1.QUESTÕES GERAIS SOBRE O PENTATÊUCO
1.1.Definição do termo “Pentatêuco”
Chamou-se “Pentatêuco” à lei de Moisés. Em grego o termo “pentateuchos” significa cinco livros ou volumes; Em hebraico “Humishá, Humishé Torá”, ou simplesmente Torá. É o conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia, a saber: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. Esses cinco livros são também chamados “TORÁ”, isto é, Lei, porque contém a Lei da Antiga Aliança. Os judeus de língua hebraica denominavam “os cinco quintos da Lei”’ e, no seu conjunto chamavam “Lei ou Torá”, pois era uma colecção das prescrições que regulavam a vida moral, social e religiosa do povo. O testemunho desta denominação encontra-se no início do livro do Eclesiástico bem como no início da era cristã (cf. Lc 10,26; Mt 5,17).
A autoria do Pentatêuco é atribuída a pessoa de Moisés, como redactor, mas sob inspiração divina. A crença afirma que a Torá que possuímos hoje é a mesma que nos transmitiu Moisés. Portanto, o Pentatêuco reproduz a história das relações de Deus com o mundo que é o fundamento da religião judaica.
O Pentatêuco contém a história do Homem, a origem do mundo, a origem do Povo hebreu e toda a sua legislação civil e religiosa, finalizando com a morte de Moisés (cf. Dt 34,5).
1.2.Composição literária, Data e Autoria
O Pentatêuco foi escrito no século V a.C. Porém, devido aos diferentes estilos que ele apresenta, nega-se que seja fruto de um único autor. Desde tempos antiquíssimos o Pentatêuco foi atribuído a Pessoa de Moisés como autor, embora haja muitas dúvidas que prevalecem até hoje entre os biblistas. Hoje em dia, mediante uma série de investigações que se realizam, os biblistas chegaram a uma conclusão segundo a qual o Pentatêuco é fruto de quatro tradições diferentes, a saber: Javista (J); Eloísta (E); Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D).
Esta teoria segundo a qual o Pentatêuco é fruto de quatro tradições é desenvolvida por Graf Wellhausen no final do século XIX d.C. Mas por outro lado, há uma teoria segundo a qual o conjunto do Pentatêuco mais Josué fazem um total de seis livros da mesma tradição, isto é, para compreender os cinco livros do Pentatêuco deve-se ler tendo em consideração o sexto livro que é de Josué, que aparece como continuação do Deuteronómio. Entretanto, a crítica moderna tende a separar Josué do Pentatêuco e agrupá-lo com os outros livros. Em Hexateuco, os autores concordam de que há continuação das três fontes ou tradições do Pentatêuco e o tema da promessa da terra prometida. As quatro tradições são diferentes quanto a idade do seu material e do ambiente de sua origem, mas muito posterior a Moisés.
a). Tradição Javista (J): é a mais antiga do Pentatêuco. É chamada Javista por causa do emprego anacrónico que vem do nome “YHWH” no material ou no livro do Génesis. Esta tradição situa-se, geralmente, dentro do século IX a.C., elaborado no Reino Sul. Esta fase indica o período que parece ter sido o mais decisivo na selecção, disposição e redacção do material; portanto, não exclui uma actividade redacional anterior nem posterior.
A Tradição Javista apresenta um acontecimento histórico notavelmente amplo: começa com o primeiro homem (Adão) e mostra a importância de toda a história terrena para o plano específico de Deus com respeito ao povo eleito, pondo em relevo também os relatos patriarcais e mais imediatamente os acontecimentos do Êxodo.
b) Tradição Eloísta (E): resulta a partir do nome “Elohim”do material pré-sinaítico. É um documento elaborado no Reino Norte, provavelmente editado em forma definitiva algum tempo depois do cisma de 922 a.C. ou talvez em torno de 800 a.C. Os dois documentos teriam sido reunidos num só chamado (JE).
