terça-feira, 23 de agosto de 2011

A VIDA DOS PRESBÍTEROS

I-A VOCAÇÃO DOS PRESBÍTEROS À PERFEIÇÃO

União com Cristo, sacerdote santo
12. Pelo sacramento da Ordem, os presbíteros são configurados com Cristo sacerdote, como ministros da cabeça, para a construção e edificação do seu corpo, que é a Igreja, enquanto cooperadores da Ordem episcopal. Já pela consagração do Baptismo receberam com os restantes fiéis, o sinal e o dom de tão insigne vocação e graça para que, mesmo na fraqueza humana (1), possam e devam alcançar a perfeição, segundo a palavra do Senhor: «Sede, pois, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt. 5, 48). Estão, porém, obrigados por especial razão a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo, para poderem continuar pelos tempos fora a sua obra admirável, que restaurou com suprema eficácia a família de todos os homens (2). Fazendo todo o sacerdote, a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo, de igual forma é enriquecido de graça especial para que, servindo todo o Povo de Deus e a porção que lhe foi confiada, possa alcançar de maneira conveniente a perfeição d'Aquele de quem faz as vezes, e cure a fraqueza humana da carne a santidade d'Aquele que por nós se fez pontífice «santo, inocente, impoluto, separado dos pecadores» (Heb. 7,26).
Cristo, que o Pai santificou ou consagrou e enviou ao mundo (3), «entre a Si mesmo por nós, para nos remir de toda a iniquidade e adquirir um povo que Lhe fosse aceitável, zeloso do bem» (Tit. 2,14), e assim, pela sua Paixão, entrou na glória (4). De igual modo os presbíteros, consagrados pela unção do Espírito Santo e enviados por Cristo, mortificam em si mesmos as obras da carne e dedicam-se totalmente ao serviço dos homens, e assim, pela santidade de que foram enriquecidos em Cristo, podem caminhar até ao estado de varão perfeito(5).
Deste modo, exercendo o ministério do Espírito e da justiça, se forem dóceis ao Espírito de Cristo que os vivifica e guia, são robustecidos na vida espiritual. Pelos ritos sagrados de cada dia e por todo o seu ministério exercido em união com o Bispo e os outros sacerdotes, eles mesmos se dispõem à perfeição da própria vida. Por sua vez, a santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daquelas que, dóceis ao impulso e direcção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: «se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim, (Gál. 2,20).
Por isso, este sagrado Concílio, para atingir os seus fins pastorais de renovação interna da Igreja, difusão do Evangelho em todo o mundo e diálogo com os homens do nosso tempo, exorta veementemente todos os sacerdotes a que, empregando todos os meios recomendados pela Igreja (7), se esforcem por atingir cada vez maior santidade, pela qual se tornem instrumentos mais aptos para o serviço de todo o Povo de Deus.
A santidade no exercício do ministério
13. Os presbíteros atingirão a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigàvelmente no espírito de Cristo. Sendo eles os ministros da palavra, todos os dias lêem e ouvem a palavra do Senhor que devem ensinar aos outros. Esforçando-se por a receberem em si mesmos, cada vez se tornam mais perfeitos discípulos do Senhor, segundo a palavra do Apóstolo Paulo a Timóteo: «Medita estas coisas, permanece nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Atende a ti e à doutrina. Persevera nestas coisas. Fazendo isto, não só te salvas a ti, mas também aos que te ouvem (1 Tim. 4, 15-16). Investigando como mais convenientemente poderão dar aos outros aquilo que meditaram (8), mais profundamente saborearão «as insondáveis riquezas de Cristo» (Ef. 3,8) e a multiforme sabedoria de Deus (9). Tendo diante de si que é o Senhor quem abre os corações (10) e que a sublimidade não vem deles mas da virtude de Deus(11), na própria pregação unam-se mais intimamente com Cristo mestre e deixem-se levar pelo seu espírito. Assim unidos a Cristo, participarão da caridade de Deus, cujo mistério, escondido desde os séculos (12), foi revelado em Cristo.
