quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O II ENCONTRO DE ÁFRICA COM O CRISTIANISMO (1500-1800)


CAPÍTULO I: PRETENSÕES AFRICANAS E RESPOSTAS EUROPEIAS
1.1. Etiópia e a conquista portuguesa
1.1.1. Contexto histórico-religioso
A Etiópia cuja existência se tinha convertido num mito, exerceu um papel importante no movimento missionário português. Nos seus esforços para descobrir o lendário Prestes João, os exploradores portugueses descobriram outros reis poderosos como o Mani congo no oeste e o monomotapa no Leste. Supunha-se que todo o interior de África se dividia entre estes três reis, de modo que quando o Preste João se tivesse unido a cristandade ocidental e o mani congo e o monomotapa se tivessem convertido à verdadeira fé, praticamente toda África, detrás das barreiras muçulmanas se converteriam ao cristianismo.
Isto parecia ter-se realizado em 1630, já que o rei etíope se uniu a Roma, os reis do Congo já mantinham um contacto amistoso com o cristianismo desde há 100 anos e o monomotapa, o Rei do Zimbabwe, abraçou a fé cristã. Também existia um reino cristão em Warri e em Mombaça. Infelizmente esta situação prometedora não durou muito tempo.

1.2. A Etiópia e a lenda sobre o Preste João
Durante este período houve inúmeras chamadas da parte africana pedindo o envio de missionários. Num ambiente de grande ignorância e confusão geográfica, surgiu a lenda do “Preste João das índias”, e duma chamada misteriosa que surgiu da Etiópia. A lenda falava dum poderoso rei cristão que era ao mesmo tempo sacerdote e rei e que dominava um grande império sito algures nas índias.
Parece que houve um duplo motivo para o desenvolvimento e aceitação dessa lenda: havia, por um lado, o título gian, que às vezes se atribuíam os reis etíopes. Por outro lado, a condição dos chefes da igreja que se atribuíam os reis da Etiópia, levou a pensar que verdadeiramente eram sacerdotes.
De facto, mensagens historicamente verificáveis começaram a sair da Etiópia apenas nos século XIV e XV, quando os imperadores salomônicos restauraram o poder. Estes tiveram o poder e a coragem suficiente para defender os cristãos do Egipto e da Palestina contra os muçulmanos. Foi através dos seus monges em Jerusalém que a Etiópia manteve o contacto com o resto da cristandade. Os reis etíopes sentiam a necessidade da união com os reis cristãos da Europa para defender-se do inimigo comum muçulmano.
1.3. As respostas da Européias
O homem que verdadeiramente tentou descobrir novas vias para a Índia foi dom Henrique também conhecido como Henrique o Navegante, filho do rei João I de Portugal (1394-1460). Ele também pode ser considerado como o pioneiro da evangelização da África sub-saariana. Depois de 12 tentativas falhadas em 1434 um barco de Henrique sob comando de Gil Eaneas, conseguiu ultrapassar o cabo Bojador (na costa do Saara na altura das ilhas canárias), que era conhecido como uma barreira infranqueável. Foi um acontecimento decisivo na navegação para terras até então conhecidas.
O papa desejava convidar o Preste João, o imperador da Etiópia a tomar parte na unidade da Igreja e na cruzada. Escreveu-lhe uma carta em 1438 e o abade do mosteiro etíope em Jerusalém mandou uma delegação de monges a Florença. A chegada desses monges foi par Dom Henrique um grande incentivo para procurar no Preste João, um aliado para a sua cruzada marítima.

1.4. As expedições: motivação e aprovação papal
A extraordinária empresa do príncipe Henrique mudou literalmente a face da terra. Parece que a intenção dele era de explorar as terras e o poderio do inimigo (o islão) e encontrar um aliado cristão para conseguir a vitória definitiva contra os infiéis invasores mouros. Este aliado cristão não podia ser o outro senão o Preste João, que apenas foi encontrado pelos portugueses apenas 60 anos depois da sua morte.
Outros motivos presentes desde o início mas que adquiram maior importância com o decorrer do tempo, foram o comércio e as missões. O rei João II (1481-1495) continuou a busca do Preste João com grande determinação, pois pretendia arrebatar aos árabes o comércio das especiarias, que saíam da Índia chegavam a Europa através do Egipto. Embora as missões ocupassem o segundo lugar, sempre fizeram parte das expedições e foram uma razão decisiva para a aprovação papal.