A reforma do reino setentrional iniciada pelo profeta Elias foi provavelmente a origem da reelaboração eloísta da história de Israel. A sua extensão é menor que a da Javista; não começa com Abraão, que é apresentado anacronicamente como um profeta (Gn 20,7). É uma fonte que evita o antropomorfismo mais evocativo; Deus fala ao homem geralmente em sonhos ou desde as nuvens, ou desde no meio do fogo, ou por meio dos anjos.
c) Tradição Deuteronomista (D): há que distinguir e datar mais esta tradição, pois no Pentatêuco se limita, em geral, ao livro do Deuteronómio, de onde vem o seu nome e abreviatura (D). O seu estilo meramente parenético, expressado em vocabulário característico, põe sua composição num período de crise religiosa. Este período subsequente à queda de Israel (721 a.C.), quando ameaça Assíria, continua pesando sobre Judá e vários reis puseram em perigo a religião Javista.
A salvação só podia-se encontrar, na visão do Deuteronomista, por meio de uma leal resposta às leis impostas por YHWH na aliança e num retorno ao culto puro de Deus, no único santuário de Jerusalém. A tradição que gerou o livro do Deuteronómio adquiriu a sua forma definitiva, provavelmente, já na primeira metade do século VII a.C., e se identifica com um livro encontrado por Ezequias no Templo, isto no ano 621 a.C. (cf. 2Rs 22,8-10). A identificação se vê claramente pelo facto de as reformas introduzidas por Josias estarem estreitamente paralelas com as reformas mencionadas pelo deuteronomista.
O núcleo de suas leis e costumes remontam no Reino Norte. Estas leis levadas ao sul por refugiados no ano 721 a.C., chegaram a ser codificadas gradualmente. Depois da reforma de Josias, o Deuteronómio teria sido acrescentado a Javista e Eloísta, ficando um conteúdo (JED).
d) Tradição Sacerdotal (P): a atribuição da quarta tradição, com óbvio interesse pela liturgia, aos sacerdotes de Jerusalém, explica a sua denominação Sacerdotal (P), inicial do termo alemão Priesterkodex=sacerdote.
Se no Pentatêuco é fácil também distinguir a tradição Deuteronomista, é igualmente fácil também distinguir a tradição Sacerdotal. O seu estilo é abstracto e redundante; se interessa pelas genealogias, a apreciação cronológica e das descrições minuciosas dos elementos rituais; evita os antropomorfismos com mais cuidado que a tradição Eloísta. A maior parte da segunda metade do Êxodo, do Levítico e a maior parte dos Números pertencem a tradição Sacerdotal.
Durante o desterro (exílio), a fé de Israel se viu posta a prova. A crise foi o motivo da história sacerdotal. Porque YHWH é Santo e Israel deve ser santo, isto é, separado e incontaminado frente a toda imoralidade e a todo o culto de origem humano. Depois do Exílio, o código Sacerdotal (P) que continha, sobretudo, leis e algumas narrações teria sido compilado e associado ao material das outras tradições gerando a moldura (JEDP). É do pós-exílio, isto é, foi composto, segundo a teoria clássica, no século V a.C. e incorporado com JED no Pentatêuco por volta de 400 a.C.
A abordagem teológica fundamental de Deuteronomista é a concepção da aliança (um ponto importante para Eloísta como eleição amorosa de Israel por parte de Deus o que se baseia numa ideia Javista) e a concepção da lei como resposta leal de Israel a essa eleição. Porém a resposta deve ser pessoal, dada por cada indivíduo de cada geração (cf. Dt 6,20-25; 26,5-11).