Como ministros das coisas sagradas, é sobretudo no sacrifício da missa que os presbíteros dum modo especial fazem as vezes de Cristo, que se entregou como vítima para a santificação dos homens. Por isso, são convidados a imitar aquilo que tratam, enquanto, celebrando o mistério da morte do Senhor, procuram mortificar os seus membros de todos os seus vícios e concupiscências (13). No mistério do sacrifício eucarístico, em que os sacerdotes realizam a sua função principal, exerce-se continuamente a obra da nossa Redenção (14). Por isso, com instância se recomenda a sua celebração quotidiana, porque, mesmo que não possa ter a presença dos fiéis, é acto de Cristo e da Igreja (15). Assim, enquanto que os presbíteros se unem com a própria acção de Cristo sacerdote, oferecem-se todos os dias totalmente a Deus, e, alimentando-se do Corpo do Senhor, participam amorosamente na caridade d'Aquele que se dá como alimento aos fiéis. De igual modo, na administração dos sacramentos unem-se à intenção e caridade de Cristo, o que se dá especialmente quando se mostram sempre totalmente dispostos a administrar o sacramento da Penitência todas as vezes que os fiéis racionalmente o pedirem. Na recitação do ofício divino, emprestam à Igreja a sua voz, que persevera na oração, em nome de todo o género humano, unida a Cristo, «sempre vivo a interceder por nós» (Hebr. 7,25).
Conduzindo e apascentando o Povo de Deus, são incitados pela caridade do Bom Pastor a dar a sua vida pelas ovelhas (16), prontos para o supremo sacrifício, seguindo o exemplo daqueles sacerdotes que mesmo em nossos dias não recusaram entregar a sua vida. Sendo educadores na fé e tendo eles mesmos «firme confiança de entrar no santuário mediante o sangue de Cristo» (Heb. 10,19), aproximam-se de Deus «com coração sincero, na plenitude da fé» (Heb. 10,22); dão mostras duma esperança firme perante os fiéis (17), a fim de poderem consolar aqueles que se encontram na angústia, com aquela exortação com que eles são exortádos por Deus (18); chefes da comunidade, cultivam a ascese própria dos pastores de almas, renunciando às próprias comodidades, buscando não aquilo que lhes é útil a si, mas a muitos, para que se salvem (19), aperfeiçoando-se sempre cada vez mais no desempenho do seu múnus pastoral, dispostos a tentar novas vias, onde for necessário, guiados pelo Espírito de amor, que sopra onde quer (20).
Unidade de vida dos presbíteros em Cristo
14. No mundo de hoje, sendo tantos os deveres á cumprir e tão grande a diversidade de problemas em que se angustiam os homens, frequentìssimamente com urgência de solução, correm os mesmos homens o perigo de se dispersarem por muitas coisas. Também os presbíteros, implicados e dispersos por muitíssimas obrigações do seu ministério, podem perguntar, não sem ansiedade, como lhes será possível reduzir à unidade a sua vida interior com a sua acção exterior. Esta unidade de vida não pode ser construída com a mera ordenação externa do seu ministério nem apenas com a prática dos exercícios de piedade, por mais que isto concorra para ela. Mas poderão os presbíteros construí-Ia, seguindo, na prática do ministério, o exemplo de Cristo Nosso Senhor, cujo alimento era fazer a vontade d'Aquele que O enviou para realizar a sua obra (21).
Cristo, para continuar no mundo incessantemente a fazer a vontade do Pai mediante a Igreja, actua realmente pelos seus ministros, e assim permanece sempre o princípio e a fonte de unidade da sua vida. Portanto, os presbíteros alcançarão a unidade da sua vida, unindo-se a Cristo no conhecimento da vontade do Pai e no dom de si mesmos pelo rebanho que lhes foi confiado (22). Assim, fazendo as vezes do Bom Pastor, encontrarão no próprio exercício da caridade pastoral o vínculo da perfeição sacerdotal, que conduz à unidade de vida e acção. Esta caridade pastoral (23) flui sobretudo do sacrifício eucarístico, que permanece o centro e a raiz de toda a vida do presbítero, de tal maneira que aquilo que se realiza sobre a ara do sacrifício, isso mesmo procura realizar em si a alma sacerdotal. Isto, porém, só se pode obter, na medida em que, pela oração, os sacerdotes penetram cada vez mais profundamente no mistério de Cristo.
