sábado, 20 de abril de 2013

A AFRICAE MUNUS NA IGREJA MOÇAMBICANA

O impacto da Africae Munus na Igreja Moçambicana. Orientações concretas da Africae Munus para as Igrejas Particulares em África

 POR PE EDUARDO CUMBA
Como é do nosso conhecimento, a Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus (O Compromisso da África) é um documento escrito por Bento XVI, partindo das 57 Proposições finais do II Sínodo Especial para a África, realizado em Roma, no mês de Outubro de 2009 e dedicado ao tema da reconciliação, justiça e paz, bastante actual para o nosso continente, olhando para o drama que vive hoje.

O documento pontifício consta de duas partes: começa por examinar as estruturas fundamentais da missão eclesial no continente, isto na primeira parte, tendo como objetivo chegar à reconciliação, à justiça e à paz, sobretudo através da evangelização; na segunda, são apresentados os campos de apostolado da Igreja, em particular nas áreas sociais da educação, da saúde e dos meios de comunicação social. O documento revela uma certa esperança, consciente do patrimônio intelectual, cultural e religioso do continente, e os actuais desafios que a África deve enfrentar.

Particular destaque está no facto de o Papa encorajar o continente a acolher Cristo, emancipando-se daquilo que paralisa e encontrando em si mesma as forças para relançar a própria vida e a própria história.


Transversalidade da Carta

Tratando-se de um documento que revela a solicitude pastoral do Sucessor de Pedro para com a Igreja que está em África, esta Exortação Apostólica não é um documento isolado, enquadra-se em relação com:

§  a Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in África, publicada em 1995, na sequência do I Sínodo especial para a África. Dela retoma sobretudo a ideia de Igreja, família deDeus;
§  a Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, publicada em 2010, na sequência do Sínodo geral sobre a Palavra de Deus. Dela retoma a importância do apostolado bíblico;
§  os Lineamenta para o Sínodo geral sobre a Nova Evangelização que terá lugar em 2012, reforçando o dinamismo eclesial da Igreja africana, dando-lhe também indicações do programa pastoral para as próximas décadas da evangelização.


Impacto da Africae Munus na Igreja Moçambicana


Atendendo e considerando que “a África precisa de ouvir a voz de Cristo, que proclama o amor pelo outro, até mesmo o inimigo (AM 13), a Exortação Apostólica convida à reconciliação com Deus e com o próximo, via necessária para a paz.

O Santo Padre, sublinha a importância da purificação interior do homem, a oferta e o acolhimento do perdão, que permitem reencontrar a harmonia entre as famílias desavindas devido a factores diversos. Na ópitica do Papa, o perdão e a purificação da memória, não exclue porém, a necessidade de identificar os responsáveis de vários males sociais que apoquentam o nosso país, para serem responsabilizados, evitando a repetição dos seus delitos que enfraquecem a construção de uma sociedade sadia.

O Papa reitera ainda que, embora a construção de uma ordem social justa seja da competência do campo político, a Igreja tem porém o dever de formar as consciências dos homens e das mulheres, educando-os na justiça divina, esta, deve ser  fundada no amor, e chega até ao dom de si pelos irmãos e vai para além daquele mínimo que a justiça humana exige. Portanto, há que ousar o Evangelho, vivendo o extraordinário no ordinário do cotidiano.

Viver a justiça de Cristo, significa, então, empenhar-se em promover o bem comum, opondo-se a todas as formas de usurpação dos bens em detrimento de inteiras populações - facto definido como inaceitável e imoral (AM 24). Este é um grande perigo para o nosso país, num período em que há grandes descobertas de recusos naturais, o risco da expropriação de vastas terras, património comum é enorme. Há que tomar medidas urgentes para a protecção dos pobres, tendo presente o princípio de subsidiariedade, solidariedade e caridade, na lógica das Bem-aventuranças.

Além da atenção preferencial ao pobre, ao faminto, ao doente, ao prisioneiro, ao migrante, ao refugiado ou ao desalojado” (AM 27), a Igreja deve contribuir para formar uma nova África, fazendo-se eco “do silencioso grito dos inocentes perseguidos ou do povo cujos governantes hipotecam o presente e o futuro, em nome de interesses pessoais” (AM 30).