1.5. O império comercial português e as missões
O trabalho de Henrique deu origem ao império marítimo português através da conquista. A razão original da participação numa cruzada foi substituída mais tarde pela razão do comércio e da missão. Por causa da jurisdição eclesiástica exercida pelo rei, ambas as actividades estavam intimamente unidas. Esta união estreita entre o reino, o comércio e a missão, caracterizou toda a obra de evangelização durante séculos.
Dois factos fundamentais fortaleceram esta aliança entre império e missão. Ei-los: a linha de demarcação que dividia os territórios entre Portugal e Espanha para cada um evangelizar territórios de sua jurisdição e o padroado por meio do qual o rei tinha a responsabilidade de fundar e dotar as sedes episcopais, capelanias e conventos, e os missionários dispunham de transporte gratuito enquanto o clero secular recebia um ordenado. Por outro lado, o rei tinha o direito de apresentar candidatos para bispos, podia nomear vigários e capelães e recolher a décima.

1.6. A actividade missionária
No que tange à evangelização, Portugal apenas conseguiu cumprir a sua missão divina com êxito duradoiro nalgumas pequenas ilhas, como Arguim, Moçambique, Mombaça, Goa e Luanda. Desde 1532, um bispo começou a residir no porto de São Tiago (Cabo Verde) e sempre houve alguns africanos entre os seus sacerdotes. Agora toda população se considera cristã.
Os contactos dos portugueses com os chefes bantus foram amistosos mas escassos; as actividades missionárias foram tardias e exporádicas. Os missionários eram enviados de Goa e os sacerdotes goeses trabalharam na áfrica Oriental. Também desde Goa foi visitado o reino do Preste João.

1.7. O encontro da Etiópia com a Europa cristã
1.7.1. Os primeiros encontros
Os monges etíopes do mosteiro de Jerusalém participaram do Concílio de Florença em 1441. Parece certo que depois do Concílio o abade de Jerusalém mandou uma delegação levando os documentos ao chefe da sua Igreja.
O momento culminante das tentativas portuguesas foi alcançado com a expedição de Vasco da Gama que chegou a Índia em 1498, revelando aos europeus a geografia real das índias. Então apareceu claramente que a Etiópia, com o seu Preste João, estava separada da Índia por um oceano. Em Melinde (Quénia), Vasco da Gama confiou a dois a missão de avançar para o planalto da Etiópia através da Somália. Os dois fracassaram nesta tentativa. E quando os portugueses conheceram a verdadeira Índia, perderam todo interesse pelo Preste João.
Com a chegada da embaixada de Alvarez (1520-26), os portugueses ficaram impressionados com a religiosidade dos etíopes e consternados pela ignorância e a decadência do clero. As duas condições fundamentais exigidas ao clero eram: saber ler e ter apenas uma mulher.
Mas esta actividade conheceu a invasão dos muçulmanos. Entre 1531 e 1543 os planaltos de Amhara e Tigre caíram nas mãos dos turcos que saquearam e destruíram todos os símbolos da cultura (cristã) medieval etíope. A sobrevivência do cristianismo estava em perigo.
1.7.2. Tentativas de reunificação: a missão dos jesuítas
Esta tentativa começou com João Bermudez, que foi a Etiópia com o grupo da intervenção portuguesa. Mas, de facto, ele era um impostor que apenas pretendia o poder e honras religiosas.
Em resposta à petição do rei Galaudeus, Lisboa mandou a missão jesuíta, que durou de 1557-1632. Formavam parte da missão um patriarca e dois bispos auxiliares, mas o vice rei de Goa, conhecendo a versão do réu Galaudeus contra um patriarca latino, apenas consentiu que continuasse o bispo Oviedo com alguns sacerdotes. O encontro com os negus teve lugar de forma privada nas cortes. Os jesuítas eram gente instruída, mas o bispo etíope com o seu clero não estavam a altura para estabelecer um verdadeiro diálogo ecumênico, enquanto Galaudeus, um monarca Culto e profundamente religioso, mostrou-se digno do título de Preste João. Os Jesuítas tiveram interessantes e frutuosos encontros de trabalho (discussões teológicas) com o rei.
A expulsão dos jesuítas em 1632, constitui o fim de um século de contactos oficiais entre a Etiópia e o cristianismo ocidental e assinala o início de dois séculos de isolamento da igreja do Preste João, até a chegada da missão protestante em 1830, que iniciou uma outra etapa de relações com o cristianismo.