Para que possam realizar concretamente a unidade de vida, considerem todas as suas iniciativas, examinando qual será a vontade de Deus (24), ou seja, qual é a conformidade das iniciativas com as normas da missão evangélica da Igreja. A fidelidade para com Cristo não se pode separar da fidelidade para com a Igreja. Por isso, a caridade pastoral exige que os presbíteros, para que não corram em vão (25), trabalhem sempre em união com os Bispos e com os outros irmãos no sacerdócio. Procedendo assim, encontrarão os presbíteros a unidade da própria existência na unidade da missão da Igreja, e assim unir-se-ão com o Senhor, e por meio d'Ele com o Pai, no Espírito Santo, a fim de que possam encher-se de consolação e superabundar na alegria (26).

II -PECULIARES EXIGÊNCIAS ESPIRITUAIS NA VIDA DOS PRESBÍTEROS
Humildade e obediência
15. Entre as virtudes que sobretudo se requerem no ministério dos presbíteros, deve nomear-se aquela disposição de espírito pela qual estão sempre prontos não a procurar a própria vontade, mas a vontade d'Aquele que os enviou (27). A obra divina, para que o Espírito Santo os assumiu (28), transcende todas as forças e a sabedoria humana, pois «Deus escolheu o que há de fraco no mundo, para confundir os fortes» (l Cor. 1,27). Consciente, portanto, da própria fraqueza, o verdadeiro ministro de Cristo trabalha na humildade, examinando o que é agradável a Deus (29), e, como que assumido pelo Espírito (30), é conduzido pela vontade d'Aquele que quer que todos os homens se salvem. Pode descobrir esta vontade e realizá-la nas circunstâncias de cada dia, servindo humildemente aqueles que lhe foram confiados por Deus, na tarefa que lhe foi entregue e nos acontecimentos da sua vida.
O ministério sacerdotal, porém, sendo ministério da própria Igreja, só em comunhão hierárquica com todo o corpo se pode desempenhar. Portanto, a caridade pastoral instiga os presbíteros, agindo nesta comunhão entreguem a sua vontade por obediência ao serviço de Deus e dos seus irmãos, recebendo com espírito de fé e executando o que lhes é preceituado ou recomendado pelo Sumo Pontífice, pelo próprio Bispo e outros Superiores, entregando-se e «super-entregando-se» (31), de todo o coração, a qualquer cargo, ainda que humilde e pobre, que lhes seja confiado. Desta forma conservam a necessária unidade e estreitam-na com os seus irmãos no ministério, sobretudo com aqueles que o Senhor pôs como chefes visíveis da sua Igreja, e trabalham para a edificação do corpo de Cristo, que cresce ,,por toda a espécie de junturas que o alimentam» (32). Esta obediência, que leva a uma maior maturidade dos filhos de Deus, exige de sua natureza que, quando no desempenho do seu múnus, movidos pela caridade, tentem prudentemente novas vias para maior bem da Igreja, proponham confiadamente as suas iniciativas, manifestem solìcitamente as necessidades do seu rebanho, dispostos sempre a sujeitar-se ao juízo daqueles que exercem o múnus principal de reger a Igreja de Deus.
Com esta humildade e obediência responsável e voluntária, os presbíteros configuram-se com Cristo, experimentando em si os sentimentos de Cristo Jesus, que «se despojou de Si mesmo, tomando a forma de servo... feito obediente até à morte» (Fil. 2, 7-9), e por esta obediência venceu e remiu a desobediência de Adão, como afirma S. Paulo: «Pela desobediência dum só homem, constituiram-se muitos pecadores: assim pela obediência dum só, constituiram-se muitos justos» (Rom. 5,19).