Ademais, há certas afirmações soltas que apresenta Moisés escrevendo. Em Ex 17,14, depois da batalha contra os amalecitas, Moisés recebe esta ordem de Deus: “escreve num livro de memória”. Pouco mais tarde, quando nos encontramos no monte Sinai, se disse: “Então Moisés põe por escrito todas as palavras do Senhor” (Ex 24,4). Mas ainda no deserto: “Moisés registou as etapas da marcha, segundo a ordem do Senhor” (Nm 33,1-2). Por último, no final do Deuteronómio se indica três vezes no mesmo capítulo a actividade literária de Moisés: “Moisés escreveu esta lei e a destinou aos sacerdotes levitas” (Dt 31,9). Os conteúdos eram variados: memórias da guerra, leis, diário de viagem, canto. A escassez de tinta e papiro não constitui problema, porque para Deus nada é impossível.
Todavia, a princípios do nosso século, 27 de Junho de 1906, a Pontifícia Comissão Bíblica define que Moisés é o autor substancial do Pentatêuco, ainda que tenha utilizado fontes anteriores e ser ajudado na redacção definitiva por outros autores. Hoje em dia, uma das poucas coisas que se podem dar como absolutamente certas na investigação bíblica é que Moisés não escreveu o Pentatêuco, isto é, não é único autor do Pentatêuco pelas seguintes razões:
● Cortes e tropeços na narração
- Ao relato da criação (Gn 1,1-2,4ª) segue outro relato que envolve ou que remonta às origens e se expressa em categorias muito distintas (Gn 2,4b-24);
- Depois do nascimento de Set. (Gn 4,26), se envolve ou se remonta às origens de Adão (Gn 5,1);
- Em Ex 19,24ss, Deus ordena a Moisés que baixe o monte e suba de novo com Aarão. Mas o relato se interrompe para dar lugar ao decálogo.
● Tradições duplicadas e triplicadas
- Dois relatos da criação (Gn 1,1-2,4ª; 2,4b-24); Duas descendências de Adão (Gn 4 e 5); Dois relatos do dilúvio, misturados em Gn 6-9; Três vezes a esposa em perigo (Gn 12,10ss; 20;26); Dois pactos de Deus com Abraão (Gn 15 e 17); Dois relatos da vocação de Moisés (Ex 3 e 6); Duas promulgações do decálogo (Ex 20 e Dt 5); Lei sobre os escravos (Ex 21 e Dt 15,12-28); Leis sobre homicídio (Ex 21; Dt 19; Nm 35); Diversos catálogos de festas (Ex 23, 14ss; 34, 18ss; Dt 16,1ss; Lv 23,4ss; Nm28-29).
●Tradições distintas e opostas
- Em Ex 16,14-35 se fala do maná como um milagre divino; em Nm 11,6-9, como um fenómeno natural.
● Anacronismos
- Em Gn 21,34; 26,14-15.18; Ex 13,17 se menciona aos filisteus, que ocupam o território depois da morte de Moisés;
● Diferenças de vocabulário
- No monte donde Deus se revela se chama nalguns casos Sinai e em outros Horeb.
● Diferenças de estilo
- Numas partes do Pentatêuco encontramos estilo oratório, retórico e ampuloso (Deuteronómio), noutras ainda estilo preciso e seco (Gn 1), noutras secções um estilo narrativo e ágil e vivaz. Tudo isto mostra que o Pentatêuco não é fruto de um único autor.
Contudo, Moisés é o personagem principal do Pentatêuco ou dos primeiros cinco livros da Bíblia. Não é bem assim, ou seja, diríamos que Moisés não é o principal autor do Pentatêuco, mas sim uma boa parte ou a maior parte do Pentatêuco fala da vida de Moisés.
O Pentatêuco no geral foi redigido na época do exílio Babilónico, na época do cativeiro. O grupo que redigiu os livros do Pentatêuco é chamado de Grupo Sacerdotal, isto é, a visão que temos hoje do Pentatêuco é influenciada na sua maioria pela teologia sacerdotal.
O Pentatêuco actual é uma obra só acabada na época persa (é um longo caminho da elaboração das memórias de Israel).
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