CAPÍTULO II: O CRISTIANISMO NOS REINOS DO CONGO, ANGOLA, MATAMBA E WARRI
2.1. O cristianismo no reino do Congo
Entre os reinos cristãos africanos, o Congo tinha uma tradição cristã desde o fim do século XV (1491) e continuou de alguma maneira, até meados do século XIX, isto é, até a chegada dos missionários da época moderna.

2.1.1. O Rei Afonso e o seu trabalho de cristianização
A história da cristianização começou quando, em 1482, chegaram os primeiros portugueses na embocadura do rio Zaire. Vinham do oceano, onde segundo a crença dos bakongo viviam os seus antepassados transformados em corpos de cor branca. Seriam estes homens brancos os mensageiros dos antepassados?
Apesar da desconfiança mútua entre portugueses e africanos, o primeiro encontro oficial, em 1488, teve efeitos positivos. Os 4 refens, levados a Portugal pelos portugueses, converteram-se, ao regresso aos país natal, nos primeiros evangelizadores do reino.
O Nzinga Nkuwu mandou outros jovens para que fossem instruídos e pediu missionários que chegaram em 1491. Estes encontraram o mani congo Soyo, o chefe (rei) da província costeira, e o mani congo preparados para receber o baptismo. Umas semanas depois da chegada dos missionários, o Rei Nzinga e o seu filho Afonso (Mvembbe Nzinga) foram baptizados a 3 de Maio de 1491. Daí o Congo passou a ser oficialmente cristão e permaneceu como tal durante vários séculos. O Congo pode ser chamado justamente “a filha maior da igreja na África negra” (Paulo VI).
A grande esperança de dom Afonso era poder ter o seu próprio clero congolês e a hierarquia. Para o efeito mandou vários grupos de jovens, seus parentes, a Lisboa, onde estudaram em várias casas religiosas. Formava parte do primeiro grupo (1506 ou 1508) o seu próprio filho dom Henrique. Em 1518, o Papa Leão X nomeou Henrique bispo, com o consentimento dos cardeais, mas não sem dificuldades.
O rei Afonso sentia um grande desejo de levar o progresso ao seu povo, e via na fé cristã uma oportunidade única para conseguí-lo. Em 1596 teve lugar um facto histórico importante: foi erigida a diocese de São Salvador, desligando assim o Congo da diocese de São Tomé, e acrescentando Angola à sua jurisdição.

2.1.2. A missão capuchinha (1645-1835)
Além da persistência infatigável dos reis congoleses, o êxito final desta missão deveu-se sobretudo às negociações diplomáticas de Mons. J. B. Vives e ao estabelecimento da Congregação de Propaganda Fide em 1622. O apostolado de 440 capuchinhos entre 1645 e 1835 foi a maior expedição missionária em África, antes do período moderno.
Os capuchinhos não se sentiam autorizados a erigir um seminário sem terem o seu próprio Bispo. Por causa disso, a formação do clero indígena foi descuidada, sendo esta a causa principal da desintegração do cristianismo no Congo. Houve algumas tentativas de estabelecer a hierarquia, mas todas fracassaram.
No entanto, os capuchinhos começaram a trabalhar com um zelo até então desconhecido nos 150 anos de presença cristã no Congo. Geralmente tiveram a protecção oficial da classe dirigente, embora muitos nobres não concordassem com as suas contínuas exigências de abandonar os fetiches e as concubinas.
A fatídica batalha de Ambuila, em 1665, marcou o fim das antigas glórias do reino do Congo e o início de um período de 40 anos de caos. A metade dos missionários retiraram-se para Angola e apenas uma dezena residiram regularmente no Congo durante os 80 anos seguintes. O golpe fatal para todas as missões de África produziu-se em 1759, quando Pombal, anticlerical e poderoso ministro de Portugal, suprimiu os jesuítas e proibiu os missionários de sair de Lisboa.
Para a gente comum o baptismo era o grande acontecimento. No seu modo de ver, era algo parecido com a medicina tradicional e altamente apreciado. Os sacramentos da penitência  e da eucaristia também eram celebrados frequentemente. Os cristãos da elite formavam associações piedosas que tinham as suas actividades específicas.
Os capuchinhos falharam na formação do clero indígena, embora sempre houvesse algum padre preparado pelos portugueses. O relacionamento entre os poucos sacerdotes locais e os capuchinhos não foi bom. Houve fricções entre ambos os grupos por questões de jurisdição, sobretudo em Luanda.
O cristianismo nunca conseguiu suplantar os costumes nem as religiões tradicionais a não ser de modo fragmentário e apenas entre as classes dirigentes os muisi congos. A religião tradicional tinha uma tríplice conexão com o “outro mundo”: os antepassados, os espíritos do céu e os espíritos da terra, ligados aos ritos de fertilidade. Cristo era entendido como um grande chefe, chamado Mfumu Kristu; a sua mãe era também uma chefe. A invocação da sua intercessão enquadrava-se na linha do culto aos antepassados.