O celibato sacerdotal
16. A continência perfeita e perpétua por amor do reino dos céus, recomendada por Cristo Senhor (33), generosamente aceite e louvàvelmente observada através dos séculos e mesmo em nossos dias por não poucos fiéis, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, especialmente na vida sacerdotal. É na verdade sinal e estímulo da caridade pastoral e fonte singular de fecundidade espiritual no mundo (34). De si, não é exigida pela própria natureza do sacerdócio, como se deixa ver pela prática da Igreja primitiva (35) e pela tradição das Igrejas orientais, onde, além daqueles que, com todos os Bispos, escolhem, pelo dom da graça, a observância do celibato, existem meritíssimos presbíteros casados. Recomendando o celibato eclesiástico, este sagrado Concílio de forma nenhuma deseja mudar a disciplina contrária, legìtimamente vigente nas Igrejas orientais, e exorta amorosamente a todos os que receberam o presbiterado já no matrimónio, a que, perseverando na sua santa vocação, continuem a dispensar generosa e plenamente a sua vida pelo rebanho que lhes foi confiado (36).
Todavia, o celibato harmoniza-se por muitos títulos com o sacerdócio. Na verdade, toda a missão sacerdotal se dedica totalmente ao serviço da humanidade nova, que Cristo, vencedor. da morte, suscita no mundo pelo seu Espírito e tem a sua origem, «não no sangue, nem na vontade da carne, nem na vontade do homem, mas em Deus» (Jo. l,13). Pela virgindade ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus (37), os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais fàcilmente com um coração indiviso (38), n'Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo. Deste modo, manifestam ainda aos homens que desejam dedicar-se indivisamente ao múnus que lhes foi confiado, isto é, de desposar os fiéis com um só esposo e apresentá-los como virgem casta a Cristo (39), evocando assim aquela misteriosa união fundada por Deus e que se há-de manifestar plenamente no futuro, em que a Igreja terá um único esposo, Cristo (40). Além disso, tornam-se sinal vivo do mundo futuro, já presente pela fé e pela caridade, em que os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento (41).
Por todas estas razões, fundadas no mistério de Cristo e na sua missão, o celibato, que a princípio era apenas recomendado aos sacerdotes, depois foi imposto por lei na Igreja latina a todos aqueles que deviam ser promovidos às Ordens sacras. Este sagrado Concílio aprova e confirma novamente esta legislação no que respeita àqueles que se destinam ao presbiterado, confiando no Espírito Santo que o dom do celibato, tão harmónico com o sacerdócio do Novo Testamento, será dado liberalmente pelo Pai, desde que aqueles que participam do sacerdócio de Cristo pelo sacramento da .Ordem, e toda a Igreja, humildemente e insistentemente o peçam. Exorta ainda este sagrado Concílio a todos os presbíteros que aceitaram livremente o santo celibato confiados na graça de Deus segundo o exemplo de Cristo, a que aderindo a ele de coração magnânimo e com toda a alma, e perseverando neste estado fielmente, reconheçam tão insigne dom, que lhes foi dado pelo Pai e tão claramente é exaltado pelo Senhor (42), tendo diante dos olhos os grandes mistérios que nele são significados e nele se realizam. Quanto mais, porém, a perfeita continência é tida por impossível por tantos homens no mundo de hoje, tanto mais humildemente e persistentemente peçam os presbíteros em união com a Igreja a graça da fidelidade, que nunca é negada aos que a suplicam, empregando ao mesmo tempo os auxílios sobrenaturais e naturais, que estão à mão de todos. Sobretudo não deixem de seguir as normas ascéticas, aprovadas pela experiência da Igreja e não menos necessárias no mundo de hoje. Por isso, este sagrado Concílio pede não sòmente aos sacerdotes, mas também a todos os fiéis, que tenham a peito este dom precioso do celibato sacerdotal e supliquem a Deus que o confira sempre abundantemente à Sua Igreja.
Pobreza voluntária
17. Em amigável e fraterno convívio entre si e com os outros homens, têm os presbíteros ocasião de aprender a cultivar os valores humanos e a estimar os bens criados como dons de Deus. Vivendo no mundo, saibam, porém, que, segundo a palavra do Senhor nosso mestre, não são do mundo (43), Usando, portanto, do mundo como se não usassem (44), chegarão àquela liberdade em que, desprendidos de todo o cuidado desordenado, se tornam dóceis em ouvir a voz de Deus na vida quotidiana. Esta atitude é de grande importância para os sacerdotes, porque a missão da Igreja realiza-se no meio do mundo e os bens criados são absolutamente necessários ao aperfeiçoamento pessoal do homem. Mostrem-se de ânimo agradecido por todos os bens que o Pai celeste lhes confia para levar uma vida santa. É necessário, porém, que julguem à luz da fé os bens que lhes advêm, para que sejam empregados segundo o recto uso que corresponde à vontade de Deus, e afastem de si tudo aquilo que for nocivo à sua missão.
