segunda-feira, 2 de maio de 2011

A EXPERIÊNCIA DE DUES NO POVO CHANGANA

                       
De um modo geral, nas culturas africanas há dificuldade para indicar as características que descrevem a existência de Deus e, a cultura changana não se distancia deste universo das culturas africanas.
                        Para os changanos, Deus é tão transcendente que se encontra também distante e até certo ponto parece inacessível ao povo. Este facto podemos associá-lo nas suas origens ao mito da literatura religiosa africana a respeito da transcendência divina:
“Na origem, Deus a abóbada celeste, estava tão próximo da terra que se lhe podia tocar com a mão e havia felicidade, paz e abundância, mas, um dia, uma mulher peul trazendo na cabeça um molho de lenha que tocara a abóbada, pediu a Deus com humor para elevar um pouco. Deus acedeu ao seu desejo subiu muito alto, desde então, deixou os homens entregues aos poderes inferiores, sem mais intervir na vida deles”[1].
                        Este mito, como nos diz Adriano Langa não é de origem changana, porém, ajuda-nos a interpretar a concepção changana em materia da transcendência divina. Podemos afirmar que Deus, na cultura changana, é entendido como algo que existe além do aspecto material, não visinhável com que não se pode relacionar directamente. Dai que para se fazer referência a Ele usa-se os seguintes termos ou atributos:
Xikwembo-termo mais autótone para designar Deus, e também refere-se a alma humana após a morte. Diferencia pela letra maiúscula para Deus e minúscula para a alma humana, plural e singular, Deus;
Nkulukumba. De origem zulo Nkulu-Nkulu, a raiz de termo é Nkulo que significa grande (tamanho e dignidade). Trata-se de reduplicação para designar o superlativo absoluto de tal maneira que deve-se traduzir o termo em Nkulu-Nkulu ou altíssimo, superior.
Muvangi, provem do verbo kuvanga, ou seja, é um nome ou adjectivo verbal e significa originar, fazer. O nome muvangi significa aquele que dá origem, que produz ou que faz; e.t.c. Como se pode deduzir o termo muvangi referido a Deus caracteriza-O pela sua qualidade de criador, mas não é exclusivo, pois aplica-se como gerador de acontecimentos da história.
Hosi[2], quer dizer rei, senhor, chefe. É o mais ambíguo e vulnerável na sua significação. Ele conota autoridade ou poder temporal. Reconhecendo-se a ambiguidade do termo e era o melhor para deduzir o termo ou conceito ocidental de senhor, aplicado a Deus.
Há uma pluralidade de nomes para designar Deus nas sociedades changanas, chopes, que justifica o carácter misto destas sociedades.
                        Ademais, na cultura tsonga, originária das culturas sul-moçambicanas, segundo Henri Junod, citando Viguet Deus é entendido como vukembo que significa a potência que cria a vida e causa a morte, que dá riqueza ou a pobreza.[3]
                        Se quisermos considerar estes nomes como atributos referentes a Deus, podemos extrair como notas características as seguintes:
                        Deus é um ser transcendente, singular e espiritual (em encontra posição aos seres físicos), Deus é um ser grandíssimo, altíssimo ou supremo,
Deus é concebido como rei, senhor e chefe, que tem autoridade ou poder temporal.