2.2. O cristianismo em Angola, Matamba e Warri
Em 1570, 4 jesuítas foram a Angola mas não conseguiram bons resultados. A ocupação militar portuguesa de 1576 deteriorou as relações dos missionários brancos com as autoridades locais. A maior contribuição dos jesuítas àquela altura foi a criação de aldeias cristãs indígenas nos grandes territórios entregues a eles pelo governador.

2.2.1. Luanda
Em 1700 4 congregações religiosas tinham comunidades na cidade: jesuítas, capuchinhos, franciscanos e os carmelitas. Os escravos africanos e homens livres eram todos eram cristãos. E como aconteceu no Congo, os mais fervorosos eram os membros da confraternidade. A maioria dos sacerdotes locais eram mulatos.


2.2.2. Matamba
Dona Ana ficou tão impressionada pelo culto cristão que pediu e recebeu o baptismo em 1622. Depois voltou à religião tradicional durante 30 anos. Em 1656, os capuchinhos aceitaram a sua segunda conversão e foi seguida por um grande número de soldados. A esta altura ela fez todo possível para converter o seu reino num estado-missão.

2.2.3. Warri
Era um pequeno reino itsekeri de Warri, sito no vizinho reino de Benin. Em 1570 o rei de Warri convidou os missionários agostinianos de São Tomé e fez baptizar o príncipe herdeiro com o nome de Sebastião. Este instituiu procissões que continuaram até ao século XIX. Foi assim que começou a tradição católica dos reis de Warri e continuou com algumas interrupções até 1807.
Em suma, a história do cristianismo em Congo e Warri mostra alguns factos fundamentais: a presença da igreja estava ligada ao comércio português naquelas terras; o clero local não foi suficientemente desenvolvido; a religião tradicional ofereceu uma grande resistência a ser absolvida ou assimilada pelo cristianismo.

CAPÍTULO III: O CRISTIANISMO NO IMPÉRIO MONOMOTAPA
3.1. O império Monomotapa
Este império era o mais famoso de todos os reinos da África Oriental. As suas fabulosas riquezas fizeram dele o alvo dos exploradores e dos comerciantes portugueses, mas não era permitido aos estrangeiros estabelecer-se lá. A região tinha uma história cumprida e enigmática, sobretudo o grande Zimbabwe, com as suas ruínas de um antigo paço real.
O rei Monomotapa era de origem hima, tribo de pastores que tinham imigrado desde o Alto Nilo e o sul da Etiópia e que se impuseram como classe dominante sobre as tribos bantus que eram agricultores. O rei era divino: não era permitido olhar para ele, e apenas era permitido aproximar-se dele rastejando. Exercia como sumo sacerdote, trazendo a chuva e a fertilidade.