Mas quais os campos de acção para concretizar tudo isto?
§  Antes de mais, a Exortação Apostólica indica a catequese, não só estudada, mas também vivida na vida pessoal, familiar e social;
§  o discernimento aprofundado dos ritos tradicionais locais que são uma realidade nalgumas dioceses, embora realizados de forma tímida sem o devido acompanhamento por parte dos pastores da igreja. Há necessidade de se salientar os aspectos que prendem com a reconciliação, sublinhando os aspetos que favorecem ou dificultam a inculturação do Evangelho que ainda constitui um grande desafio, na medida em que o caminho por percorrer ainda é bastante longo.  
§  a promoção de uma nova fraternidade contraposta ao tribalismo, ao racismo e ao etnocentrismo é outro desafio para a nossa Igreja, pois esta realidade está patente em muitos, embora se manifeste de forma silenciosa.

O Papa interpela a Igreja  invocando uma especial defesa e proteção para:
§  a família, que sistematicamente é ameaçada pela distorção da noção de matrimónio, a desvalorização da maternidade, a banalização e despenalização do aborto, a facilitação do divórcio e o relativismo ético. A família, deve ser uma “Igreja doméstica”, capaz de criar paz e harmonia na sociedade; aliás, a veneração e o respeito que a África reserva às pessoas idosas pode inspirar o Ocidente como exemplo de estabilidade e ordem social;

§  as mulheres, que têm uma tarefa insubstituível na sociedade e na Igreja; todos os cristãos são chamados a combater, denunciar e condenar os actos de violência contra as mulheres, seja ela, física ou psicológica.

§  as crianças, dom de Deus, fonte de esperança e de renovação, muitas vezes alvo de violações dentro da própria família, e outras obrigadas a trabalhar precocemente porque os pais morreram de HIV/SIDA, os deficientes maltratados e excluídos da convivência social, os discriminados porque albinos, as jovens sujeitas a escravatura sexual sob promessa de bom emprego ou promoção social.

§  a vida: a Igreja deve seguir avante na sua oposição ao aborto, à droga, ao álcool, e não só hoje é chamada a envolver-se cada vez mais no combate às pandemias da malária, da tuberculose, da sida, doenças que requerem uma resposta médica, farmacêutica, mas sobretudo ética, ou seja, uma prevenção eficaz baseada na abstinência sexual, na rejeição da promiscuidade sexual e na fidelidade conjugal, em nome de uma antropologia baseada no direito natural e na Palavra de Deus; é também fundamental debelar o analfabetismo - flagelo equivalente à morte social. Apesar dos objectivos do milénio que preconizam a erradicação do analfabetismo até 2015, infelizmente o nosso país não está em condições de alcançar, o que interpela a Igreja a dar a sua colaboração.

§  A Exortação Apostólica sublinha, além disso, que a África tem necessidade do bom governo dos Estados, que se exprime no respeito das Constituições, das eleições livres, de sistemas judiciais independentes, de administrações transparente e que não cedam à corrupção. É também fundamental: a exploração das matérias primas tendo em conta o bem comum; o respeito dos bens essenciais como a água e a terra; a atenção, mesmo a nível internacional, do fenômeno das migrações; a globalização da solidariedade que inclui “o princípio da gratuidade e a lógica do dom, como expressão da fraternidade” (AM 86).

 O Papa reserva uma especial interpelação em relação ao tema do diálogo, a nível:

§  ecumênico, porque um cristianismo dividido provoca escândalo; daqui o convite fundar novas associações ecumênicas que empreendam obras de caridade e protejam o patrimônio religioso, perante a expansão das Igrejas autóctones africanas, dos movimentos sincretistas e das seitas que muitas vezes seduzem tanto os responsáveis políticos como os fiéis das paróquias;

§  inter-religioso: por um lado, em relação às religiões tradicionais africanas – para distinguir o que nelas está conforme com o Evangelho daquilo que, pelo contrário, está ligado à bruxaria; por outro lado, com o Islão – embora em alguns países africanos este se possa manifestar com agressividade, contudo o Papa reafirma a importância de perseverar numa atitude de estima para com os muçulmanos, também eles monoteístas, como os cristãos; recordando a importância da disponibilidade para o diálogo, no respeito pela liberdade religiosa e de consciência.



