terça-feira, 25 de setembro de 2012

A ESPERANÇA DO MUNDO EM S. PAULO




Introdução

Nas breves linhas que apresentamos a seguir falaremos da visão, do apóstolo dos gentios, sobre “A esperança do mundo”: sua condição e destino conforme a sua época histórica. Esta abordagem será feita em três perspectivas: a primeira concernente à contextualização do seu pensamento, a segunda sobre as atrocidades do mundo e, por fim, a terceira sobre a esperança optimista do mundo liberto por Cristo. Apesar de Paulo ter denotado que “o mundo trazia, profundamente impressas, as marcas do fracasso e da imperfeição”, frisa também que o mundo não está “condenado eternamente a permanecer nesse estado” (cf. Rm 8,18). Portanto, esta reflexão tem como texto basilar a Carta do apóstolo aos Romanos, principalmente, Rm 8,18-25.

1. Contextualização

O apóstolo dos gentios viu o mundo dos homens em dois grupos opostos: a sua própria nação e a sociedade pagã, isto é, praticamente o império greco-romano. Nessa época, o império estava, a seu ver, efectivamente podre de vícios e injustiças. O seu quadro da moral pagã é sombrio mas na sua maior parte poderia ser corroborado com fontes pagãs. O seu sistema político visava a reclamação do direito e a superação da injustiça, e na sua medida tivera êxito.

O seu juízo, contudo, não era indiscriminado nem cego. Mesmo no pagão reconhecia um conhecimento natural de Deus, uma consciência que dava testemunho de uma lei “escrita no coração”, um conhecimento instintivo do bem e do mal. Paulo via uma perversão monstruosa do conjunto, portanto do mundo. Certa massa da humanidade, a progénite de Deus, tomara de algum modo um rumo errado tão decisivo que a cada passo mais se afastava de Deus. A luz que nela havia se mudara em escuridão; e Deus a abandonara às suas próprias paixões desenfreadas. Daqui se percebe a erupção de um pessimismo pungente na mente de Paulo mas que não se deixa derrotar pela realidade quanto antes se abre ao panorama da esperança.



2. As atrocidades do mundo

A primeira premissa básica constata, segundo Rm 8,18-25, que «O universo inteiro está gemendo e sofrendo as dores do parto. Está cheio de sofrimento e submetido à caducidade» (Rm 8,22), razão pela qual Dodd coloca esta visão de Paulo nos quadros do pessimismo oriental. Contudo, Paulo elucida que há no mundo uma ansiosa expectativa. Portanto, o universo espera com muita perseverança a libertação final da escravidão à futilidade e que dará um sentido às suas angústias.

A existência encontra-se neste paradoxo entre a tristeza e a abertura alegre à esperança, submetida à caducidade, mas salvo pela esperança; agora no parto, mas destinado à glória (Rm 8,20-21). É uma visão do mundo, em movimento e desenvolvimento, que muito bem se compactua com a perspectiva moderna. De facto, nós também sentimos hoje “a pungente realidade da dor e do fracasso”, parecendo que a existência humana é um absurdo e, que, todavia, se abre a uma graça libertadora que flui sem nos darmos conta disso.

A nossa realidade existencial mergulhada no crescente “materialismo prático” leva-nos à tentação de considerar que “o homem é parte da natureza”, ou seja, situá-lo longe da perspectiva histórico-transcendental aquela que nos conduz à esperança gloriosa da libertação final. Na maior parte a acção do homem sobre o mundo parece desarrazoada e de valor duvidoso. Deste modo, precisamos de conjugar relações justas e directas com Deus e com os homens nossos semelhantes. Aliás, «Paulo julgava que, de algum modo, o universo aguardava a intervenção do homem, para atingir, por seu intermédio, relações correctas e justas na esfera espiritual: “esperando pela revelação dos filhos de Deus” (Rm 8,19)». Como se pode ver, Paulo mostra que o mundo é tal e qual o vemos não por acidente mas devido à estruturação das relações humanas. É por isso que quando atacava o que estava errado na sociedade humana, acreditava firmemente estar atacando o problema do universo.

