quinta-feira, 5 de maio de 2011

PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA A COMPREENSÃO DE MARX (1818 – 1883)

Obedecendo os procedimentos da lógica formal, para compreendermos algum fim ou chegarmos à conclusão temos de partir de um princípio ou das premissas maior e menor (no singular ou no plural). E, seja como for todo o filósofo ou pensador é filho do seu tempo ou dos seus predecessores.
Sendo assim, não podemos ler Marx a partir da geração de pensadores  ortodoxos de uma realidade dinâmica ou feita de dinamismo como é a sociedade, a política, a economia e até a própria natureza que mal gerida ou cuidada também se pode vingar, como temos estado a assistir, daí a máxima do actual sumo pontífice na sua mensagem por ocasião da jornada da paz de 2010: “se quer a paz respeita a natureza”.
Tornamos ao nosso raciocínio que para ler Marx não podemos partir dos marxistas até porque alguns deles interpretaram e compreenderam mal o profeta da mudança social e política da sociedade capitalista. Temos de partir sim de filósofos predecessores, do ambiente académico social, político e eclesial da idade média, da “revira volta” na idade moderna em muitos sectores do estar e viver da humanidade e ainda no momento filosófico mais imediato a este filósofo profeta de uma vida entre os homens e mulheres sem exploração, onde os direitos e deveres são um facto para todos.
Por isso, não vai admirar a ninguém quando nos últimos Capítulos e na conclusão propormos Marx como um autor a não dispensar também na reflexão teológica e pastoral, não só nos países do Leste, na África antes comunista, mas também nos conhecidos países de tradição evangélica mas descristianizados dado que o capitalismo com todas as suas estratégias se impôs como proposta mais possível na era das democracias, se bem que será sempre necessário retemperar o pensamento  de Marx com uma dose  doutrinal que, naturalmente, não dispensa a dimensão e a importância indispensável do sagrado, como nos podem fazer crer vozes e escritos de teólogos contemporâneos como o incontornável Joseph Ratzinger –  se quisermos abarcar com profundidade o pensamento sociopolítico, filosófico e teológico hodiernos: “Quem faz de Marx o filósofo da teologia aceita a primazia dos elementos políticos e económicos, que passam a ser as verdadeiras forças da salvação (e, quando mal empregados as forças da desgraça): nessa perspectiva, a salvação do ser humano é realizada pela política e pela economia, que determina a face do futuro.
A supremacia da praxis e da política significa sobretudo que Deus não é visto como prático. A realidade a ser considerada é somente a realidade material dos dados históricos, que precisa de ser compreendida e refundida com os recursos adequados, entre os quais era indispensável também a violência”[1]              
Nós acrescentamos violência evangélica que até pode ter como ponto de partida a figura de Jesus Cristo que expulsa os vendedores e campistas do templo do seu Pai e do seu povo.

