros profetas. Não podemos esquecer que Ele é maior do que qualquer profeta. Em Heb 1,2 está escrito que Deus nos falou, no passado, pelos profetas, mas que, nos dias de Cristo, falou pelo Seu Filho. Essa filiação divina de Cristo revela Sua plena divindade. Por esse motivo, em relação ao baptismo, Ele ordena que esse seja feito, “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). João testemunha que Ele é o Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1-3). Tomé declarou, sem qualquer hesitação ou desculpa: “meu Deus e meu Senhor!” (Jo 20,28). Pedro, que vira a plena humanidade de Jesus, declarou ser, Ele, que se encontrava à destra de Deus, e que possui a prerrogativa para conceder o Espírito Santo (Act 2,33-36) e quem perdoa pecados (Act 5,31). Para Paulo, Ele é o grande Deus e nosso Salvador (Tt 2,13), em quem habita a plenitude da divindade (Cl 2,9), sendo, Ele, o Criador e Sustentador de todas as coisas (Cl 1,17). Por isso, pode ser invocado, em oração (1Cor 1,2; Act. 7,29), e associado tanto ao Pai quanto ao Espírito Santo (2Cor 13,14).

Jesus é o profeta de Deus, não só para Israel, mas para todas as nações da terra. Como profeta, Ele revelou e revela os propósitos e desígnios de Deus para a salvação e a santificação da humanidade. Contudo, não devemos pensar que Jesus fora apenas um profeta. Ele não apenas falou a Palavra de Deus, Ele é a Palavra, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade.



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ÍNDICE

Apresentação.............................................................................................................................1

Introdução.................................................................................................................................3



I PARTE: JESUS CRISTO VERDADEIRO HOMEM

1. A humanidade Jesus..............................................................................................................5

1.1. Natureza fisica de Jesus.....................................................................................................6

1.1.1 Defesa à humanidade de Jesus através dos concílios......................................................8

1.2. Natureza psicológica e intelectual.....................................................................................9

1.3. Como explicar a vontade e a liberdade de Jesus frente ao Pai........................................12

1.4. A misercordia de Jesus....................................................................................................13

1.5 As tentações de Jesus........................................................................................................15

1.6 Como interpretar a morte de cruz de Jesus.......................................................................16

1.7 Os títulos de Jesus.............................................................................................................17

1.7.1. Ecce Homo....................................................................................................................18

1.7.2. Messias..........................................................................................................................18

1.7.3. Profeta...........................................................................................................................18

1.7.4. Jesus Cristo...................................................................................................................18

1.7.5. Filho do Homem...........................................................................................................19

1.7.6. Segundo Adão...............................................................................................................20

1.7.7. Filho de Deus................................................................................................................20

1.7.8. Rei.................................................................................................................................21

1.7.9. Salvador........................................................................................................................21

1.7.10. Vivente........................................................................................................................22



II PARTE: JESUS CRISTO VERDADEIRO DEUS

1. Natureza divina de Jesus.....................................................................................................22

1.1 Vários testemunhos das Escrituras sobre a divindade de Jesus........................................25

1.1.1. No Evangelho de João..................................................................................................25

1.1.2 Nos escritos de Paulo.....................................................................................................25

1.1.3. Nas outras epístolas......................................................................................................25

a) Em Hebreus..........................................................................................................................25

b) Em João................................................................................................................................26

1.2. Fundamentos cristológicos sobre a Ressurreição...........................................................26

1.3. A pre-existência..............................................................................................................29

2. A união do humano e do divino em Jesus..........................................................................30



III PARTE: JESUS, O PROFETA

Quem dizem os homens que eu sou?......................................................................................31

1. Definição do termo profeta.................................................................................................32

a) De forma sucinta.................................................................................................................32

2. O papel de um profeta.........................................................................................................33

2.1 Os profetas são escolhidos e enviados por Deus..............................................................34

2.2. A função de Cristo, profeta..............................................................................................35

2.3 O ofício profético de Jesus................................................................................................36

3. As profecias messiânicas....................................................................................................37

3.1 Consumação das profecias................................................................................................37

3.2 As profecias de Jesus........................................................................................................38

4. O agir profético de Jesus………………………………...……………………………......38

4.1 Traços do profetismo de Jesus.........................................................................................38

5. Os actos proféticos de Jesus…………………………………...…………………….........40

5.1 Evidências textuais dos actos proféticos de Jesus............................................................41

6. Jesus, O profeta que inaugura o Reino de Deus.................................................................42

6.1 O Reino de Deus no Judaísmo.........................................................................................43

6.2 O Reino de Deus na pregação de Jesus.............................................................................45

7. Jesus, o profeta à luz do Novo Testamento........................................................................49

8. Apreciação crítica...............................................................................................................50

Conclusão................................................................................................................................56

Bibliografia.............................................................................................................................58

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