3.2. Os portuguesas na costa moçambicana
Sofala foi o primeiro lugar de interesse português devido a sua importância no comércio do ouro na África Oriental. Neste comércio não havia nenhuma indicação de evangelização, apesar de haver três sacerdotes em 1506.
Embora houvesse 2000 cristãos na Ilha de Moçambique em 1586 não havia sinais de nenhuma tentativa séria de evangelizar a terra firme adjacente.
3.3. A primeira conversão: o baptismo real
O rei Monomotapa foi baptizado aos 20 de Janeiro de 1560 com o nome de Sebastião por ser o dia do santo do rei em Portugal. Junto com monomotapa foram baptizados sua mãe, a irmã e todos os homens da corte assim como muitos subchefes cerca de 300 pessoas.
O Pe Gonçalo que Baptizou o rei era admirado por todos por causa da sua vida ascética. Mas foi acusado de bruxaria pelos muçulmanos e pelos curandeiros locais, condenado a morte e executado em 1561.

3.4. Missões posteriores sob os monomotapas cristãos
Em 1577, os padres dominicanos foram convidados a abrir um convento em Moçambique. Mais tarde abriram missões em Sofala, Sena e Tete. A tiveram uma intensa actividade missionária depois da reconversão dos comerciantes goeses e portugueses. Estima-se cerca de 20000 baptizados antes doa ano 1591, entre os quais havia muitos chefes.
O monomotapa Gatsi Rusere (1598-1625) permitiu gradualmente a entrada dos missionários no seu reino.

3.5. O colapso da missão e do império (1693-1835)
Em 1693 Changamire Dombo organizou uma expedição contra os Karanga. Monomotapa Nhakunimbiri aliou-se a ele. Foram destruídos todos os postos portugueses e as missões; dois dominicanos morreram juntamente com muitos portugueses goeses. O último monomotapa Chioko tentou recuperar o império, mas morreu no campo de batalha, em 1702. Isto foi o fim do sonho da realidade histórica do estado de Mutapa.
O declínio da missão e do império colonial português foi condicionado pelo sistema de prazos (grandes propriedades privadas de terra) e o comércio de escravos. Os missionários, sobretudo os jesuítas, também possuíam prazos, como base para construir aldeias cristãs, mas não conseguiram resultados duradoiros.
Gradualmente o cristianismo foi desaparecendo. Em 1837 morreu o último padre dominicano. Vinte anos depois Livingstone apenas encontrou ruínas de antigas missões ao longo do Zambeze. A procura das almas ligada à procura do ouro foi um desastre total.



CAPÍTULO IV: AS TENTATIVAS MISSIONÁRIAS NAS CIDADES-ESTADO DA ÁFRICA ORIENTAL
4.1. Os primeiros contactos cristãos
A chave para um adequado entendimento da era portuguesa na África Oriental é o facto de que os encontros entre portugueses e árabes, em ambos os lados do Oceano Índico, tiveram lugar no âmbito do espírito de cruzada e de jihad, ou seja, as guerras santas entre cristãos e muçulmanos. Por fim, e depois de muito tempo, os portugueses tinham atingido o objectivo de Henrique, o Navegador, de flanquear as terras muçulmanas, de modo que os cruzados pudessem atacar os inimigos a partir da retaguarda.
Os árabes, no lado oriental do continente africano, não eram, inicialmente, hostis, porque nunca tinham guerreado contra os cristãos, como tinham feito, durante séculos, os seus irmãos da África do norte. Todavia, reconheciam nos recém-vindos, não apenas infiéis, mas também perigosos competidores no âmbito do comércio e, assim, em breve responderam à letra ao espírito de cruzada dos portugueses.
O padroado português do Oriente foi o resultado do génio português dos séculos XV e XVI, criado pela conquista com base nas bulas de concessão da Santa Sé. Era um poderoso “império colonial” criado, organizado e administrado por Portugal com apenas 2 milhões de habitantes. Na conquista e no padroado ninguém mais tinha o direito de exercer o comércio ou de propagar a fé, além de portugal; os missionários que partiam para a missão tinham que passar por Lisboa, caso contrário, eram lobos que se infiltravam no redil de Cristo.
O conteúdo da obra missionária era a propagação da fé cristã e católica, de colorido lusitano embora tenha-se revestido de uma couraça de comércio de especiarias. Em Portugal, a obra missionária tinha carácter inteiramente nacional: com ela era transmitida também a cultura portuguesa. A religiosidade portuguesa nos tempos da conquista tinha um elevado perfil, mas já tendia fortemente para o formalismo e para o culto dos santos: comprazia-se nas manifestações exteriores da religião.
Por outro lado, a obra missionária na era dos descobrimentos não era assunto do povo cristão mas do Estado ou, melhor dizendo, da coroa. Fragilidades, insuficiências e múltiplas falhas são devidas mais à conta do Estado e da coroa do que aos missionários.