Os campos de apostolado da Igreja que a Africae Munus ilumina

O Papa dirige-se explicitamente aos:

§  bispos: convidando-os à santidade de vida, à unidade com o Sucessor de Pedro, à comunhão com os presbíteros. Devem resistir à tentação do nacionalismo que empobrece a Igreja Local e devem empenhar-se na educação dos leigos; as dioceses devem ser “modelos quanto ao comportamento das pessoas, à transparência e à boa gestão financeira muitas das vezes deficitária (AM 104).
§  padres: devem viver uma vida exemplar no celibato e no desapego em relação aos bens materiais, superando as fronteiras tribais e raciais e sem cair na tentação de se tornarem líderes políticos ou agentes sociais, esquecendo a sua missão fundamental;
§  seminaristas: estão chamados a prepararem-se devidamente para o sacerdócio do ponto de vista teológico, espiritual e humano, em ambientes propícios também ao seu crescimento psicológico e humano, fazendo-se apóstolos dos jovens;
§  leigos: devem viver a santidade no mundo, demonstrando que o trabalho, antes de ser um meio de lucro, visa o serviço ao próximo; além disso, para quem trabalha no campo político, económico, cultural e social, é fundamental o conhecimento da Doutrina Social da Igreja;
§  diáconos, consagrados, consagradas e catequistas: o Papa insiste na sua formação permanente, para serem modelos de vida cristã e no seu testemunho de vida confiada a Deus e dedicada ao próximo;
§  escolas, universidades e instituições católicas: devem construir na sociedade, laços de paz e harmonia; procurando a Verdade que transcende a medida humana; contribuindo para desenvolver uma teologia tipicamente africana, mantendo a sua identidade católica, promovendo a sua inculturação;
§  instituições sanitárias católicas:, a Igreja deve ver em cada doente um membro sofredor do Corpo de Cristo. O seu empenho contra as doenças será portanto fiel aos princípios éticos e à defesa da vida; os fundos devem ser geridos de modo transparente e devem servir sobretudo ao bem dos doentes; há necessidade de multiplicar os pequenos dispensários, que asseguram tratamentos de primeiros socorros;
§  meios de comunicação: a Igreja deve estar presente nos média, de modo mais numeroso e mais coordenado, sem esquecer as novas tecnologias, pois são instrumentos de evangelização e de formação dos africanos para a reconciliação, a justiça e a paz.
§  A Exortação Apostólica detém-se pois sobre a importância da evangelização, entendida como missio ad gentes, ou seja, como levar a Boa Nova às pessoas que ainda não a conhecem, tanto como nova evangelização, isto é, em relação aqueles que já não seguem a prática cristã, mesmo fora dos confins africanos, nos países maissecula rizados.


Propostas Concretas da Africae Munus

Retomando algumas Proposições finais do Sínodo, a Exortação Apostólica indica algumas propostas concretas para favorecer a reconciliação, a justiça e a paz no continente:
§  incrementar a Lectio divina e o apostolado bíblico, pois a Palavra de Deus regenera a comunhão fraterna, o respeito mútuo e a mútua edificação.
§  celebrar um Congresso Eucarístico Nacional, pois a Eucaristia estabelece uma nova fraternidade que supera línguas, culturas, etnias, tribalismo, racismo e etnocentrismo, diversidade que enriquece o país, mas acaba empobrecendo devido a visão egocêntrica da realidade.
§  as Igrejas particulares proponham novos candidatos à canonização, porque os Santos são factores exemplares da justiça e apóstolos da paz; Estes, certamente ajudariam as comunidades a viver melhor o seu cristianismo, seguindo os seus passos.
§  os bispos apoiem o SECAM (Simpósio das Conferências episcopais da África e do Madagáscar), estrutura de solidariedade e de comunhão eclesial a nível continental, para que esta se torne sólida na sua intervenção diante dos flagelos que degradam a África, que se repetem sistematicamente no Continente, empobrecendo ainda mais a população vulnerável.
§  O nosso país e o continente em geral é encorajado a celebrar todos os anos um dia ou uma semana de reconciliação, particularmente durante o Advento ou a Quaresma, para reavivar o espírito de perdão entre os filhos do mesmo Pai.
§  de acordo com a Santa Sé, o SECAM poderá contribuir para a realização de um “Ano da reconciliação” de todo o continente, com indicações concretas do que se deve fazer no âmbito da reconciliação.



Conclusão

A Exortação Apostólica conclui com uma forte nota de esperança: o Papa confia à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de África, o caminho da evangelização que o continente tem pela frente para que cada membro da Igeja, se torne cada vez mais apóstolo da reconciliação, da justiça e da paz”, dons de que carece o continente e para que a Igreja em África continue a ser a esperança da humanidade, da Igreja e  “um dos pulmões espirituais da humanidade inteira”, congregada por Cristo Senhor e Rei do Universo.

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