1.      Pensadores  Antecedentes  a  Marx

1.1.            Proudhon (1809 – 1865) e o Valor do Trabalho Humano

Socialista francês é um  dos primeiros pensadores a lutar para que exista uma ciência da sociedade.
Na sua  obra “O  que é a Propriedade”  de 1840 estuda o fenómeno da propriedade sob todos os seus ângulos: históricos, jurídico, moral, filosófico,  económico, etc. e mostra os seus malefícios sobre a estrutura social; na sua visão revolucionária a propriedade é um roubo.
Na sua militância política professava princípios incontornáveis, irrevogáveis e ardorosos, tais como: “ou a igualdade ou a morte”; “não queremos vossa caridade, queremos a justiça”;  “o que eu quero é a destruição do  feudalismo e a organização da sociedade económica”.
As suas obras são uma manifestação clara e evidente da influência que exerceu sobre Marx. Assim, em 1846 escreveu a obra intitulada “A Filosofia da Miséria”,  contra a qual Marx mais  tarde, ou seja, em 1847 escreveu “A Miséria da Filosofia”.
Na sua última obra publicada postumamente dando o livro com título “Da Capacidade Política das Classes Operárias”, acredita que o proletariado só pode ser considerado como força política baseando-se em 3 condições ou critérios:
1-      Ter consciência da sua dignidade, do seu papel e do seu lugar na sociedade;
2-      Poder analisar e expor esse papel;
3-      Poder deduzir dessa análise um programa de acção política.
Marx antes de mais critica Proudhon porque acreditava que a organização da sociedade será o critério e terá equilíbrio graças a sociologia; acredita também que graças a sociologia haverá ordem da natureza e ordem política; acreditava também numa evolução espontânea entre a ordem da natureza com influências produtivas; ainda Marx o critica porque acreditava na correlação entre a República e esta deve ser uma anarquia positiva, não havendo mais Estado, mas apenas contratos sociais.
O trabalho humano é absolutizado como única fonte de valor económico de todas as coisas. O trabalho é definido como actividade sensível e consciente da matéria aqui radicada e que se relaciona com o valor que as coisas têm.
A questão do valor do trabalho é assunto antropológico, pois não diz apenas respeito ao que o homem produz, mas tem a ver com mais variáveis; tal questão está radicada no sentido mesmo do ser humano e sua actividade e produtividade.
As coisas não se medem por si mesmas; conta com grande peso a actividade humana que  constitui como que a medida do valor das coisas. É o que dizíamos acerca do antropocentrismo abstracto – o homem  torna-se a medida das coisas, numa espécie de idolatria do trabalho humano.
Proudhon fala da teoria  do valor  de uso e valor  ideal de compra, compra e venda; preocupados com o valor de uso e valor de troca (compra e venda), segundo a Economia Política de Ricardo e Adam Smith.
Valor de uso é a capacidade que os produtos têm de satisfazer as necessidades do homem  e mulher de hoje. Ao passo que, o valor de troca é a capacidade que os produtos têm de ser reconvertidos em possibilidades de serem vendidos ou trocados, um pelo outro. Os produtos podem ser naturais, industriais.
Marx   fala do valor de câmbio ou de troca ; a sua suplantação é que    no capitalismo que ao avaliar uma política  e que é necessário desposar-se de tudo que impede.
Entendemos esta preocupação e tendência humanista de Marx. Para Marx o preço não expressa a grandeza do valor que o produto tem.  O preço do produto não corresponde ao custo do trabalho social médio da mesma mercadoria. Por isso Marx fala da “incongruência quantitativa entre o preço e a magnitude ou grandeza do valor”[2].
Segundo a análise de Marx o que a Economia capitalista busca é promover o desequilíbrio entre o valor intrínseco das coisas e o seu valor de venda para se apropriar da mais valia ou o lucro. Segundo este crítico do capitalismo, tal modo de produção esconde a relação justa entre valor e trabalho e valor e objecto; isto tudo minimiza o valor do trabalho humano e de outros factores de produção; é neste sentido que o patrão pode remunerar o trabalhador abaixo do que este produz.
Na Misère de la Philosophie ( 1847) com as traduções retocadas depreende-se que Marx é contra Proudhon até na concepção sobre a divisão do trabalho; Proudhon é acusado de falta de uma mentalidade revolucionária[3].
Na visão de Marx a simples questão económica dos preços transpõe o respectivo âmbito epistemológico e toca até as dimensões das relações humanas dos homens e mulheres entre si, na procura da verdade das coisas.
O que está em jogo para Marx não é apenas a liberdade de fazer comércio, mas na relação entre os seres humanos entre si; e esta relação tem de ter em consideração necessariamente o modo de produção de todos os homens. Toda a acção humana está reduzida ao trabalho material da humanidade, confundindo os meios (de produção) com o fim da existência humana em si.
A produção como causa da existência humana e Proudhon confunde a liberdade com o livre arbítrio do indivíduo. Está, pois, em jogo a existência humana tendo em conta as suas faculdades e o seu génio transformador, sem confundir os meios com os fins.
A liberdade diante do BEM e na sua capacidade de possuir um bem arriscadamente, está diante da verdade em si mesma e da  dos bens materiais, a capacidade de as possuir e trabalhá-las e o modo correcto de se relacionar com os seus semelhantes e dar a comungar.
 

