terça-feira, 25 de setembro de 2012

CARACTERÍSTICAS DA JUSTIÇA

Introdução


O caminho da Igreja é o homem, porque Cristo se uniu a cada homem. E cada homem merece tudo quanto condiz com a sua dignidade. Razão pela qual a justiça lhe aparece como condição obrigatória, determinante e da qual deve ser restituída ou compensada quando lhe é tirada. Por isso, este labor tenciona apresentar de forma sucinta o que constituem as características principais da justiça. Se quisermos ser mais concretos falaremos da Obrigatoriedade, Determinabilidade e Restituição-compensação. Esta última característica é o acto da justiça comutativa tal como ela se realiza sobretudo no conjunto de interesses contratuais da vida quotidiana.



1. OBRIGATORIEDADE

A justiça, como diz o Papa Bento VXI, obriga a «dar o seu a seu dono – ius suum unicuique tribuire» . Portanto, a justiça induz a dar ao outro o que é dele, o que lhe pertence em razão do seu ser e agir porque «A justiça é o primeiro caminho da caridade. Igualmente, ela exige o reconhecimento e o respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos» . E de acordo com o princípio da subsidiariedade «nem o Estado nem qualquer sociedade mais abrangente devem substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das pessoas e dos corpos intermédios» . Deste modo, cabe à esfera política construir na medida do possível uma ordem social justa e, por isso, fazer justiça aos povos.

A obrigatoriedade da justiça «nasce do direito natural, que obriga o legislador a promulgar leis postuladas pelo bem comum que exige obediência dos cidadãos às leis» . O direito natural contém as normas básicas, supremas, gerais, atemporais e sempre válidas, resultantes da natureza humana e, exactamente por isso, tão importantes para a ordem jurídica e a construção da justiça. Porque resulta da natureza humana, idêntica em todos os homens, o direito natural, isto é, a justiça obriga a todos. Característica própria da justiça é o predomínio da objectividade, pois ela é medida pela ordem objectiva representada pela coisa devida. Precisando mais, «o objectivo da justiça é o debitum. Em sentido estrito ou rigoroso é algo cujo cumprimento pode ser legalmente imposto e reclamado por alguém» . Ademais, é importante sublinharmos que a obrigatoriedade da justiça se realiza em três níveis :

a) Antropológico: porque o homem concretamente é «um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais, políticos e económicos» (cf. EN 31).

b) Teológico: porque «não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro abrangem as situações bem concretas da injustiça que há-de ser combatida e da justiça a ser restaurada» (EN 31).

c) Evangélico: porque «a libertação humana continua sendo um projecto simplesmente temporal com objectivos de uma perspectiva antropocêntrica, de bem-estar material e com actividades de ordem política ou social» (EN 32).



2. DETERMINABILIDADE

A justiça é algo que pressupõe o direito (ius suum). A razão profunda pela qual algo se deve ao homem como direito é a sua própria natureza humana, a sua condição de pessoa, ou, mais radicalmente, «o fundamento absoluto do direito e do dever determinabilista da justiça está na pessoa humana como criatura divina» . Portanto, aquela justiça que nasce de uma visão de fé, que se fundamenta no Evangelho, não é alheia à evangelização. Por isso a justiça é determinante porque:

 Não é alheia ao Evangelho que pertence a um dos seus conteúdos essenciais, a integração entre a vida humana pessoal e social com o Evangelho; bem como ela não é alheia devido ao vínculo antropológico: o homem que recebe o Evangelho quer viver na justiça;

 Não é alheia devido à redenção, porque esta chega até à injustiça que deve ser combatida e à justiça que deve ser restaurada; portanto, o amor não pode ser anunciado sem se promover a paz e a justiça. Enfim, a justiça não é alheia porque «todo o esforço que se fizer para realizar a justiça na sociedade humana inclui-se na libertação integral de Cristo que aperfeiçoa e supera o trabalho humano, suas metas e aspirações, dando-lhes um sentido integral e absoluto» . De facto, a justiça, Ela é determinante porque não pode ser ab-rogada nem modificada muito menos enfraquecida por privilégios e dispensas singulares, é inadiável.