3. Esperança optimista do mundo

É nesse tom veemente que Paulo investe, na sua Carta aos Romanos, contra a corrupção do mundo pagão. Paulo se volta contra eles, com a acusação de que, com melhores conhecimentos, não haviam sido melhores (cf. Rm 2,1-11). Face à corrupção em que o mundo se encontra, Paulo ilustra que da parte do homem, uma confiança singela em Deus dá plena liberdade de acção ao desígnio divino. O desfecho da história do passado, como ele o via, pode ser posto nestes termos: no mundo pagão, há alguns indivíduos isolados que cumprem, até certo ponto, a vontade de Deus tal como lhes é revelada na consciência, mas incapazes de formarem uma comunidade verdadeira; os profetas haviam sempre previsto que essa idade seria sucedida por outra, em que a vida espontânea e livre do Espírito criaria uma sociedade de âmbito mundial ou reino de Deus.

Numa releitura da perícopa de Rm 8,18-25 à luz do acontecimento de Damasco chegámos a concluir que Paulo faz também uma avaliação sombria da vida humana tal como se nos apresenta, resgatada do pessimismo por uma formidável fé naquilo em que se pode transformar. Assim, quando passou a olhar o mundo com os olhos de Cristo, o seu interesse se transformou de condenação e desespero em esperança gloriosa e libertadora.

Com a ressurreição de Cristo, afirmava Paulo, deu-se início a novidade tão esperada. O herdeiro atingiu a idade adulta; a luz opaca de uma esperança sempre diferida cedera lugar à clara alvorada do dia. Tanto do seio de Israel como do seio do mundo pagão, Deus estava conclamando os seus filhos a uma verdadeira vida comunitária, mediante a qual o mundo haveria de salvar-se. É este o “arcano, por tantos séculos mantido em silêncio, mas agora manifestado” (Rm 16,25-26).

O drama histórico da morte e ressurreição de Cristo lançara clara luz sobre os ocultos desígnios de Deus, unindo os homens fiéis, de todas as nações e classes, em uma firme comunidade livre e poderosa para executar a vontade de Deus. Assim começara a nova era. Essa é uma crença fundamental de todos os cristãos primitivos. Sabiam que eram os novos habitantes de um novo mundo. Tinham plena certeza de que forças novas haviam entrado neles, e que o desígnio divino estava, mediante os seus esforços, abrindo caminho para atingir o mundo à larga. E embora soubessem que viviam numa crise histórica, com sofrimento, creram sustentados e animados por uma viva esperança à qual nada parecia bom demais para ser verdade. Essa esperança se vestiu de uma estranha representação apocalítpica. A princípio, certamente esperava que em breve Cristo haveria de voltar visivelmente, e conduzir o seu povo em uma agressiva campanha contra todo mal.


Conclusão

Para traçarmos pequenas linhas conclusivas, vimos que para Paulo o tempo em que vivia era o momento decisivo da história; marcado por desespero e ao mesmo instante aberto à esperança. Antes de Cristo, houve a desintegração da humanidade, e a gradual selecção do pequeno resto, investido da missão de levar adiante o plano de Deus. A partir da vinda de Cristo, regista-se a reintegração da raça, a inclusão de todos (sem acepção de pessoas), passo a passo, dos rejeitados e a obtenção da unidade final para tudo o que existe, na soberania levada à sua perfeição definitiva ou reino de Deus. Encontramos nestas breves linhas um desafio enorme como cristãos, num mundo cheio de atrocidades que levam a divisões; precisamos de empreender muito esforço confiando na poderosa força de Deus para que possamos “integrar todas as coisas em Cristo” (Cl 1,17-29). Na óptica de Paulo há um reino que se interrompeu na história, a humanidade submetida à caducidade, e um outro que se inaugura do qual todos os homens, judeus e gregos, têm o mesmo Senhor, “o Senhor dos vivos e dos mortos” (Rm 1,10-12). Assim, a graça da esperança abre-nos ao universal neste novo mundo que exige reciprocidade entre os crentes, portanto, uma atitude de alteridade e solidariedade.

BIBLIOGRAFIA
Charles Harold DODD, A mensagem de São Paulo para o homem de hoje, ed. Paulinas, São Paulo 1981, pp. 29-40.



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