1.2.            Descartes (1596 – 1650) e o Valor do Conhecimento Humano

Com Descartes, a Filosofia marca uma reviravolta decisiva, recebendo uma colocação nova, substancialmente diferente da que tivera na idade antiga e na idade medieval.
Antes de Descartes a filosofia tinha uma orientação metafísica, a procura da última causa (do mundo, de Deus e do homem). Com  Descartes a filosofia recebe uma orientação crítica e gnosiológica: o valor do conhecimento humano.
Depois de 2000 anos de investigação concentrada não se chegou a um acordo definitivo sobre a natureza das coisas daí a mudança de perspectiva na pesquisa filosófica.
Houve motivos históricos  (concentração na história),  e também razões teóricas; começa aqui de algum modo uma orientação antropológica e histórica da pesquisa filosófica.
Marx desenvolve uma Epistemologia própria, com base numa visão materialista da realidade e com um fundo idealista e racionalista. Segundo Marx, o conhecimento humano começa com a experiência, as sensações e percepções do mundo material.
A percepção humana é uma interacção entre o sujeito e o objecto material. O objecto, ou seja, o mundo que nos rodeia transforma-se no processo de ser conhecido. A percepção humana não descobre a  verdade do mundo, apenas a sua aparência. O conhecimento humano é activo e reactivo, à semelhança da dialéctica.
O específico de Marx é sobretudo o seguinte: o conhecimento científico que se adquire permite ordenar o mundo impondo-lhe esquemas padronizados bem como manipular ou antecipar os desígnios da natureza, para Marx conhecer é saber transformar: “ Os filósofos, até hoje, limitaram-se a interpretar o mundo, mas a verdadeira tarefa é transformá-lo”[4].

1.3.            Hegel (1770 - 1831) e a visão Dialética da História

Hegel influenciou bastante o pensamento do  seu tempo e o desenvolvimento posterior da filosofia.
O pensamento de Hegel é extremamente complexo, desenvolveu-se segundo a tradição do idealismo alemão, uma ruptura com a filosofia Kantiana e parte dos grandes eventos como a revolução francesa e as guerras neopoleanas que marcaram  a época em que viveu Descartes.
A filosofia de Hegel parte da necessidade de analisar as etapas de formação da consciência, tanto em  seu sentido subjectivo como em seu sentido objectivo.
Hegel fala das etapas de formação e sustenta que quanto ao sentido subjectivo como ao sentido objectivo histórico e cultural está tudo ligado e representado pelo desenvolvimento do espírito. É na sua obra intitulada “A Fenomenologia do Espírito” de 1807 que  Hegel traça o percurso da consciência humana.
A filosofia hegeliana é dialéctica; dialéctica como concepção da realidade segundo a qual a contradição é a essência das coisas.
Segundo Hegel os grandes sistemas filosóficos do passado não devem ser vistos como um conflito em si, mas como antecipando, de alguma forma uma parcela da verdade sobre o ser e o real.  Hegel sustenta a ideia de história universal como um processo dialéctico: através do processo de ascensão, clímax e queda. O motor e acicate desse processo todo é a realização crescente da liberdade. Nisto nos parece que Hegel pretendia dar uma interpretação cristã da história através da sua filosofia da história, fundamentada no idealismo dialéctico.  O que Marx purificou  e foi  purificando; Marx economista ainda poderá continuar a purificar as estratégias e ideologias humanistas.
Para Marx o Capital constitui o eixo central de uma nova proposta que examinava a melhor utilização e rendimento da matéria prima, a sua transformação é redimensionar a utilização da matéria prima e que se imponham critérios de produção numa sociedade.
 A Filosofia de Hegel considerava o mundo e toda a história como um sistema vasto, universal e em constante evolução. Esta evolução é gerada pelo confronto entre opostos, progredindo de forma dialéctica.
Numa sequência tal que cada noção implica e gera a sua contradição: exemplo o ser (tese) implica o não – ser (antítese); os dois opostos unem-se e formam o devir (síntese). E, de modo sucessivo, a síntese torna-se numa outra tese que por sua vez cria a sua antítese  que com a sua respectiva tese geram uma nova síntese… por aí adiante e sem parar. 
É uma visão dinâmica e dialéctica da história e do mundo; vai até ao nível mais  elevado a que Hegel chamou de Espírito Absoluto – que constitui a totalidade de tudo o que existe.
Na sua Filosofia da história Hegel insiste na existência de uma relação  dialéctica entre o Estado e os seus cidadãos. Foi Hegel o primeiro que afirmou “ Deus está morto”  em 1827 antes de Nietzsche.  A ideia de Deus foi substituído pela ideia de “Espírito Absoluto”. É aqui  onde reside a sua espiritualidade e o seu carácter  religioso e conservadorismo repressivo  que Marx não acolheu.