Os sacerdotes, na verdade, porque o Senhor é a «sua parte e a sua herança» (Núm. 18,20), devem usar os bens materiais sòmente para aqueles fins a que, segundo a doutrina e ordenação da Igreja, é lícito destiná-los.
Os bens eclesiásticos pròpriamente ditos, segundo a sua mesma natureza, administrem-nos os sacerdotes, segundo as normas das leis eclesiásticas, utilizando, quanto for possível, o parecer de peritos leigos, e destinem-nos sempre segundo aqueles fins, para os quais é lícito à Igreja possuir bens temporais, isto é, para o o culto divino, honesta sustentação do clero, obras de apostolado e caridade, sobretudo para com os pobres (45). Os bens, porém, que adquirem para si, por ocasião de algum cargo eclesiástico, salvo o direito particular (46), empreguem-nos os presbíteros, da mesma maneira que os Bispos, primeiramente para a sua honesta sustentação e desempenho dos deveres próprios de seu estado; os que sobrarem, destinem-nos ao bem da Igreja ou obras de caridade. Desta forma, não tenham os cargos eclesiásticos para lucro, nem gastem os rendimentos deles provenientes em aumentar os beus próprios de família (47). Por isso, os sacerdotes, não apegando, de forma nenhuma, o coração às riquezas (48), evitem toda a cobiça e abstenham-se cuidadosamente de toda a sombra de comércio.
Antes são convidados a abraçar a pobreza voluntária, pela qual mais claramente se configuram com Cristo e se tornam mais aptos para o sagrado ministério. Na verdade, Cristo, sendo rico, fez-se pobre por amor de nós, para que nos tornássemos ricos da sua pobreza (49). Os Apóstolos, pelo seu próprio exemplo, testemunharam que deve ser dado de graça o que de graça receberam (50), sabendo viver na abundância e na penúria(51). Também algum uso comum das coisas, à maneira da comunhão de bens louvada na Igreja primitiva (52), prepara óptimo caminho para a caridade pastoral e, mediante tal forma de vida, podem os presbíteros louvàvelmente viver o espírito de pobreza recomendado por Cristo.
Guiados, pois, pelo Espírito do Senhor que ungiu o Salvador e O enviou a evangelizar os pobres (53), os presbíteros, assim como os Bispos, evitem tudo o que possa de algum modo afastar os pobres, fugindo, mais que os restantes discípulos de Cristo, a toda a sombra de vaidade nas suas coisas. Disponham a sua habitação de maneira que não se torne inacessível a ninguém, e que ninguém, por mais humilde que seja, tenha receio de se abeirar dela.

III - AUXÍLIOS PARA A VIDA DOS PRESBÍTEROS
Auxílios para promover a vida espiritual
18. Para favorecer a união com Cristo, em todas as circunstâncias da sua vida, os presbíteros dispõem, além do exercício consciente do seu ministério, de meios comuns e particulares, modernos e antigos, que o Espírito Santo nunca deixou de suscitar no Povo de Deus e que a Igreja, desejosa da santificação dos seus membros, recomenda e algumas vezes até preceitua (54). Entre todos os auxílios espirituais, sobressaem os actos pelos quais os fiéis se alimentam da palavra de Deus, na dupla mesa da Sagrada Escritura e da Eucaristia (55). De quanta importância seja a sua assídua frequência, para a própria santificação dos presbíteros, não há ninguém que o não veja.