4.2. Os portugueses e as cidades-estado
As cidades-estado, por vezes, chamadas “O Império Zanj”, eram o grupo de cidades e postos comerciais, que outrora se estendiam de Mogadíscio até Sofala. No tempo dos portugueses este império estava praticamente restrito à faixa costeira que ia de Lamu a Quíloa. Cada uma destas cidades era governada por um sultão ou rei, exercendo o sultão de Quíloa uma certa suserania. Na época em que os portugueses chegaram, Quíloa estava a caminho da supremacia. A classe governante era árabe ou persa, mas a maioria da população era constituída por africanos puros, muitos deles escravos. Significativamente, a maior parte das cidades estava construída em ilhas não longe da costa, mas a sua actividade orientava-se toda para o Oceano Índico, mais do que para o continente africano.
Os primeiros missionários europeus que aterraram nestas cidades da zona oriental de África foram os portugueses que «trouxeram o evangelho no tempo em que o Cristianismo ocidental não estava dividido e deviam toda fidelidade ao Papa de Roma». Durante a exploração ao longo da costa africana os padres geralmente acompanharam a expedição. Eles serviam como capelães ao novo tráfico de colonização e como missionários para aproximar as populações africanas.
O contacto das cidades com as tribos do continente era raro e consistia mais em incursões armadas, do que em expedições destinadas a comerciar. O comércio entre as cidades era marítimo, e a maior parte das mercadorias era enviada para a Arábia ou para a Índia, sendo o ouro de Sofala a mais importante mercadoria transportada. Foi justamente a perda do comércio do ouro, em favor dos portugueses, que forçou Quíloa e, em menor grau, outras cidades, a voltarem-se para o continente em busca de negócios.
Por um lado, os portugueses nunca penetraram no território continental e, por isso mesmo, a actividade missionária ficou restringida às regiões islamizadas das cidades-estado. Podemos, assim, facilmente compreender porque é que essa missionação nunca foi além de algumas tentativas iniciais de evangelização. O primeiro encontro dos portugueses com as cidades-estado do Zanj não teve, como resultados, quaisquer hostilidades. Na realidade, os portugueses dependiam dos conhecimentos marítimos dos mercadores árabes, os únicos que tinham, alguma vez, navegado no Oceano Índico.

 4.2.1.Vasco da Gama em Melinde
Vasco da Gama, na sua procura do caminho mais curto para a Índia, em 1498, alegrou-se de ser bem recebido numa daquelas cidades, Melinde. O sultão de Melinde permitiu a Vasco da Gama a construção de um monólito, incluindo deste modo a costa africana dentro do campo da conquista portuguesa. A coluna que ainda existe é o primeiro sinal da presença de cristãos na África Oriental. Alguns anos mais tarde, construiu-se uma pequena capela em Melinde para o serviço dos residentes portugueses. A amizade entre o sultão de Melinde e os portugueses durou durante muito tempo.

4.2.2. A fortaleza e os escravos de Quíloa
Em 1500, dois anos depois de Vasco da Gama, um segundo navegante, chamado Pedro Alves Cabral, na sua viagem para a Índia, chegou a Quíloa. A bordo, tinha oito franciscanos, oito capelães e um vigário. Um franciscano pregou o evangelho, pela primeira vez conhecida na África Oriental, mas quer o chefe quer o povo recusaram a fé cristã e a amizade dos portugueses. Isto mostrou o fracasso da orientação real segundo a qual “os padres deveriam usar, primeiro a sua espada espiritual antes de pensarem em usar a espada secular. Mas, se os mouros e os pagãos não aceitassem a fé cristã e recusassem a paz e o comércio dos portugueses, Cabral deveria-lhes guerrear a ferro e fogo”.
Em 1502, Vasco da Gama, tendo ouvido em Sofala que o comércio do ouro, que provinha do interior, estava nas mãos dos mercadores de Quíloa, forçou o governante desse porto a reconhecer o rei de Portugal como seu suserano. No momento da partida, Gama descobriu que a sua tripulação tinha trazido, secretamente, para bordo, 200 mulheres suailis, que desejavam tornar-se cristãs. Depois enviou da Índia para Portugual as mais novas de entre elas. Estas mulheres banidas são os primeiros seres humanos da África Oriental convertidos ao Cristianismo de que há memória.
Para assegurar o controlo do comércio do ouro, foi enviado D. Francisco de Almeida para construir uma fortaleza em Quíloa, em 1505. No ano seguinte, foi referido que tinham sido convertidos e baptizados 40 escravos, embora contra a vontade dos seus senhores. Em 1513, a fortaleza foi desmantelada, porque os portugueses se tinham estabelecido firmemente em Sofala e tinham encontrado um caminho mais directo para a Índia, via Ilhas Comores.