1.4.            Feurbach (1804 - 1872) e crítica a Religião

Filósofo alemão humanista e moralista. Estudou, de princípio, Teologia, entretanto aos vinte e poucos anos abandonou o Curso de Teologia para estudar sob a tutela de Hegel.
Segundo Feuerbach o  cristianismo nada tinha a ver com a relação da humanidade com Deus. O Cristianismo, como as demais religiões, assentava, segundo este filósofo materialista e humanista, veladamente, na relação da humanidade com a sua própria natureza essencial e os seus anseios. A pretensão deste pensador é, efectivamente, a humanização da religião, ou seja, o tornar a religião mais motivo e acicate da promoção do homem e não o seu esquecimento ou ser diluído pela ideia de um Deus platónico e moralista.
Os atributos de Deus eram atributos projectados da própria humanidade. O nosso conhecimento de Deus era, na verdade, o conhecimento sobre nós próprios e a nossa natureza.
Entretanto, podemos dizer que a crítica religiosa de Feuerbach tinha motivos humanistas. A sua filosofia e o seu ateísmo tinha um fundo humanista embora materialista.
Marx aceitou o materialismo das ideias de Feuerbach mas criticou a sua falta de hegelianismo. As suas ideias eram boas tal como se apresentavam, mas pecavam por não estarem enquadradas numa perspectiva dialéctica e histórica.
A História, a sociedade, a própria humanidade (ou a  consciência de si própria sob a forma de Deus) não eram imutáveis. Todas elas  evoluíam. Desenvolviam-se dialecticamente: a ideia gerava a sua própria contradição, que resultava então numa síntese destas contradições.
Feuerbach é um crítico do cristianismo. Segundo ele o cristianismo nada tem a ver com a relação da humanidade com Deus. Esta religião, como todas as outras, assentava na relação da humanidade com a sua própria natureza essencial.
O carácter humanista da filosofia de Feuerbach é contra o idealismo de Hegel: o Espírito Absoluto, no processo de ganhar consciência de si mesmo representava, pura e simplesmente, a auto – consciência da humanidade – a consciência do homem, a compreensão da substância do seu ser.
Feuerbach, no sistema filosófico de Hegel, substitui o ideal e o espiritual pelo humano e materialista. Tais ideias embora não acolhidas na íntegra, tiveram e exerceram um impacto significativo sobre Marx.
Em Marx e pelo impacto do pensamento de Feuerbach encontramos uma crítica especial à Religião, uma religião que é obstáculo à promoção da própria pessoa humana dado que põe no esquecimento a sua própria realização e sublima a própria existência a favor das ideias religiosas, como se pode ler numa das suas obras – para ele o essencial seria promover a própria pessoa humana, custe o que custar: “ Ser radical é ir à raiz das questões. Mas para ser humano, a raiz da questão é o ser humano em si mesmo”[5].
Segundo Marx o homem basta-se e deve bastar-se a si mesmo. É contraproducente adiar a própria existência pela fé num ser Superior e Supremo, tal prática redunda na desumanização do próprio homem.
Ainda na mesma obra, Marx proclama a religião como ópio do povo, o bálsamo às feridas da humanidade sofredora e carente: “A religião é simultaneamente uma expressão de verdadeiro sofrimento e um protesto contra esse mesmo sofrimento. A religião é o espírito das criaturas oprimidas, é sentimento num mundo sem sentimentos, a alma da nossa condição sem alma, É o ópio do povo”[6].


[1] Cfr. RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. Pp. 9-10.
[2] K. MARX . El Capital Libro I apud Fondo de cultura Económica . 5ª ed. México, 1968 . p. 63
[3]K. MARX . Miseria de la Filosofia, pp. 60 – 62
[4]  Marx. Teses sobre Feuerbach
[5]  MARX. Para uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel
[6]  Ibidem.

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