3. RESTITUIÇÃO-COMPENSAÇÃO

Infelizmente, a nossa realidade não pode deixar de ter em conta o montante de injustiças causadas pela divisão do mundo em dois blocos ideológicos. Deste modo, Paulo VI aponta a exigência da justiça, como algo de intrínseco e unido à ideia de desenvolvimento . Deste modo, a sociologia cristã vê na justiça uma virtude, a saber, uma atitude moral «por força da qual, mercê de uma vontade firme e perseverante se atribui a cada qual o que é seu» . Quem pratica a justiça não procura o seu próprio direito, mas dá e deixa aos outros o que é deles. Por outro lado, a justiça supõe o direito, em primeiro lugar, o direito natural, do qual recebe o sentido e a eficácia. Daí se conclui que na justiça devem aflorar as três propriedades do direito: a polarização para o outro, o rigor do dever e de receber e a exacta proporção entre ambos. Onde faltar, mesmo que por imperfeição, uma destas qualidades, já não será mais a justiça responsável.

A justiça é caracterizada pela restituição-compensação porque ela é a grande organizadora da vida comunitária dos homens. Assim, onde os parceiros iguais se encontram no mesmo plano, o vigor à justiça comutativa, ou seja, que regula a relação dos indivíduos entre si, a sua transgressão cria um estado de injustiça que exige reparação externa. Pois estamos cientes que deve antes, ser actuado o critério de que existe realmente algo que pertence inalienavelmente a cada um, porque o homem, enquanto pessoa, foi criado por Deus. Aliás, como ilustra Kant «nós temos um governante santo, e o que de santo ele deu ao homem é direito do homem». Isto realça que pelo próprio facto da existência de alguém, algo lhe compete como seu. É significativo o facto de ter Tomás de Aquino, no seu tratado sobre a justiça, chamado meramente com o nome de “restituição” o acto de justiça comutativa. Quer-se dar claramente a entender que a situação de verdadeiro equilíbrio não se pode conseguir de uma vez por todas na comunidade humana, mas deverá ser realizada num processo indefinido de constante acomodação de uma ordem sempre turbada desde o início. Daí que tanto o amor quanto a justiça «Ambos são a irradiação do mesmo espírito de Deus, programa e garantia da dignidade do espírito humano» (Pio XII) .

Por outro lado, se nos ativermos ao acento que Paulo VI dá ao tema da justiça social como conteúdo da evangelização, o vemos incluído dentro de quatro conteúdos essenciais: o testemunho do amor do Pai, a realização da salvação em Jesus Cristo, o anúncio da vida futura e a interpelação da vida presente. A «interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social» exige que a evangelização leve consigo «uma mensagem explícita, adaptada às diversas situações e continuamente actualizada sobre os direitos e deveres de toda a pessoa humana e sobre a vida familiar (…), sobre a vida em comum na sociedade» (Evangelii Nuntiandi 29).



Conclusão

É chegada a hora de um breve balanço. Tudo indica que não nos é permitido omitir a justiça entre os humanos por imposição de sua própria natureza. De facto, como nos diz o Sínodo dos Bispos de 1971 «trabalhar pela justiça e participar na transformação do mundo, faz parte integrante do anúncio do evangelho, isto é, da missão da Igreja que trabalha pela redenção do género humano e libertação da opressão». Portanto, a defesa dos direitos fundamentais do homem, por parte da Igreja, é uma exigência da sua missão de justiça e de amor. Destarte, a obrigatoriedade, a determinabilidade e a restituição-compensação abordámo-las como “calcanhar de Aquiles” matriz que caracteriza a justiça social. Enfim, importa salientar que cabe à esfera política construir na medida do possível uma ordem social justa e, por isso, fazer justiça aos povos fundamentando a acção política nessas características.



BIBLIOGRAFIA

ANTONCICH Ricardo, José Miguel M. SANS, Ensino social da Igreja, Ed. Vozes, Lima 1986.

Bento XVI, Exort. Apost. Africae Munus, LEV, Vaticano 2011.

Bento XVI, Cart. Enc. Caritas in Veritate, LEV, Vaticano 2005.

Catecismo da Igreja Católica, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1993.

CHORÃO Mário Bigote, Justiça in Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Ed. Verbo, Lisboa/São Paulo, 1985.

HOEFFNER, J. C., Doutrina Social Cristã, Ed. Loyola, São Paulo 1986.

João Paulo II, Cart. Enc. Sollicitudo Rei Socialis, Ed. Paulistas, Lisboa 1987.

Paulo VI, Exort. Apost., Evangelii Nuntiandi, LEV, Vaticano 1967.

Tomás de Aquino, Summa Theol. II, q. 11, a 58, 1.

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