terça-feira, 7 de junho de 2011

MARIA: GRAÇA E ESPERANÇA EM CRISTO

(Resumo da Declaração Comum da Comissão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC))
Estamos a fim de apresentar, neste trabalho, uma resenha concernente à declaração comum da Comissão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC), de 16 de Maio de 2005, sobre Maria: graça e esperança em Cristo. Essa declaração não apenas confirma o acordo sobre Maria Virgem e Mãe de Deus, mas também o embasamento dos dois dogmas pontifícios sobre a Imaculada Conceição (Pio IX, 8 de Dezembro de 1854) e sobre a Assunção (Pio XII, 1 de Novembro de 1950). Esse acordo deve ser inserido dentro do diálogo dramaticamente movimentado entre anglicanos e católicos.
Este documento testemunha uma consideração positiva e até uma devoção fervorosa por Maria. O acordo se alimenta “da Escritura e da Tradição comum que precede a Reforma e a Contra-Reforma” (século XVI). Escritura e Tradição são a constante do documento: “É impossível ser fiel à Escritura e não levar Maria a sério”. Seguindo o Evangelho de Lucas, a declaração conjunta diz: “A anunciação e a visita a Isabel sublinham que Maria é de maneira única a destinatária da eleição e da graça de Deus” (nº 1). O novo nome dado a Maria (em grego Kecharitoméne) implica “uma primordial santificação por parte da graça divina”. É um comentário notável, aberto à Imaculada Conceição. O documento se baseia constantemente na concepção virginal de Jesus expressa segundo Mateus e Lucas em termos muito diferentes, mas perfeitamente convergentes e ainda mais significativos. “A concepção virginal é um sinal da presença e da obra do Espírito. Para os fiéis cristãos, é um sinal eloquente da filiação divina de Cristo e da vida nova por meio do Espírito” (nº 18). Segundo o documento, portanto, a concepção virginal de Jesus é ao mesmo tempo um dado fundamental da Revelação e um sinal rico de consequências para a nossa vida, tal como foi desenvolvido pelos Padres da Igreja, para os quais a Mãe de Deus só podia ser virgem e só uma virgem podia ser Mãe de Deus.
O acordo com os anglicanos professa que Maria “permaneceu sempre virgem. Em sua reflexão a virgindade é entendida não apenas em termos de integridade física, mas como uma disposição interior de abertura, obediência e fidelidade unânime a Cristo, que modela o próprio seguimento cristão e produz uma riqueza de frutos espirituais” (nº 45). Essa é justamente a problemática, infelizmente incompreendida, dos Padres da Igreja. O acordo da ARCIC cita depois “o papel de Maria na redenção da humanidade. Ela, “nova Eva”, é associada a seu Filho na vitória sobre o antigo inimigo. A obediência da Virgem Maria abre caminho à salvação” (nº 36). Pode-se, portanto, ir muito longe com os anglicanos, se evitarmos o título, discutido também entre os católicos, de “co-redentora”. João XXIII pediu com discrição à Comissão Doutrinal do Concílio, que não usasse essa palavra. O acordo versa também sobre o lugar de Maria no culto. Lá se diz assim: “Depois (...) dos Concílios de Éfeso e de Calcedônia  estabeleceu-se gradualmente uma tradição de oração com Maria e de louvor a Maria. Desde o século IV, especialmente no Oriente, esta foi associada ao pedido de sua proteção”. O que continua em uso na Igreja Anglicana até hoje. No acordo se aceitam também “as festas em sua homenagem”. Admite-se também a legitimidade da festa da Conceição de Maria criada no Oriente no século VII e adotada nas ilhas britânicas desde o século XI. (nº 40)
No acordo se reconhece a intercessão de Maria e a “sua presença” na vida da Igreja; no texto se sublinha, com o Concílio Vaticano II, que Cristo é o único mediador e que Maria é mediadora apenas “em Cristo” (44), como escreveu João Paulo II, retomando a fórmula admitida antes do Concílio, em 1950, pelo luterano alemão Hans Asmulsen. No acordo se data a fé na intercessão de Maria a partir do Concílio de Éfeso (431) e cita-se a Ave Maria, cuja difusão é notada no século V, reconhecendo que “os reformadores ingleses criticaram essa invocação e outras semelhantes formas de oração, porque acreditavam que pusessem em discussão a única mediação de Jesus Cristo” (67). Sobre esse ponto, portanto, o acordo marca uma etapa positiva. Sublinha-se ainda que o Concílio Vaticano II endossou a prática ininterrupta dos fiéis que pedem a Maria que reze por eles, uma vez que “a função materna de Maria perante os homens de nenhum modo obscurece ou diminui essa única mediação de Cristo (Lumen gentium, 60)”.