4.2.3. A visita de São Francisco Xavier
Durante quase 100 anos, a costa da África Oriental pareceu ter sido esquecida. Só há um evento de certa importância na história: a visita de São Francisco Xavier a Melinde, por onde passou na sua viagem a Índia, em 1542.

4.3. O período missionário (1598-1631)
4.3.1. Os grandes centros da actividade missionária portuguesa
Em finais do século XVI, os comerciantes portugueses tinham-se estabelecido ao longo da costa oriental de África, mas não havia sacerdotes para o seu cuidado pastoral. De acordo com o sultão de Melinde, com o qual partilhavam o governo de Mombaça, os portugueses construíram a famosa fortaleza de Jesus nos anos de 1593-1595. Por seu turno em 1597, Francisco da Gama, neto de Vasco e vice-rei da Índia, depois de ter morado na costa de Quíloa, mandou alguns frades agostinianos para o cuidado dos fiéis. Estes frades mostraram um grande zelo missionário. O convento de Mombaça informou que havia 600 convertidos em 1598, e em três anos depois já tinham registado 1 200 baptismos, entre eles o de um chefe banto.
O trabalho missionário começou um pouco mais tarde em Zanzibar. Em 1612, havia em Zanzibar um padre agostiniano, que manteve boas relações com o sultão, e teve êxito no ministério entre os bantos. Apesar disso, fontes agostinianas chamam Zanzibar o “centro mais frutuoso da missionação”, mas o seu êxito estava confinado, somente, aos bantos.


4.4. O período dos conflitos (1631-1698)
4.4.1. A rebelião de Yusuf Bin Hassan e os mártires de Mombaça
Depois de receber uma formação cristã e de ser baptizado, Yusuf tornou-se contra os cristãos. Tendo conseguido o controlo da fortaleza de Mombaça, ele ofereceu uma única alternativa aos cristãos: o islão ou a morte. Entre os africanos, 72 homens e mulheres foram também mortos por permanecerem fiéis à sua fé. Outros 400 foram mandados como escravos à Arábia em troca de munições. Ainda outros esconderam-se ou fugiram e alguns abraçaram a religião do sultão. Assim, morreram, pela sua fé 300 pessoas, metade portuguesa e outra metade africana, que são conhecidas com o nome de Mártires de Mombaça.
Os mártires de Mombaça são testemunhas da fé profunda dos africanos. Depois da morte dos portugueses, já nada podiam temer da parte dos seus antigos donos, e podiam salvar as suas vidas obedecendo ao sultão. O facto de estarem dispostos a morrer pela sua fé mostra que, para eles, ser cristão significava muito mais do que ser amigos ou aliados dos portugueses.
Os padres agostinianos, 3 dos quais foram martirizados, quiseram canonizar os mártires de Mombaça. O processo de canonização foi iniciado em Goa e mandado a Roma. O testemunho jurado de três testemunhas, registado no documento, mostra claramente que todos os mártires poderiam ter salvado as suas vidas aceitando o islão mas não explica os motivos de Yusuf para os matar.
Depois de várias tentativas de implantar a jihad ao longo da costa oriental de África, Yusuf não teve ajuda e o seu projecto viu-se mergulhado no insucesso. Então, os portugueses apoderaram-se, facilmente, da costa, quando voltaram em Agosto de 1632. Yusuf tornou-se pirata, e assim permaneceu até à morte.
Importa salientar que a política árabe de jihad nunca tinha sido a de matar os cristãos, mas, somente, a de os submeter a um governo islâmico. A matança dos mártires de Mombaça pode, portanto, ser considerada «a abusiva violência de um só homem» (Freeman Grenville), foi a vingança de um convertido ao cristianismo que tinha sofrido dos seus irmãos cristãos do que podia suportar.
Não obstante, em 1988, os agostinianos retomaram o processo de canonização, tendo em mente a inocência subjectiva daqueles que tinham morrido. Esta inocência é particularmente evidente nos mártires africanos, que foram não só vítimas de Yusuf, mas que também já tinham sofrido com a suserania portuguesa.