 Os ministros da graça sacramental unem-se a Cristo Salvador e pastor pela frutuosa recepção dos sacramentos, especialmente pela frequente recepção do sacramento da penitência, que preparado pelo quotidiano exame de consciência, muito favorece a necessária conversão do coração ao amor do pai das misericórdias. A luz da fé, alimentada pela leitura da Sagrada Escritura, podem perscrutar atentamente os sinais da vontade de Deus e os impulsos da sua graça nos vários acontecimentos da vida, e assim tornarem-se cada vez mais dóceis à sua missão assumida no Espírito Santo. Maravilhoso exemplo desta docilidade encontram-no na bem-aventurada Virgem Maria, que guiada pelo Espírito Santo, se dedicou totalmente ao mistério da redenção dos homens (56), Ela, a quem os presbíteros devem amar e venerar com devoção e culto filial, como Mãe do sumo e eterno sacerdote, como rainha dos Apóstolos e auxílio do seu ministério.
Para desempenhar com fidelidade o seu ministério, tenham a peito o colóquio quotidiano com Cristo Senhor, na visita e culto pessoal à Sagrada Eucaristia; entreguem-se de bom grado ao retiro espiritual, e tenham em grande apreço a direcção espiritual. De variados modos, especialmente pela prática da oração mental e das demais formas de oração, que livremente escolhem, buscam os presbíteros e instantemente pedem a Deus aquele espírito de verdadeira adoração, com que eles, ao mesmo tempo que o povo a si confiado, se unem intimamente a Cristo, mediador do Novo Testamento, e, como filhos da adopção, podem clamar: «Abba, Pai» (Rom. 8,15).
Ciência sagrada e formação pastoral
19. No rito sagrado da ordenação, os presbíteros são admoestados pelo Bispo que «sejam amadurecidos na ciência» e que a sua doutrina seja «remédio espiritual para o Povo de Deus» (57). A ciência, porém, própria do ministro sagrado, deve ser sagrada, porque é tomada de uma fonte sagrada e se orienta a um fim sagrado. Primeiro que tudo, seja haurida na leitura e meditação da Sagrada Escritura (58), mas alimente-se também com fruto, dos estudos dos santos Padres e Doutores e ainda dos outros documentos da Tradição. Além disso, para dar resposta apropriada às questões agitadas pelos homens do nosso tempo, é necessário que os presbíteros conheçam bem os documentos do magistério eclesiástico, mas sobretudo dos Concílios e dos Sumos Pontífices, assim como devem ter à mão os melhores e mais aprovados escritores de teologia.
Visto que, no nosso tempo, a cultura humana e ainda as ciências sagradas progridem incessantemente, os presbíteros são forçados a aperfeiçoar, de modo conveniente e sem interrupção, os seus conhecimentos a respeito das coisas divinas e humanas, preparando-se assim, de maneira mais oportuna, para o diálogo com os seus contemporâneos.
Para os presbíteros mais fàcilmente se darem aos estudos e aprenderem do modo mais eficaz os métodos de evangelização e apostolado, com todo o cuidado sejam-lhes proporcionados os meios convenientes, como são a organização de cursos ou congressos, segundo as condições do território de cada um, a erecção de centros destinados a estudos pastorais, a constituição de bibliotecas e a conveniente orientação de estudos feita por pessoas competentes. Considerem os Bispos, por si ou em mútua colaboração, o modo mais oportuno de fazer com que todos os presbíteros, em tempos determinados, sobretudo nos primeiros anos depois da ordenação (59), possam frequentar algum curso em que lhes seja proporcionada a ocasião não só de adquirir um maior conhecimento dos métodos pastorais e da ciência teológica, mas também de robustecer a sua vida espiritual e comunicar com seus irmãos as experiências apostólicas (60). Com estes e seme. lhantes auxílios, sejam ajudados ainda os párocos novos e aqueles que são destinados a uma nova obra pastoral, ou que são enviados a outra diocese ou nação.
Finalmente, os Bispos terão cuidado de que alguns deles se dediquem a um conhecimento mais profundo das coisas divinas, para que nunca faltem mestres idóneos para a formação do clero, e os outros sacerdotes e fiéis sejam ajudados na aquisição da doutrina que lhes é necessária, e se favoreça assim um são progresso nas matérias sagradas, absolutamente necessário à Igreja.