O acordo sobre a Imaculada Conceição e sobre a Assunção de Maria
A coisa nova e notável é o acordo, limitado mas substancial e positivo, sobre as duas definições pontifícias sobre a Virgem Maria (1854 e 1950), tão contestadas não apenas pela Reforma, mas também pelos ortodoxos. No 150º aniversário da definição de Pio IX sobre a origem imaculada de Maria, o documento sublinha que Maria teve “necessidade de Jesus Cristo”. Um ponto que era essencial e fundamental para Pio IX, pois ele não definiu apenas a pureza original de Maria. Declarou também que Maria foi justamente resgatada para preservação. O documento reconhece também o fundamento da definição lacônica de Pio XII, pois este se preocupou em ater-se ao essencial. Não quis definir a morte de Maria, mas apenas que “foi assunta à glória celeste em corpo e alma”. Os anglicanos, pois, sendo que todos os cristãos são chamados à Ressurreição, nada impede que essa promessa seja realizada desde já para aquela que gerou corporalmente a Cristo ressuscitado. A fé formulada no acordo é para nós plenamente comum, com a seguinte diferença: o problema que essas duas definições põem aos anglicanos é que elas são para os católicos um dogma de fé. Os anglicanos acreditam de bom grado na mesma coisa como uma correcta interpretação da fé, mas não como uma obrigação imposta pela Revelação, porque essas duas doutrinas não estão explícitas na Escritura.
“Todavia”, continua a Declaração, “na compreensão católica, assim como se expressa nessas duas definições, a proclamação de um dado ensinamento como dogma comporta que o ensinamento em questão seja considerado ‘divinamente revelado’ e portanto algo em que todos os fiéis devem crer “firme e inviolavelmente”. Isso põe um problema aos anglicanos, como a outras confissões cristãs. Os anglicanos e os católicos concordam sobre o fato de que as doutrinas da Assunção e da imaculada conceição de Maria devem ser compreendidas à luz de uma verdade mais central, a da sua identidade de Theotokos, que por sua vez depende da fé na encarnação” (nº 51). Segundo o acordo católico-anglicano, temos integralmente a mesma fé a respeito da Virgem Maria, mas seria preciso que as verdades definidas depois da separação fossem apresentadas num contexto menos jurídico, conformemente às pontualizações do Vaticano II, mais atentas à unidade da fé e à hierarquia dos dogmas. Diante disso, os anglicanos deveriam aceitar que essas definições são uma legítima expressão da fé católica, e devem ser respeitadas como tais, ainda que entre eles formulações como essas não tenham sido utilizadas.
Em conclusão, os signatários do acordo pensam não ter apenas negociado uma conciliação ou uma reaproximação, mas ter “iluminado de maneira nova o lugar de Maria na economia da esperança e da graça”. Maria foi “marcada desde o início como a escolhida, chamada e cheia de graça por Deus, através do Espírito Santo, para a tarefa que a esperava” (nº 54). No ‘fiat’ livremente pronunciado por Maria: ‘Faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1,38) vemos “o fruto da sua preparação anterior, expressa na afirmação de Gabriel sobre ela como ‘cheia de graça’” (nº 55).

Sem comentários:

Enviar um comentário

Ensinamento bíblico sobre a santidade

Ensinamento bíblico sobre a santidade A ideia da santidade não é exclusiva da Bíblia judeu-cristã mas, também se encontra em diversas c...