Deus Que Governa
                        Já entre os atributos encontramos a característica do governo ou de uma autoridade ou poder temporal que Ele goza. Pode se afirmar que a cultura changana tem a concepção de um Deus que é rei, senhor e chefe, porém a sua autoridade não é exercida directamente sobre os homens, embora existam actos que directamente vem dEle ao homem. Por exemplo: A criação da vida; é Deus quem dá a vida mas não é o mesmo que a tira, posto que toda a morte é culturalmente justificável.
                        A nota da transcendência divina é presente também no seu governo. Assim, no seu governo, os que mais ligados estão aos homens e atendem aos seus pedidos e súplicas são os “tinguluve” e os “swikwembo”.
“Tinguluve” é o plural de nguluve que significa antepassado familiar. Quer dizer que, trata-se de um homem já morto cuja sua acção de protector e atendimento às súplicas dos viventes é exercida a nível de familia a que pertenceu ainda em vida. Por exemplo: quando uma jovem não concebe recorre-se aos seus “tinguluve”, isto é, aos seus antepassados falmiliares mediante a consulta ao curandeiro que dando voz aos “tinguluve”, eles expressam o problema que existe na familia e dão a solução.
“Swikwembo” são os antepassados tribais, cuja acção protectora e de atendimento é exercida num nível tribal. Estes resolvem problemas tribais ou do clã. Por exemplo: Na falta de chuva, a tribo oferece sacrifícios invocando os “siwkwembo” e estes atendem a súplica.
                        Aqui, é importante notar que há um certo silêncio em relação ao nome de Deus. Deste silêncio deduzimos que os destinatários dos sacrifícios oferecidos são os “tinguluve” e os “swikwembo”, posto que são estes que são invocados durante o sacrifício. Neles não se faz menção, ao menos explícita a Deus.
                        Assim, podemos concluir que grande parte das acções do governo de Deus são levados a cabo pelos antepassados. Estes antepassados, segundo a crença estão, já, num “mundo”governado por Deus.


Mediação
                        Partindo do detalhado no capitulo anterior sobre o governo de Deus, podemos afirmar que há mediação, na cultura changana. Esta convicção parte da própria concepção de Deus como ser transcendente e distante.
                        A mediação é feita pelos “tinguluve” e pelos “swikwembo”, os quais são resultantes das almas de pessoas já mortas. A sua condição é a mesma que aquela que eles tinham sobre a terra: o homem permanece homem, a mulher permanece mulher, o rei permanece rei, o pobre continua pobre. Com efeito, ele (o morto) permanece entre os seus não somente pela sua recordação, mas pela sua presença real.[4]
                        Os intermediários são superiores e mais poderosos que os homens mas isto não significa que superior seja um deus. Porém, é verdade que a ideia é bastante abstracta e que os intermediários ocupam um lugar predominante.
                        Como já nos referimos, esta concepção leva muitas culturas a pecarem por excesso no acento sobre os “tinguluve”e os “swikwembo”, em detrimento do próprio Deus, uma vez que não conseguem a partir ou por meio destes chegarem a Deus, terminado assim neles, como seres absolutos de per si.

Função dos mediadores
                        O antepassado é o “anjo”, protector, o “deus” tutelar da sua familia: é ele quem tem o cargo de fazer frutificar o pomar, favorecer o aumento do rebanho, de tornar fecunda as esposas, de afastar de casa os fantasmas estrangeiras e hostis.[5]

Semelhanças com o monoteísmo israelita
                        Neste capitulo é necessário destacar a concepção da superioridade de Deus sobre o mundo que une a cultura changana e a israelita. Esta concepção da superioridade de Deus é proveniente da experiência divina de cada povo; porém, há diferenças de compreensão desta superioridade.
                        Para os israelitas, Deus é superior ao mundo e ainda próximo e presente na história do povo. Ele relaciona-se com o seu povo, de uma forma directa através da sua Palavra, Sabedoria e Espírito e, de uma forma indirecta através dos patriarcas, juízes, profetas e reis.
                        Já entre os changanos, Deus é superior ao mundo, porém transcendente e distante do povo. Não existe uma ideia do relacionamento directo senão através dos seus mediadores, os antepassados.
                        É difícil encontrar muitos elementos de semelhança senão a ideia de um Deus superior ao mundo, altíssimo, um Deus criador, responsável pela ordem cósmica, de um deus que dá a vida, rei e senhor.

A ideia de um Deus trino
                        Os changanas não têm a ideia de trindade, senão de Deus único, que se pode aproximar em linguagem humana, a expressão monárquica.


[1] LANGA, Adriano, Questões Cristãs à Religião Tradicional Africana, Moç., Ed. Franciscana, Braga, 1992, p. 140.
[2] Ibidem, p. 10-13.
[3] Cfr. JUNOD, Henri A., Usos e Custumes dos Bantu (Tomo II), Ed. Arquivo Histórico de Moç.3, Maputo, Dezembro de 1996, P.318
[4] Cfr.       P. 149.
[5] P. 150.

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