Justa remuneração económica
20. Entregues ao serviço de Deus, pelo desempenho do cargo que lhes foi confiado, os presbíteros são merecedores da justa recompensa, visto que «o operário é digno do seu salário» (Lc. 10,7) (61) e «o Senhor ordenou àqueles que anunciam o Evangelho, que vivam do Evangelho» (1 Cor. 9,14). Por isso, onde não se tiver providenciado de outra maneira à justa remuneração dos presbíteros, os mesmos fiéis, em cujo benefício eles trabalham, têm verdadeira obrigação de procurar os meios necessários para que levem uma vida digna e honesta. Os Bispos, por sua vez, estão obrigados a advertir os fiéis desta obrigação e devem procurar, ou cada um na sua diocese, ou mais convenientemente vários, num território comum, que se estabeleçam normas, segundo as quais se proveja devidamente à honesta sustentação daqueles que desempenham ou desempenharam alguma função ao serviço do Povo de Deus. A remuneração, porém, a receber por cada um, tendo em conta a natureza do múnus e as circunstâncias dos tempos e dos lugares, seja fundamentalmente a mesma para todos aqueles qu se encontrem nas mesmas condições, e proporcional à sua situação, que lhes permita, além disso, não só prover devidamente à remuneração daqueles que se encontram ao seu serviço, mas também auxiliar por si mesmos de algum modo aos pobres, já que nos primeiros tempos a Igreja teve sempre em grande conta o serviço dos pobres. Esta remuneração deve, além disso, ser tal, que permita aos presbíteros, todos os anos, ter algum tempo de férias, justo e suficiente, que os Bispos devem fazer que lhes seja possível.
É necessário, todavia, dar a principal importância à missão que os ministros sagrados desempenham. Por isso, o chamado sistema beneficial seja abandonado ou, pelo menos, seja reformado de tal maneira que a parte beneficial ou o direito aos rendimentos anexos, se considere secundário, e se dê de direito o lugar de primazia ao próprio ofício eclesiástico, que, de futuro, se deve entender como qualquer múnus conferido estàvelmente a exercer com um fim espiritual.
Fundos comuns e previdência social
21. Tenha-se sempre em conta o exemplo dos fiéis da Igreja primitiva de Jerusalém, em que «todas as coisas eram comuns» (Act. 4,32), mas «repartiam-se cada um segundo a sua necessidade» Act. 4,35). Por isso, convém sumamente, pelo menos nas regiões em que a sustentação do clero depende totalmente ou em grande parte das dádivas dos fiéis, que alguma instituição diocesana reuna os bens oferecidos para este fim, administrada pelo Bispo, com a ajuda de sacerdotes para isso delegados, e, onde a utilidade o pedir, também por leigos, peritos em matéria de economia. É de desejar, além disso, quanto for possível, que, em cada diocese ou região, se constitua um fundo comum de bens, com que os Bispos possam satisfazer a outras obrigações para com as pessoas que servem a Igreja e ocorrer às necessidades da diocese, e com que possam ainda as dioceses mais ricas subsidiar as mais pobres, de tal maneira que a abundância de umas cubra a penúria das outras (62). Este fundo comum convém ser constiuído, primeiro que tudo, pelas ofertas dos fiéis, mas também provir de outras fontes, a determinar pelo direito.
Além disso, nas nações em que a previdência social em favor do clero não está ainda devidamente organizada, procurem as Conferências episcopais, tendo em conta as leis eclesiásticas e civis que haja ou instituições diocesanas, federadas entre si, ou instituições também organizadas simultâneamente para várias dioceses, ou ainda uma associação fundada para todo o território, pelas quais, sob a vigilância da Hierarquia, se proveja suficientemente tanto à previdência e assistência da saúde, como costuma dizer-se, como à devida sustentação dos presbíteros que se encontrem doentes, inválidos ou idosos. Os sacerdotes, porém, auxiliem a instituição, movidos pelo espírito de solidariedade para com seus irmãos, participando das suas tribulações (63), considerando, ao mesmo tempo, que desta forma, sem inquietação pela sorte futura, podem cultivar a pobreza com o espírito alegre do Evangelho e dar-se mais plenamente à salvação das almas. Procurem ainda aqueles a quem isso diz respeito, que as instituições do mesmo género, das diversas nações, se agrupem entre si, para conseguirem maior força e se dilatarem mais amplamente.

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