4.5. O fim: a conquista pelo sultão de Oman
Os portugueses mantiveram o domínio da costa da África Oriental pela força bruta e as relações do povo com os portugueses pioraram até a conquista de Mombaça por uma frota de Oman.
O trabalho missionário foi prejudicado, durante uma geração, por uma série de rebeliões e repressões, até que uma frota, vinda de Oman, conquistou Mombaça e deu um golpe de morte a toda a actividade portuguesa na África Oriental. O forte de Jesus foi assediado durante 33 meses (13.3.1696-13.12.1698). A heróica defesa da guarnição, até ao último homem, foi o início do fim do domínio português na África Oriental. Infelizmente foi também o fim da actividade missionária portuguesa. Houve um breve retorno dos portugueses, em 1728, que apenas durou um ano e que não teve nenhum impacto missionário.

Conclusão
Analisando a actividade missionária portuguesa no segundo encontro de África com o cristianismo conclui-se que a intromissão de Portugal na esfera de soberania africana trouxe não pouco desassossego, pois em breve começaram as hostilidades entre cristãos e os nativos. Mormente entre cristãos e muçulmanos. A culpa estava principalmente do lado dos portugueses. A sua brutalidade e os seus ataques guerreiros tiveram como consequência lutas de defesa e revoltas populares. Assim, a intolerância religiosa deflagrou inntensamente. Por isso, é necessário procurar as causas.
Contudo, há muitos factos dignos de muita admiração e apreço, que têm de ser atribuídos igualmente quer aos heróicos missionários quer aos fiéis africanos. De facto, sem a contribuição dos missionários, teríamos um quadro muito mais negativo da presença europeia em África durante estes séculos.
Apesar das dificuldades encontradas pelos missionários no que concerne à navegação e ao clima, em relação às missões portuguesas três causas são principais e caracterizadoras do fracasso da evangelização: a falta de pessoal idóneo, isto é, o número reduzido e a fraca qualidade dos missionários; a muitos dos portugueses eram convictos desterrados e aventureiros sem escrúpulos que pouco tinham de cristãos; a dureza do clima e a alta mortalidade entre os brancos eram obstáculos insuperáveis para um trabalho contínuo e eficiente.
Segundo Schebesta, a conquista e o colonialismo baseavam-se na incompreensão do outro e na superioridade técnica. Ora, “enquanto não se tomam a sério pessoas estranhas, pensa-se que se tem o direito de se lhes dar assistência, quer dizer, de colonizá-las intelectualmente e espiritualmente”. E na óptica de Dom Blomjous “África tem o direito de uma fé verdadeira, tem o direito de tornar-se cristã e de Cristo. Mas, África também tem o direito de tornar-se cristã em seu próprio caminho como África com cristãos permanecendo totalmente africanos”. Assim, as imposições de fé registadas no instante das conquistas têm como repercução o dualismo religioso presente nos cristãos. Por um momento se dizem cristãos e por outro regressam às práticas da religião tradicional que lhes é originária e não imposta.
Na verdade, o que sucedeu na época histórica em análise revela o colapso havido entre o cristianismo e as pessoas a cristianizar. Nessa altura, a teologia exclusivista traduzia-se na condenação de todas as expressões culturais e religiosas que eram diferentes dos povos da cristandade. Tudo era condenado como superstição ou manifestação diabólica. Esta atitude provocava, naturalmente, resistências e, por vezes, violência. Por isso, na óptica de Schebesta, “só a inclusão da religião dos povos a missionar no plano da missão pode levar a uma cristianização autêntica. Querer eliminá-la é vandalismo e é sentido como violação”.


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